É o apresentador do Festival ao Largo desde o seu início, há 13 anos. Mas a ligação de Jorge Rodrigues ao Teatro Nacional de São Carlos tem mais de quatro décadas. Começou em 1974 quando, aos 13 anos, viu o bailado "A Bela Adormecida". Depois nunca mais saiu daquela que chama a sua segunda casa. O miúdo, filho de operários, vivia fascinado com aquele mundo e andava sempre pelos bastidores. Tornou-se conhecido dos artistas e dos funcionários do teatro, que lhe achavam graça. Rapidamente passou da plateia para o palco e tremeu como varas verdes no seu primeiro papel, em que dizia apenas quatro palavras. É cantor do coro do São Carlos, mas também já encenou óperas e fez programas de rádio.A ópera entrou na sua vida através da televisão. O que é que o fascinou tanto em "Os Puritanos" de Bellini, que viu na RTP quando tinha 5 anos?
Eu gostava muito de ver filmes do género da Gata Borralheira, com aqueles vestidos à moda antiga. Era uma espécie de Carnaval. Acho que foi isso que me atraiu. A ópera "Os Puritanos" passa-se no tempo de Carlos I de Inglaterra, no século XVII e para mim os cantores estavam todos mascarados. Acho que foi a partir daí que comecei a gostar de ópera.A sua família incutiu-lhe o gosto pela música ou foi uma descoberta pessoal?
Foi pessoal. Os meus pais não gostavam de ópera, nem percebiam porque é que eu gostava. Quando mais tarde, já com 13 anos, comecei a vir ao São Carlos, pedia aos meus pais e a quem me oferecia presentes no Natal para me darem dinheiro, que eu usava para comprar bilhetes. Comecei logo a querer comprar uma assinatura para ver todos os espetáculos da temporada. O primeiro espetáculo que vi, em junho de 1974, foi o bailado "A Bela Adormecida", de Tchaikovsky, interpretado pelo Royal Ballet de Londres. Os meus pais eram operários e havia aquela mítica fundada de que o São Carlos era muito elitista. Era obrigatório vestir smoking ou fato para poder estar na plateia. Com o 25 de Abril isso modificou-se completamente. As pessoas já estavam à vontade. Mas passava-se um fenómeno curioso. Davam-se duas ou três récitas aqui no teatro e uma no Coliseu, com as mesmas estrelas. Era o mesmo espetáculo. Fazia-se aqui, acabava, fechava o pano e começavam imediatamente a carregar em camiões para irem para o Coliseu. Dois dias depois, fazia-se o espetáculo lá, com o Coliseu cheio de pessoas que nunca tinham vindo ao São Carlos e que se recusavam a vir porque se sentiam desenquadradas.Este teatro ainda tem esse estigma?
Creio que já não.A ópera já não é um espetáculo de elites?
É cada vez menos. É impossível hoje para um país como Portugal fazer espetáculos como se fazia antes do 25 de Abril. O Teatro Nacional de São Carlos era a joia da coroa para o regime de Salazar.Ele costumava vir ao São Carlos?
Não vinha muito, mas apoiava bastante financeiramente. Ele gostava de mostrar o teatro quando vinham cá monarcas estrangeiros. A rainha Isabel II esteve no camarote real em 1957 a assistir a espetáculos ao lado dele. Todas as grandes receções do regime eram feitas aqui. Como o teatro era muito apoiado financeiramente, tinha os maiores cantores do mundo. Quando olhamos para as temporadas desse período, julgamos que estamos no país mais rico do mundo porque vinham cá cantar a Maria Callas, a Birgit Nilsson, a Renata Tebaldi...Quando é que passou da plateia para o palco?
Já com 16 ou 17 anos comecei a estudar canto com a professora Maria Cristina de Castro. E, entretanto, fui convidado para fazer um papel falado na ópera "Arabella", de Richard Strauss. Dizia quatro palavras. Foi a primeira vez que entrei em palco e tremia que nem varas verdes. Mais tarde, já em 1981, o Carlos Avilez encenou a "Carmen". Inscrevi-me para ser figurante nessa ópera, que conhecia de cor e salteado. O encenador dava indicações cénicas e eu comecei a fazer algumas perguntas. Ele percebeu que havia um figurante que sabia a ópera de cor. Um dia, o Carlos Avilez entrou em palco com o presidente do teatro, que na altura era o Dr. José Manuel Serra Formigal, e vejo-os encaminharem-se para mim. Comecei a rezar para dentro e pensei: "O que é que eu fiz de mal?" Foi o Carlos Avilez que tinha ido pedir para eu ser assistente de encenação dele. E assim passei de figurante para assistente de encenação. Mais tarde fiz provas para o coro do São Carlos e entrei.