Apesar da consciência ambiental crescente, os portugueses continuam a colocar os desafios climáticos longe das suas prioridades imediatas. Esta é uma das principais conclusões do estudo “Clima de Mudança: Perceções sobre os Desafios Ambientais em Portugal”, divulgado esta terça-feira pela Fundação Calouste Gulbenkian, que encomendou o documento à IPSOS Apeme. O relatório revela um país onde a vontade de agir esbarra na realidade económica e na perceção de que viver de forma sustentável ainda é mais caro e pouco acessível.
Segundo o estudo, 71% dos portugueses concorda que “não agir agora para combater as alterações climáticas é falhar para com as gerações futuras”, e 83% acredita que poderia fazer mais pelo ambiente. Contudo, essa intenção esbate-se no quotidiano: as alterações climáticas surgem apenas em décimo lugar entre os 18 temas que mais preocupam os cidadãos, atrás de assuntos como os cuidados de saúde, a pobreza, a desigualdade social ou a corrupção. A degradação ambiental, por sua vez, aparece ainda mais abaixo, em 14.º lugar.
Uma das barreiras mais apontadas à mudança de comportamentos é de ordem económica. Aliás, mais de metade dos inquiridos (52%) afirma que os custos associados dificultam a adoção de hábitos sustentáveis, enquanto a ausência de alternativas acessíveis é outro entrave frequentemente referido. O espaço público, que poderia servir de inspiração para práticas mais sustentáveis, também não ajuda: apenas 21% considera que reflete compromissos ambientais, embora 65% defenda que “o espaço público deve liderar pelo exemplo”.
Para Filipa Dias, investigadora da IPSOS Apeme e autora do estudo, estas perceções revelam a importância de tornar os comportamentos sustentáveis numa escolha viável e desejável. “A adesão a um modo de vida mais sustentável não se faz por decreto, pelo que se é essencial educar, não é menos importante demonstrar que essas mudanças necessárias são benéficas, antes de mais, para as pessoas”, aponta. A investigadora sublinha ainda a importância do espaço público como “montra” dessas alternativas, realçando que “não basta promover os transportes públicos, importa assegurar que são uma alternativa de confiança para os compromissos diários das pessoas ou que o traçado das ciclovias ‘entende’ e protege quem anda de bicicleta”.
Outro dado a destacar é a fraca mobilização dos mais jovens em torno das causas ambientais. Apenas 13% dos jovens entre os 18 e os 24 anos se enquadra no perfil de “Entusiastas”, enquanto a maior parte daqueles que estão nesta faixa etária se concentra no grupo dos “Desinteressados”. Estes jovens demonstram maior preocupação com o aumento do custo de vida ou o desemprego do que com a sustentabilidade ambiental, revela o estudo.
O documento traça cinco perfis distintos entre os inquiridos: “Entusiastas” (25%), “Esforçados” (27%), “Recetivos” (25%), “Ocupados” (15%) e “Desinteressados” (8%). Curiosamente, os “Entusiastas” são maioritariamente adultos entre os 45 e os 60 anos, o que torna evidente um desfasamento geracional na mobilização ambiental.
Apesar do distanciamento da população em relação a práticas sustentáveis, as organizações da sociedade civil continuam a ser reconhecidas pelo seu papel. Contudo, estas estruturas enfrentam também desafios significativos, em particular ao nível da precariedade: 41% dependem exclusivamente de trabalho voluntário e apenas 24% dos inquiridos considera que comunicam eficazmente o seu trabalho.
“Alterações climáticas, oceano, biodiversidade ou economia circular são temas cruciais para o futuro da vida humana na Terra, criando importantes desafios ao nível de mudança de comportamentos de cidadãos, autoridades, empresas e organizações da sociedade civil”, afirma Cristina Casalinho, administradora da Fundação Calouste Gulbenkian. Para isso, sublinha, “importa investir na produção de conhecimento sobre as perceções dominantes e adotar abordagens que mobilizem toda a sociedade para a transição, com a consciência de que tem de ser justa, buscando soluções ambiental, social e economicamente eficientes, ou seja, sustentáveis”.