Centeno garante transparência no negócio da sede e adverte que IGF poderá não fazer auditoria
O governador do Banco de Portugal, que soube se quinta-feira que não será reconduzido, assegurou que o negócio com a Fidelidade para a instalação da nova sede do supervisor cumpriu as melhores práticas com todo o rigor.
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Um dia após ser anunciado pelo Governo que Álvaro Santos Pereira vai suceder a Mário Centeno à frente do Banco de Portugal, o atual líder do supervisor assegurou, em entrevista à RTP, que, apesar de ter manifestado vontade de cumprir novo mandato, "não pode haver desilusões, nem estados de espírito". Questionado sobre a sua independência, disse que "ninguém" a pode pôr em causa.
Centeno começou por dizer que aceitou a entrevista para esclarecer as questões levantadas recentemente em torno do negócio entre o Banco de Portugal (BdP) e a Fidelidade para a nova sede do supervisor. E, sobre esta matéria, foi dizendo que a anunciada auditoria da Inspeção-Geral das Finanças (IGF) poderá ser contestada judicialmente, estando o BdP a analisar a questão.
Sobre a sua não recondução e a escolha de Santos Pereira para novo governador, Centeno foi parco em palavras. O antigo ministro das Finanças disse que a decisão do Executivo lhe foi transmitida pelo ministro das Finanças e que não houve justificações apresentadas. Para Álvaro Santos Pereira deixou desejos de "muitas felicidades nas novas funções".
O economista dedicou a maior fatia da entrevista a explicar o processo da nova sede do BdP, garantindo que o facto de estar em final de mandato quando foi tomada a decisão é irrelevante. "O Banco de Portugal tem décadas de espera por este investimento", sublinhou, acrescentando que "passaram oito governadores e 22 ministros das Finanças" desde que o BdP iniciou o processo de encontrar um sítio para a nova sede. "O Banco de Portugal olhou para mais de 20 localizações em Lisboa", atirou.
Passando às dúvidas levantadas sobre o processo, Centeno mostrou-se mais contundente. "O Banco de Portugal tem um rigor financeiro inquebrantável em todas as suas decisões", começou por afirmar, passando depois ao ataque: "acho muito leviano que se levantem dúvidas sobre estas relações contratuais".
Mário Centeno referiu que o BdP trabalhou com consultoras conceituadas para analisar todo este processo. "Nós não avençámos uma empresa para vir trabalhar connosco", disparou.
Questionado sobre qual o valor total do projeto, que o Observador noticiou ser superior aos anunciados 192 milhões de euros, Centeno argumentou que o contrato promessa de compra e venda que foi assinado com a Fidelidade para instalar a sede nos terrenos da antiga Feira Popular é de 192 milhões. Contudo, admitiu, que o projeto implicará outros custos, nomeadamente mobilar o edifício para albergar os funcionários do BdP que se encontram atualmente dispersos por várias instalações. Mas, garantiu, a nova sede permitirá ao BdP "poupar 10 milhões de euros por ano".
O governador escusou-se a revelar uma estimativa para o valor total, uma vez que isso seria "dar um valor de referência aos fornecedores", o que seria prejudicial para o BdP. Mas, sublinhou, essas estimativas foram partilhadas com o Ministério das Finanças.
Aliás, frisou, o Banco de Portugal partilhou informação de forma voluntária, com o ministério liderado por Miranda Sarmento a ter conhecimento de "todos os documentos finais deste processo". E, revelou, as duas avaliações feitas "distavam 15 milhões de euros", tendo o BdP "seguido a de menor valor". Essas avaliações, acrescentou, foram igualmente partilhadas com o ministério.
E quanto aos alertas de algumas das consultoras que foram noticiados, Centeno indicou que o supervisor "transpôs todas as questões que foram levantadas para o contrato", por forma a "salvaguardar" o Banco de Portugal. E insistiu na ideia de que as dúvidas levantadas são "levianas". "Não estamos a falar de uma empresa que faz consultoria no interior do país. Estamos a falar da Fidelidade", defendeu.
Já sobre a auditoria da Inspeção-Geral das Finanças (IGF) anunciada, Centeno abriu a porta a que esta seja travada por via jurídica. "A questão jurídica sobre essa matéria está a ser tratada", disse, lembrando que em 2020 o Banco de Portugal pediu pareceres sobre essa possibilidade e que o entendimento foi de que não seria possível a IGF realizar auditorias ao Banco.
"Há muitas formas do Ministério das Finanças contactar com o Banco de Portugal", disse. "Há um conselho de auditoria", que é o canal apropriado para o acionista questionar sobre este tipo de questões, reforçou.
Instado a comentar a decisão do ministro, Centeno colocou um ponto final no tema: "não vou interpretar a decisão do ministro das Finanças".
Outro tema "quente" foram as nomeações feitas recentemente, quando a sua saída estaria já próxima. Sobre esta matéria, Centeno mostrou um lado mais aguerrido, sublinhando que as duas nomeações em causa - a de Rita Poiares, casada com o ex-secretário de Estado Ricardo Mourinho Félix, e da recondução do seu chefe de gabinete, Álvaro Novo - são de "duas pessoas que têm carreiras longas no Banco de Portugal". "Para entrar no Banco de Portugal não se pode ter média de 10", reforçou.
A promoção a diretora-adjunta de Rita Poiares mereceu uma defesa mais acalorada, com Centeno a frisar que a economista "foi promovida pelos três últimos governadores do Banco de Portugal".
Já sobre Álvaro Novo, o governador limitou-se a dizer que "o que o conselho de administração fez foi garantir as condições de funcionamento do governador até ao fim da sua permanência nessa posição".
Mário Centeno assegurou ainda que o Banco de Portugal "não mudou de atitude" e frisou que a sua independência e a independência do BdP "não pode ser posta em causa por ninguém".
O governador lembrou que o BdP sempre "avaliou a situação económica do país. Sejam os textos mais críticos ou não". E, recordou, "o BdP começou a publicar projeções orçamentais quando era ministro Fernando Medina".
"O Banco de Portugal nunca deixou de dizer aquilo que tem para dizer sobre a economia portuguesa", afiançou. Sobre o "timing" de alguns textos do Banco de Portugal coincidirem com decisões do Governo sobre essas matérias, Centeno retorquiu que, por exemplo, "o primeiro texto do Banco sobre a descida do IRC e o seu impacto na economia é anterior à crise financeira e dizia, basicamente, o mesmo que o último".
Segundo o governador, trata-se de análise económica, apontando que o BdP publicou um documento em que indicava que o efeito de garantias ao crédito para a habitação e isenção do IMI para os jovens teria "um efeito transversal nos preços da habitação". "Estamos agora a ver isso ocorrer", concluiu.
Quanto ao futuro, Centeno preferiu esconder o jogo e, apesar de dizer não ter grandes convicções religiosas, apontou que "o futuro a Deus pertence".
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