Álvaro Santos Pereira em Maio: "A política não está nos meus planos"
Álvaro Santos Pereira aceitou um cargo governativo, algo que não estava nos seus planos. Em entrevista ao Negócios, publicada no passado dia 27 de Maio, o economista, confrontado por Anabela Mota Ribeiro, garantia: "A política não está nos meus planos". Agora vai ser o novo ministro da Economia do Governo liderado por Passos Coelho.
“A nível de serviço público, já disse que essa não é a minha intenção. A minha intenção (com a publicação do livro “Portugal, na Hora da Verdade” foi contribuir para uma reflexão dos problemas do país, apresentar soluções diferentes. Tenho todo o gosto em colaborar, mas a questão de me tornar político não se coloca”, comentava Álvaro Santos Pereira.
“Se essa questão colocar no futuro, logo se verá. Se isso acontecer, espero que a minha independência e o meu espírito crítico não desapareçam. Tenho a certeza de que isso não vai acontecer. Um dos princípios que tenho é a integridade, a honestidade. Seria uma traição a mim próprio se quebrasse esses princípios”.
Releia aqui a entrevista:
Os favores e os padrinhos: é vergonhoso! É uma coisa que, espero, seja erradicada em Portugal
Álvaro Santos Pereira é o tipo de entrevistado que não conhece a entrevistadora, e que assume uma inversão de papéis durante a sessão fotográfica.
Pergunta-me sobre o regime em que trabalho ("freelance"), há quanto tempo faço o que faço (há anos), o "flow" da massa para trás e para a frente. Porque é que ele faz tantas perguntas?
Diz, com ar de quem deixou Viseu há muitos anos: "Não me quer tratar por Álvaro? Uma coisa de que sempre gostei no mundo anglo-saxónico é que não há senhores engenheiros, nem senhores professores, nem senhores doutores. Toda a gente é tratada pelo primeiro nome. Faço questão, quando falo com pessoas em Portugal, que me tratem pelo primeiro nome."
Combinámos encontrar-nos num café do Chiado. Telefonou dois minutos antes a apontar um atraso de cinco minutos. Eu, a entrevistadora, portuguesa, percebi que estava com um estrangeirado. Ninguém em Portugal se dá ao trabalho de ligar dois minutos antes a avisar que vai chegar cinco minutos depois.
Ouvi um amolador de facas e tesouras do outro lado do passeio. A imagem era bucólica, longínqua, inesperada no centro da cidade, manhã-não-muito-cedo. Álvaro Santos Pereira deliciou-se a olhar o amolador, a sua perícia, não se irritou com o barulho. Em Vancouver não há disto.
Quando chegou tinham passado não cinco, mas quinze minutos sobre a hora combinada. Desculpou-se o mais que pôde, que não gosta de se atrasar, patati, patatá. Eu, a entrevistadora, portuguesa, tinha-me esquecido que um estrangeirado, uma vez que pisa o solo pátrio, facilmente resvala para as práticas locais - em Portugal sê português, logo, chega atrasado.
A entrevista tem o tom provocador que Álvaro Santos Pereira gosta de imprimir às suas aulas. Quem com ferros mata, com ferros morre. Embora aqui não haja ferros, e um estrangeirado esteja habituado a ter uma plateia a desfazê-lo na primeira oportunidade.
Que temos então? Um homem que tem tanto tempo de estrangeiro como de Portugal e que escreveu um livro que pretende que seja seguido pelo Governo de Passos, se Passos for Governo.
Hoje, dia em que lêem esta entrevista, ele está em Vancouver a fazer uma vidinha em que a aventura acaba na pastelaria, mesmo que seja em Portugal, no verso de O'Neill, que a aventura acaba na pastelaria. No momento em que lêem a entrevista, ele estará a levar os filhos à escola, ou a "challenge the students", ou sentado num banco de jardim, com o "green" e o "sea" e as "mountains" à volta, a escrever no seu laptop um romance (o seu programa ideal, confessou).
A entrevista aconteceu há cerca de um mês, quando da apresentação do seu livro-receita "Portugal, na Hora da Verdade". "Gostaria que o próximo governo adoptasse a maior parte das políticas que advogo no livro". Não tem padrinhos, mas Catroga esteve na génese do projecto.
Álvaro vai a ministro? "On verra".
Escreve romances. Gostava que fizesse uma curta narrativa de quem é.
Só faço o que gosto. A escrever romances, a escrever livros de economia, dou sempre o meu melhor. A vida é tão curta que se não fazemos tudo com muita paixão e muito amor, não vale a pena fazê-lo.
Esta personagem é alguém que se permite, ou conquistou, o privilégio de só fazer o que gosta?
Infelizmente não. Mas as principais coisas que faço, faço por opção. Lutei por isso. Adoro a minha família, é a minha prioridade principal. Os meus filhos, o Tiago, a Mariana e o Miguel, têm seis, oito e quatro anos. Os meus livros, a seguir à família, são aquilo a que mais me dedico. Adoro ensinar. O que faço nas minhas aulas é "always challenge the students". Para perceberem que as coisas não são tão lineares como pensam.
Quem é que no seu caminho o desafiou, como tenta fazer com os seus alunos?
Quem é que no seu caminho o desafiou, como tenta fazer com os seus alunos?
Gosto, quando proponho políticas públicas, económicas, que critiquem. A crítica é essencial para o debate. No mundo anglo-saxónico existe a tradição de meritocracia. Se não for bom, as pessoas dizem e acabou. Não se tenta agradar desnecessariamente. Mas quando há elogios a fazer, fazem-se, não vale a pena estar com mesquinhices.
A tradição anglo-saxónica é a de não fulanizar. Em Portugal, pelo contrário, tem-se a ideia de que um elogio ou uma crítica, é uma coisa que se faz à pessoa, e não àquilo que ela produz.Exactamente.
Nessa experiência internacional, deixou de ser um português educado na cultura portuguesa para passar a estar no centro do mundo, onde as regras são outras e a qualidade dos "players" também. Quer falar da abertura a esse mundo?Fui fazer o Erasmus em Inglaterra. A partir daí fiquei. Venho cá muitas vezes, passo férias com a família, extensas. Acompanho o País; às vezes conheço melhor Portugal do que conheço o Canadá, a nível político e económico. Desde que fiquei fora habituei-me à maneira de ser anglo-saxónica. Há muitas coisas de que não gosto, há muitas coisas de que gosto. A transição foi fácil. Gostei muito de ser estudante em Inglaterra.
Para quem escreve romances, os seus resumos são muito resumidos (assumo o pleonasmo). Queria mais "details". Foi sozinho? Integrou-se num grupo, foi para um "campus"?Vivi nos alojamentos do "campus", fiz amigos, deparei-me com uma cultura muito diferente. As festas à sexta-feira, ao sábado, montes de barulho, álcool. Eles agradecem muito mais do que nós agradecemos. Nunca se dá o dinheiro às pessoas sem ser na mão; se puser o dinheiro na mesa ou no balcão está a ser rude.
O que acha que significa esse entregar na mão?
Não sei. A cultura do mérito impera, há mais respeito pelo indivíduo do que num país latino. No entanto, a cultura deles é mais impessoal. Quando é para quebrar o gelo das relações, os primeiros contactos são complicados.
Era um rapaz inseguro quando foi para Inglaterra?Nunca fui.
Sempre teve confiança em si?
Sempre teve confiança em si?
Porque é que acha que era agradável estar à mesa consigo a conversar?Em Inglaterra? Vinha de Coimbra, onde existe a cultura de falarmos à mesa a noite inteira, com uma cerveja, uns amendoins.
Era agradável porque a sua conversa era sedutora?
Era agradável porque a sua conversa era sedutora?
Estamos no capítulo "Retrato do Artista Enquanto Jovem". Como é que conseguiu convencer os seus pais?Consegui persuadi-los que para o meu futuro era indispensável que fosse para Coimbra. Para grande desgosto da minha mãe, consegui. Contavam que não aguentasse em Coimbra e que voltasse para Viseu passado umas semanas. Quando saí nunca pus a possibilidade de voltar.
O que é que se expectava para a sua vida? De Viseu a Vancouver é um longo caminho.
O que é que se expectava para a sua vida? De Viseu a Vancouver é um longo caminho.
Quem olha para si com esse ar engomadinho não pode imaginar.Se vir as fotografias da altura, era diferente. Aos 15 ou 14 fiz uma banda em Viseu, com as guitarras do Sérgio Rebelo (é um dos melhores economistas nacionais, está na Northwestern University). Também é de Viseu e o irmão dele andava comigo na escola.
As vossas influências eram o rock inglês, alternativo?
As vossas influências eram o rock inglês, alternativo?
Que autores lia? O que é que lhe interessava?
Que autores lia? O que é que lhe interessava?
Um verso do Álvaro de Campos.
Um verso do Álvaro de Campos.
Se era para ser um escritor, porque é que estudou Economia?
Se era para ser um escritor, porque é que estudou Economia?
Porque é que foi estudar Economia e não Línguas, Literatura, Filologia?
Porque é que foi estudar Economia e não Línguas, Literatura, Filologia?
Porque é que é especialmente sensível ao problema da pobreza?
Porque é que é especialmente sensível ao problema da pobreza?
Vou dizer o que disse o seu professor: para chegar onde acho que pode chegar, tem de me contar mais detalhes. Das suas escolhas, daquilo que as explica. Que coisas viu, que coisas ouviu, que o fizeram perceber a injustiça da pobreza, da distribuição não-equitativa do valor.Quando era criança passava dias inteiros na aldeia da minha avó. Era muito mau a jogar futebol, mas adorava jogar com os meus primos. E lembro-me de ver miúdos muito pobres, miúdos descalços. Havia famílias onde o álcool era uma tragédia, famílias extremamente humildes. Foram essas experiências, é difícil definir uma.
Sentia alguma culpabilidade por ser um calçado entre descalços?Não, não. Eram poucos os que andavam descalços. Aos oito, dez anos, sente-se alguma culpa?
Acha que as crianças não sentem culpa?
Acha que as crianças não sentem culpa?
Aquilo em que se especializa em Economia é na compreensão daquilo que faz o desenvolvimento económico e naquilo que ajuda a resolver desequilíbrios básicos. Insisto nele por ser um tópico tão importante, mesmo que a escolha não tenha sido consciente.
Aquilo em que se especializa em Economia é na compreensão daquilo que faz o desenvolvimento económico e naquilo que ajuda a resolver desequilíbrios básicos. Insisto nele por ser um tópico tão importante, mesmo que a escolha não tenha sido consciente.
Quando usei a frase do seu professor, estava, não só a pedir-lhe detalhes, como a provocá-lo e a tentar perceber como é que reagia a esta provocação.
Quando usei a frase do seu professor, estava, não só a pedir-lhe detalhes, como a provocá-lo e a tentar perceber como é que reagia a esta provocação.
"A democracia é o pior de todos os sistemas, com a excepção de todos os outros."Exactamente. Gosto de provocar os meus alunos, perguntando-lhes se os direitos humanos são mais importantes que o desenvolvimento económico. Dou-lhes sempre o exemplo de Tiananmen. Uma aluna chinesa uma vez disse: "Eu estava a ouvir a BBC e a Voice of America e pensava que era terrível o que o meu governo estava a fazer às pessoas, aos estudantes. Tornei-me numa mulher de negócios, viajei pela China, vi muita pobreza, muita fome. Depois de saber da transformação económica brutal que aconteceu no meu país nos últimos 20 anos, já não sei o que hei-de pensar sobre Tiananmen". Se as autoridades chinesas não se tivessem deparado com a rebelião, será que a China se desenvolvia tanto? É este dilema que provoco nos meus alunos, para os fazer entender que as coisas não são a preto e branco.
Qual é a sua resposta?
Qual é a sua resposta?
Nem um livro.Exacto. Os direitos humanos: é tudo muito bonito, e sou um incondicional da protecção dos direitos humanos. No entanto não há direito mais básico que ter uma vida decente, e ter uma vida decente para os filhos, também. Quando tinha 16, 17 anos, pertencia à Amnistia Internacional, uma organização que ainda respeito muito; mas hoje percebo que as coisas não são tão lineares como pensava.
Como é que se desencantou?Não me desencantei, percebi. A história de Tiananmen é um bom exemplo de como às vezes as coisas não são tão simples.
Ficou com um discurso político. Isso é o tipo de concessões e o tipo de conciliação que os políticos muitas vezes fazem.
Ficou com um discurso político. Isso é o tipo de concessões e o tipo de conciliação que os políticos muitas vezes fazem.
Tinha expectativa de o ver político em Portugal daqui a não muito tempo. Estou a ver que dificilmente abdicará da sua carreira de académico em Vancouver.A nível de serviço público, já disse que essa não é a minha intenção. A minha intenção foi contribuir para uma reflexão dos problemas do país, apresentar soluções diferentes. Tenho todo o gosto em colaborar, mas a questão de me tornar político não se coloca. Se se colocar no futuro, logo se verá. Se isso acontecer, espero que a minha independência e o meu espírito crítico não desapareçam. Tenho a certeza de que isso não vai acontecer. Um dos princípios que tenho é a integridade, a honestidade. Seria uma traição a mim próprio se quebrasse esses princípios.
Agora percebo que estou a falar com um homem que tem 39 anos.
Agora percebo que estou a falar com um homem que tem 39 anos.
Porque parece haver alguma ingenuidade no seu discurso.
Porque parece haver alguma ingenuidade no seu discurso.
O que é que aprendeu sobre Portugal a partir do momento em que a sua grelha de leitura passou a ser anglo-saxónica?
O que é que aprendeu sobre Portugal a partir do momento em que a sua grelha de leitura passou a ser anglo-saxónica?
São quase tantos anos de estrangeiro como de Portugal.
São quase tantos anos de estrangeiro como de Portugal.
Esperar um tacho?
Esperar um tacho?
Em Portugal pergunta-se quem mete a cunha, qual é o apelido, quem é o padrinho.
Em Portugal pergunta-se quem mete a cunha, qual é o apelido, quem é o padrinho.
Quando é que percebeu que nada é impossível?
Quando é que percebeu que nada é impossível?
Isso é uma cultura muito orientada para o sucesso.
Isso é uma cultura muito orientada para o sucesso.
Qual é o seu "drive? What makes you run"?
Qual é o seu "drive? What makes you run"?
Escreveu o livro pensando que ele podia ser uma espécie de manifesto?
Escreveu o livro pensando que ele podia ser uma espécie de manifesto?
Foi o Eduardo Catroga, não o seu padrinho, mas aquele que o convenceu a escrever este livro há um ano?
Foi o Eduardo Catroga, não o seu padrinho, mas aquele que o convenceu a escrever este livro há um ano?
É claro para si que o livro contém uma receita.
É claro para si que o livro contém uma receita.
Isso, nunca chegámos a ser.
Claro. A Argentina estava a começar a ser um país intermédio, mas havia a possibilidade de se tornar um alto milagre económico, como nós, até aos anos 90. A Argentina nunca recuperou depois do Perón. Espero que Portugal consiga recuperar depois de José Sócrates e dos governos dos últimos 16 anos. Para o fazer é urgente que o próximo governo mude o curso. Por isso escrevi este livro.
Quer convencer-me de que quer continuar em Vancouver, depois do que acaba de dizer? Parece evidente que tem uma apetência política.
Quer convencer-me de que quer continuar em Vancouver, depois do que acaba de dizer? Parece evidente que tem uma apetência política.
Falo da sua vontade de mudar o curso das coisas, confiando em si e naquilo que contém o seu livro.A política não está nos meus planos. A intenção é a de influenciar, senão não teria escrito o livro. Se me está a dizer que tenho um político dentro de mim, todos os economistas são um bocadinho políticos. Os que fazem macroeconomia têm de ser políticos, porque quando se fala de política económica tem que haver escolhas. Não há que ter medo das nossas opções.
Isso já é uma resposta politicamente correcta.
Isso já é uma resposta politicamente correcta.
Como é a sua vida? Vive numa casa boa, vai a pé para o trabalho, trabalha quantas horas por dia?
Como é a sua vida? Vive numa casa boa, vai a pé para o trabalho, trabalha quantas horas por dia?
E os romances que escreve, são sobre quê?
E os romances que escreve, são sobre quê?
Os romances que escreve não têm nada que ver com os livros de economia?
Os romances que escreve não têm nada que ver com os livros de economia?
Mais lidas