O ano de 2024 em revista
As personalidades, os acontecimentos, os negócios, a ação e as palavras que marcaram o país e o mundo em 2024. Um ano em que se multiplicaram as crises internamente e lá fora. Conheça as escolhas do Negócios.
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A palavra do ano: Imigração
Outras palavras
Personalidade nacional: Luís Montenegro
Passado primeiro teste
Ganhou à tangente as legislativas de 10 de março, desdobrou-se na apresentação de pacotes em várias áreas governativas, conseguiu a viabilização do Orçamento para 2025 que o obrigou a recuar em pontos importantes, mas que foi o primeiro grande teste à sua governação. Fecha o ano com a imigração em pano de fundo.
As eleições legislativas de 10 de março, convocadas inesperadamente depois da demissão de António Costa, marcaram a viragem do país à direita e trouxeram um novo protagonista: Luís Montenegro, primeiro-ministro, a quem muitos auguraram um trajeto curto, cedo interrompido por um Orçamento do Estado (OE) chumbado e logo seguido de nova crise política, mas que tem conseguido trocar as voltas aos mais pessimistas.
A Aliança Democrática (AD) venceu as eleições com a margem mais curta da história da democracia, apenas a 54 mil votos de distância do PS de Pedro Nuno Santos. 80 deputados, ao todo, um número reduzido para alcançar uma maioria no Parlamento.
Montenegro fechou a noite eleitoral a pedir "condições de governabilidade e estabilidade" e que se cumprisse a vontade do país, expressa nas urnas. Voltaria depois a fazê-lo outras vezes, sempre a descartar qualquer aliança com o Chega, numa permanente reedição do "não é não" pré-eleitoral.
A eleição do presidente da Assembleia da República foi um primeiro embate com a esquerda, com Aguiar-Branco a ser eleito apenas à quarta tentativa, e as eleições ao Parlamento Europeu também não lhe saíram bem, com Sebastião Bugalho incapaz de vencer Marta Temido, mas marcou pontos com a com a indicação de Maria Luís Albuquerque para o executivo comunitário de Ursula von der Leyen.
Por cá, pôs o Governo a trabalhar a todo o gás com vista à prometida "mudança estrutural". Desde a alteração do logótipo do Executivo - o primeiro anúncio - à decisão sobre a localização do novo aeroporto, os acordos com os professores e com os polícias e vários pacotes de medidas, em áreas como o combate à corrupção, imigração, saúde, administração pública ou economia.
Com muita coisa a ter de passar pelo Parlamento, começou também aí uma ginástica estratégica que muitas vezes obrigou a engolir sapos. Começaram a surgir resultados, como o IMT Jovem, mas também medidas aprovadas à revelia do Executivo. A mais dolorosa terá disso a redução intercalar do IRS, em que a iniciativa foi de Joaquim Miranda Sarmento, mas o que acabaria por vingar foi a proposta dos socialistas, que contaram com a abstenção do Chega.
Mas o teste de fogo ao Governo de Montenegro seria o OE para 2025. O PS, que logo na noite das eleições assumiu que passava à oposição e que não tinha intenções de lhe fazer a vida fácil, esticou a corda até ao fim. Num cenário em que tanto o Chega como os partidos mais à esquerda anunciaram desde o início que votariam contra, o PS ficou com o desfecho final nas mãos.
Marcelo avisou cedo que sem Orçamento o caminho seria o das eleições, mas isso não interessava a nenhum partido e isso acabaria por facilitar as negociações com o PS, numa proposta de OE em que o IRS Jovem e a descida da taxa do IRC eram os dois elefantes na sala, mas que havia muito de continuidade face ao que vinha já do anterior Governo. Montenegro cedeu no IRS Jovem, que acabou com um desenho muito diferente do gizado por Miranda Sarmento, mas bateu o pé na decida do IRC, uma das medidas-chave do seu programa. O imposto desceu apenas um ponto percentual – o Governo queria dois – mas desceu. O PS absteve-se e o OE passou. Para o ano logo se vê.
E se 2025 é uma incógnita, 2024 fecha com a imigração em pano de fundo e uma fotografia que correu as redes sociais: dezenas de pessoas, imigrantes, na sua maioria, encostadas à parede na Rua do Benformoso, ao Martim Moniz, em Lisboa, numa "operação especial de prevenção criminal" desencadeada pela PSP que muitos – incluindo à direita - condenaram como sendo um ataque ao Estado social e de direito.
Montenegro ao invés, afirmou que a operação foi "muito importante" para criar "visibilidade e proximidade" no policiamento e para aumentar a sensação de tranquilidade dos cidadãos. Poucas semanas antes, no final de novembro, já o primeiro-ministro tinha vindo bater também na tecla da segurança. Preparou uma comunicação ao país para as oito da noite, horário dos telejornais, e, ladeado pelas ministras da Justiça e da Administração Interna, anunciou 20 milhões para veículos para as forças de segurança e disse que "Portugal é um dos países mais seguros do mundo, mas é preciso não viver à sombra da bananeira de uma performance passada".
Com a agenda securitária em curso, e ainda que sem relacionar diretamente segurança e imigração, o Governo tem defendido "portas abertas, mas não escancaradas" e tomou medidas como o fim do regime excecional da "manifestação de interesse". Mais recentemente a direita aprovou, no Parlamento, um projeto de lei do PSD e do CDS que faz com que os cidadãos estrangeiros em situação irregular e não residentes deixem de ter direito ao atendimento gratuito no SNS.
2025 é uma incógnita e a aprovação do novo OE antecipa-se uma tarefa difícil. Num cenário de novas eleições, o PSD tem de ir buscar à direita os votos que tem vindo a perder para o Chega e, mesmo que as estatísticas não permitam concluir pela existência de uma ligação entre imigração e insegurança, políticas mais musculadas nestas áreas podem render votos preciosos.
Acontecimento nacional: Muito mais do que um Orçamento
Os passos para tentar aprovar o Orçamento para 2025 começaram meses antes da apresentação em outubro, mas não houve acordo com o PS que, mesmo assim, acabou por viabilizar através da abstenção, dando oxigénio ao Governo pelo menos até 2027. A dramatização foi quase até ao último minuto.
Muito mais do que um OE
Os passos para aprovar o Orçamento para 2025 começaram meses antes de outubro, mas não houve acordo com o PS que, mesmo assim, acabou por viabilizar através da abstenção, dando vida ao Governo por dois anos.
Como acontece sempre com qualquer Orçamento do Estado, o de 2025 saiu do Parlamento numa versão revista e alargada da original entregue pelo Governo a 10 de outubro. Mas também é um documento que politicamente prolonga a vida do Executivo de Luís Montenegro até, pelo menos, 2027.
O calendário não permite ter grande margem para legislativas antecipadas e depois de estar assegurado o OE 2025, foram muitos os membros do Governo que confessaram alívio: até 2027 "estava garantido". A dramatização foi quase até ao fim.
Longe de assegurada está a viabilização do Orçamento do Estado para 2026, um ano crítico para o plano de recuperação e resiliência (PRR), quando termina o período de execução da chamada "bazuca" europeia. Um novo apoio do PS será difícil, podendo o Executivo da Aliança Democrática (PSD e CDS-PP) virar-se para o Chega. Com 80 deputado do lado da AD e 50 da bancada do partido liderado por André Ventura – desde que votem a favor –, o documento tem futuro.
Com Marcelo Rebelo de Sousa impedido constitucionalmente de dissolver o Parlamento no último semestre do mandato e o futuro inquilino de Belém sem poderes para o fazer nos seis meses seguinte à eleição, o mais provável, é que o Governo seja empurrado para duodécimos em 2026. E depois eleições antecipadas. Aliás, no discurso de encerramento do debate do OE 2025, o ministro das Infraestruturas deixou a nota: "Seremos avaliados no momento próprio. Que não subsistam dúvidas, não receamos nem recearemos essa avaliação." Com o OE 2025 aprovado, abre-se um novo ciclo político, com autárquicas (em setembro) e presidenciais (em janeiro de 2026). Ainda há que contar com as regionais da Madeira, possivelmente já no primeiro trimestre de 2025.
Generoso, q.b.
O Orçamento do Estado para 2025 foi um processo atribulado. Houve surpresas, recuos inesperados e um recorde de propostas de alteração: mais de 2.100.
A descida da taxa normal do IRC, uma das grandes bandeiras da AD, acabou por ser de um ponto percentual e não dois, como inicialmente proposto pelo Governo, passando para 20%. Para as pequenas e médias empresas também desce um ponto para 16%. O resultado acabou por ser menos ambicioso do que a versão inicial. E ainda teve de aceitar muitas medidas aprovadas pela oposição.
O IRS conhece igualmente alterações profundas em 2025, a começar pelos jovens com o alargamento para todos os contribuintes até aos 35 anos, independentemente do grau de ensino e mais anos para beneficiar de uma taxa reduzida. A medida vai ter um custo estimado superior a 500 milhões de euros por ano. Ainda no IRS, o escalões serão atualizados à taxa de inflação prevista (4,6%), o valor da dedução específica aumenta, aliviando o imposto a pagar e o limiar de isenção (mínimo de existência) sobe.
Os prémios de produtividade, desempenho participação nos lucros ou gratificações de balanço, pagos sem caráter regular pelas empresas, beneficiarão de uma isenção total de IRS e Taxa Social Única desde que até ao montante igual ou inferior a 6% da remuneração base do trabalhador.
Os pensionistas terão o aumento regular a partir de 1 de janeiro a que se junta o adicional de 1,25 pontos percentuais, por proposta do PS, elevando a atualização para 3,8% para a maioria das pensões.
Personalidade Internacional: Elon Musk, o presidente não-eleito dos EUA
O multimilionário e Donald Trump vivem um "bromance". A dúvida consiste em saber se dois egos insuflados conseguem manter uma relação saudável. Para já, Elon Musk conquistou um enorme poder político sem ir a votos.
Poderoso influenciador Elon Musk usa a rede social X como vértice de uma estratégia que o tem tornado uma figura incontornável. Conduziu entrevistas a Trump, é capaz de fazer senadores republicanos mudarem de opinião, defende a extrema-direita alemã e critica juízes italianos. O multimilionário assume-se como um manipulador do espaço político.
Elon Musk tem, por estes dias, o estatuto de presidente não eleito dos Estados Unidos da América. O seu empenho e a circunstância de ter colocado a rede social X ao serviço da campanha foram fatores decisivos para garantir o regresso de Donald Trump à Casa Branca. Este já lhe começou a pagar o esforço, nomeando-o para liderar o departamento de Eficiência Governamental. Neste organismo "sui generis", Musk terá todos os poderes que Trump lhe quiser atribuir, com a vantagem de escapar ao escrutínio do Congresso norte-americano, na medida em que não irá ocupar formalmente um cargo público. Mais, como consultor externo do governo federal, vai manter todos os investimentos e os cargos que ocupa nas suas empresas.
Elon Musk tem, por estes dias, o estatuto de presidente não eleito dos Estados Unidos da América. O seu empenho e a circunstância de ter colocado a rede social X ao serviço da campanha foram fatores decisivos para garantir o regresso de Donald Trump à Casa Branca. Este já lhe começou a pagar o esforço, nomeando-o para liderar o departamento de Eficiência Governamental. Neste organismo "sui generis", Musk terá todos os poderes que Trump lhe quiser atribuir, com a vantagem de escapar ao escrutínio do Congresso norte-americano, na medida em que não irá ocupar formalmente um cargo público. Mais, como consultor externo do governo federal, vai manter todos os investimentos e os cargos que ocupa nas suas empresas.
O multimilionário nascido na África do Sul assegura assim o melhor de dois mundos. Por um lado, pode usar o papel de consultor para beneficiar as suas empresas, da Tesla à SpaceX passando pela Neuralink, por outro, garante acesso a uma quantidade brutal de informação classificada e terá enorme capacidade de influenciar decisões.
De tal forma que a Força Aérea lhe negou recentemente um acesso de segurança de alto nível devido aos riscos associados a ele - e alguns aliados dos EUA, entre os quais Israel, já manifestaram as suas preocupações sobre a possibilidade de Musk partilhar com terceiros os dados a que terá acesso, dando razão à máxima segundo a qual "informação é poder".
O Semafor, jornal online norte-americano, num artigo publicado a 6 de novembro, foi perentório nesta matéria: "Após as duas últimas eleições presidenciais dos EUA, surgiram dúvidas sobre o que elas significariam para a indústria tecnológica. Depois desta, os resultados são claros: o grande vencedor é Elon Musk e o seu vasto império de carros elétricos, foguetões, implantes cerebrais e centros de dados de IA".
"Elon Musk tem um poder que nenhum outro empresário do capitalismo teve" resume Josep Ramoneda, filósofo espanhol, numa entrevista publicada no site do Instituto Humanitas Unisinos.
O empresário já possuía uma notoriedade mediática muito acima da média, devido à sua riqueza, mas também por força de um persistente comportamento excêntrico. Agora, com o apoio a Donald Trump, galgou para o patamar de influenciador político. Aliás, há mesmo quem lhe atribua um grau de preponderância sobre o presidente eleito dos EUA superior ao do vice-presidente JD Vance.
A efetividade deste poder ficou patente na semana anterior ao Natal. Elon Musk recorreu à rede X para criticar o compromisso que o presidente da Câmara dos Representantes, o republicano Mike Johnson, havia alcançado com os democratas para financiar temporariamente as operações do governo dos EUA até meados de março. Resultado, os senadores republicanos acabaram por votar contra a proposta que tinha sido avalizada pelo seu próprio líder. O próprio Donald Trump teve de ir a reboque de Musk, declarando publicamente que também se opunha ao projeto de lei de financiamento do governo. Dois egos enormes
Dois egos enormes
O empresário envolveu-se também na política interna italiana, verbalizando críticas a juízes de Roma, devido às suas decisões contrárias à política migratória do Governo italiano de extrema-direita. "Esses juízes precisam de sair", sentenciou. "Já não é a independência do poder judicial que está aqui em causa, mas sim a soberania do Estado italiano", reagiu a vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados, Alessandra Maddalena.
A primeira-ministra, Giorgia Meloni, ao invés, mantém uma relação de proximidade com ele. "Posso ser amiga de Elon Musk e, ao mesmo tempo, chefe do primeiro Governo italiano que criou uma nova lei para regulamentar a atividade privada no espaço", disse a governante já este mês de dezembro.
Elon Reeve Musk nasceu em Pretória a 28 de junho de 1971, sendo o mais velho de três irmãos. Aquele que é um dos mais bem-sucedidos empresários de sempre, o que faz dele o homem mais rico do mundo (com 313 mil milhões de dólares) e que nas últimas semanas se manteve na ribalta também pelo forte apoio a Donald Trump, é considerado um excêntrico e também imprevisível – características que talvez tenha ido buscar à sua infância menos feliz.O pai era um engenheiro sul-africano e a mãe uma modelo e nutricionista canadiana. Quando o casal se divorciou, em 1980, Musk viveu sobretudo com o primeiro – a quem mais tarde chamou de "um ser humano terrível". O hoje empresário foi vítima de "bullying", tendo chegado a ser hospitalizado, e o pai ainda lhe terá batido devido a isso, episódio que Musk nunca perdoou.
A sua argumentação maniqueísta casa na perfeição com a visão de Donald Trump - e o poder que este agora lhe outorga confere a Musk uma capacidade de influenciar a ordem mundial, não apenas no plano económico, mas igualmente no político. Sem ir a votos, o empresário venceu as eleições norte-americanas de 5 de novembro de 2024, e os seus comportamentos anteriores abrem espaço para que se conclua que estão abertas as portas para uma relação promiscua entre negócios e política.
"Dois homens com egos enormes mas visões do mundo bastante divergentes a partilhar o Salão Oval? O que pode correr mal? Pessoalmente, dou menos de 50% de hipóteses de o ‘bromance’ [expressão inglesa utilizada para designar um relacionamento íntimo, não-sexual e romântico] Trump-Musk sobreviver aos primeiros 100 dias", vaticinou Gabriel Gatehouse, antigo editor da secção Internacional da BBC Newsnight, uma análise publicada a 23 de novembro, no Financial Times. Aceitam-se apostas.
Acontecimento internacional: Eleição de Trump já está a reconfigurar o mundo
A eleição de Donald Trump como o próximo presidente dos EUA mexeu de imediato com os mercados e com as estratégicas políticas, económicas e comerciais de vários países e blocos. E isto sem ter ainda tomado posse.
A segunda vez
Mesmo envolto em processos judiciais e com responsabilidades no ataque ao Capitólio, ocorrido a 6 de janeiro de 2021, Donald Trump voltou a ser o candidato presidencial dos republicanos e derrotou de forma inequívoca a democrata Kamala Harris.
O furacão Trump "varreu" Kamala Harris e conquistou a Casa Branca. A vitória nas eleições presidenciais norte-americanas de 5 de novembro foi concludente e vai transfomar a imprevisibilidade num novo normal à escala mundial.
Donald Trump ainda não tomou posse e já está a mudar o xadrez geoestratégico. Apesar de só se tornar no próximo presidente dos EUA a 20 de janeiro, a sua eleição mexeu de imediato com os mercados. E não só. O republicano de 78 anos rapidamente acenou com a imposição de tarifas alfandegárias adicionais sobre os produtos importados de vários países, como a China, e a lembrança da guerra comercial com Pequim no seu primeiro mandato deixou os mercados receosos – mas apenas numa primeira reação a quente, já que o conhecido "cheerleader" de Wall Street tem trazido boas perspetivas a muitas classes de ativos, como as ações e as criptomoedas.
Foi a 25 de novembro que Trump anunciou que pretendia impor tarifas adicionais de 10% sobre a importação de produtos chineses e de 25% sobre bens provenientes do México e do Canadá. Mas muitos observadores dizem que pode estar apenas a usar uma tática de dissuasão, já que esta medida se deve à imigração ilegal e ao tráfico de drogas provenientes daqueles países. Por isso, os receios de uma guerra comercial mais alargada não estão, para já, em cima da mesa. Ainda assim, a sua ameaça mais recente - impor "tarifas em toda a linha" aos produtos europeus se a União Europeia não reduzir o "gigantesco" excedente comercial com os EUA - trouxe novos temores.
E Trump, que foi o primeiro presidente eleito não consecutivamente nos Estados Unidos, tem "disparado" em muitas outras frentes. Quer colocar um ponto final na guerra entre a Rússia e a Ucrânia e está a pressionar o Hamas para que liberte, até à sua tomada de posse, os israelitas que tomou como reféns no ataque de 7 de outubro de 2023 – ameaçando com "sérias consequências" se isso não acontecer. E além de algumas nomeações que fez para a sua Administração terem também provocado polémica, tem continuado a avançar com ideias inesperadas, como tornar o Canadá no 51.º estado norte-americano ou acabar com o limite ao endividamento federal – o chamado "debt ceiling".
A China, já a precaver-se para potenciais novas tarifas da era Trump, anunciou entretanto que pretende adotar mais medidas de estímulo monetário e orçamental em 2025. Foi a primeira vez nos últimos 14 anos que definiu uma alteração na sua política monetária.
E, noutros planos, há estratégias que podem também ajudar se houver tarifas adicionais dos EUA. É o caso da UE e dos países do Mercosul, que chegaram a um acordo político para aquele que será o maior acordo comercial e de investimento do mundo, servindo um mercado de 700 milhões de consumidores, no âmbito do reforço da cooperação geopolítica, económica, de sustentabilidade e de segurança.
Tudo está em aberto, mas uma coisa parece certa: o novo presidente dos EUA já está a levar à redefinição de estratégias comerciais, políticas, económicas em grande parte do mundo.
Os negócios nacionais que marcaram o ano
Acordo fecha mecanismo de capital do Novo BancoSó devia terminar no final do próximo ano, mas havia vontade de antecipar o processo. O Fundo de Resolução e a Lone Star redigiram o acordo, as Finanças deram o aval, e, sete anos depois, acabou o mecanismo que injetou 3,4 mil milhões de euros no Novo Banco. A instituição liderada por Mark Bourke pode agora distribuir reservas acumuladas através de dividendos e avançar para o IPO ou ser vendida a um só comprador.Amadeus compra a portuguesa Vision-BoxA Amadeus, uma gigante tecnológica ligada à indústria do turismo, veio às compras em Portugal. Apresentou uma proposta no valor de 320 milhões de euros para ficar com a totalidade do capital da Vision-Box, empresa portuguesa que se notabilizou pelo controlo de fronteiras eletrónico através de soluções biométricas. A companhia espanhola assegurou os postos de trabalho dos 470 trabalhadores da Vision-Box nos mais de 100 países em que está presente.Mina de Neves-Corvo fala suecoA Lundin Mining anunciou a venda da Somincor, concessionária da mina de Neves-Corvo, em Castro Verde, no distrito de Beja, aos suecos da Boliden, numa operação justificada pelo foco no cobre. A venda, realizada em simultâneo com a mina sueca de Zinkgruvan, foi realizada por um montante global que ascende a 1,44 mil milhões de euros.Douro Litoral rende 400 Milhões A venda da Autoestradas do Douro Litoral (AEDL) a fundos geridos pela Igneo Infrastructure Partners é o maior negócio do ano em Portugal. Abertis e a Globavía também estavam na corrida, mas a Igneo acabou por fechar a compra da AEDL, que gere as autoestradas A43, A41 e A32 - que servem a Área Metropolitana do Porto e contam com mais de 73 quilómetros de extensão -, por um valor em torno dos 400 milhões de euros.Dinamarqueses compram a SolidalA NKT acordou com o "private equity" Njord Partners a compra da totalidade do capital da Solidal - Condutores Eléctricos, empresa localizada em Esposende. Esta compra, por um "enterprise value" de 192 milhões de euros, permite à empresa dinamarquesa alargar a sua presença geográfica no sul da Europa, complementando as fábricas que detém na Dinamarca, na Chéquia, e na Alemanha.Digi compra a NowoA Digi protagonizou uma das maiores operações do ano com a compra da Cabonitel, a dona da Nowo, por um valor que, de acordo com a Dealogic, ascendeu a 150 milhões de euros. Esta aquisição foi realizada antes de a operadora de telecomunicações romena ter colocado no "terreno" a sua operação comercial. A Digi começou a vender os seus pacotes de telecomunicações "low cost" no início de novembro.Alegro Montijo vendido a sul-africanosO Alegro Montijo mudou de mãos nos últimos meses. A empresa sul-africana Lighthouse Properties comprou o centro comercial localizado no Montijo, que faz parte da Área Metropolitana de Lisboa, com 120 lojas, 20 restaurantes, seis salas de cinema NOS e um hipermercado Continente, numa transação que foi realizada, segundo os dados da Dealogic, por uma soma que ascendeu a 177,8 milhões de euros.Cepsa vende negócio à CopecA Cepsa, que entretanto mudou de nome para Moeve, fechou em 2024 a venda do seu negócio retalhista de butano, propano e gás automóvel em Espanha e Portugal. Dando seguimento à estratégia de desinvestimento em ativos do seu tradicional negócio petrolífero, alienou estas operações à empresa chilena Copec, num negócio avaliado em cerca de 275 milhões de euros.Quinta do Lago compra o Conrad O Conrad Algarve, um luxuoso hotel localizado em Almancil, no concelho de Loulé, tem novo dono. Este empreendimento hoteleiro de 54 suítes, 80 apartamentos, duas vilas e seis restaurantes e bares, entre eles um restaurante com estrela Michelin, foi adquirido pelo grupo Quinta do Lago. A aquisição acordada com o fundo gerido pela ECS, a gestora de activos participada pela Davidson Kempner Capital Management, terá sido realizada por um valor que, de acordo com dados da Dealogic, ascende a 200 milhões de euros.Powerdot obtém mais 100 milhõesA Powerdot garantiu um financiamento de 100 milhões de euros por parte dos seus principais investidores, o Grupo Arié e o fundo francês Antin Infrastructure Partners, que em 2022 injetou 150 milhões na empresa. Este financiamento vai "impulsionar o desenvolvimento de novas tecnologias, expandir a infraestrutura de carregamento e reforçar parcerias estratégicas na Europa".The Oitavos passa a Fasano Cascais O Fortitude e o BTG Pactual compraram o The Oitavos, na Quinta da Marinha. Concluído o negócio, avaliado em 150 milhões de euros, fecharam uma parceria com a marca hoteleira de luxo Fasano para operar o icónico hotel que pertenceu à família Champalimaud. O Fasano Cascais deverá ficar abrir entre o fim de 2027 e o primeiro semestre de 2028.
Os negócios internacionais que marcaram o ano
Honda e Nissan unem forças contra a ameaça chinesaA Honda e a Nissan estão conversações com vista a uma fusão, numa operação avaliada em 58 mil milhões de dólares. As duas fabricantes japonesas abrem a porta a juntarem forças para enfrentarem a crescente ameaça da indústria automóvel chinesa. Se a operação for concluída, poderá nascer o terceiro maior fabricante mundial de automóveis, atrás da Toyota e da Volkswagen.Dona dos M&M’s compra as batatas da PringlesA Mars, dona dos M&M’s, fechou a compra Kellanova num negócio de 36 mil milhões de dólares. Fica com as batatas Pringles, mas também com snacks saudáveis, alguns feitos com produtos à base de plantas.Exxon compra PioneerA compra da Pioneer foi o maior negócio da Exxon desde a sua fusão com a Mobil, nos anos 90. Com este investimento de 60 mil milhões de dólares reforçou a produção de petróleo no Texas e no Novo México.Unicredit desafia o poderio financeiro da AlemanhaO Unicredit, liderado por Andrea Orcel, quer crescer através de aquisições. Ao mesmo tempo que se lançou numa OPA de 10 mil milhões sobre o Banco BPM, mantém a convicção na compra do Commerzbank. Já detém 28% do capital da instituição financeira alemã numa operação que mereceu uma dura contestação por parte do Executivo de Olaf Scholz, que entretanto caiu.HPE aposta na IA com a compra da JuniperNuma altura em que a IA é vista como vital para o futuro das empresas tecnológicas, a HP Enterprise lançou-se na compra da Juniper Networks. Foi um dos maiores negócios do ano, avaliado em cerca de 13 mil milhões de dólares.Negócio de milhões para a SynopsysA Synopsys, líder na produção de software para chips informáticos, lançou-se numa oferta de 35 mil milhões de dólares sobre a Ansys. O objetivo da empresa californiana é o de criar um gigante neste mercado.Couche-Tard de olho na 7-Eleven A Alimentation Couche-Tard (ACT), que detém a rede Circle K, avançou com uma oferta pela dona da cadeia de lojas 7-Eleven. Apresentou, no verão, uma proposta de 58,4 mil milhões de dólares pela Seven & i, depois de anos de "namoro". Depois da resistência inicial, os japoneses aceitaram encetar negociações com a ACT, isto numa altura em que recebeu uma oferta rival por parte de membros da família fundadora da Seven & i.Capital ONE cria gigante dos cartões O Capital One, uma das maiores instituições financeiras dos EUA, protagonizou uma das maiores operações do ano com a aquisição da Discover Financial Services. A transação, avaliada em 35 mil milhões de dólares, vai permitir-lhe criar um gigante no negócio dos cartões de crédito.Home Depot reforça na construção A Home Depot comprou a SRS Distribution, uma das maiores empresas de distribuição de materiais de construção. O negócio vale 18,5 mil milhões de dólares.Spinoff avalia GE Vernova em 38 mil milhõesA General Eletric dividiu-se em três. A GE Vernova, que agrega os negócios da energia, foi avaliada em 38 mil milhões de dólares.
Ação do ano: Crescer e dar mais dividendos "satisfaz" acionistas do BCP
Um plano estratégico visto como ambicioso, mas com mais dividendos para aliciar os acionistas, foi a receita certa que ajudou o banco a ignorar o impacto da política do BCE na margem financeira.
"É tempo de retribuir". Foi assim que Miguel Maya, CEO do BCP, anunciou em outubro que queria reforçar os dividendos. O líder do maior banco privado (e único na bolsa de Lisboa) já tinha apontado para um aumento da remuneração dos acionistas, mas desta vez definia uma meta ainda maior: 75% dos lucros vão ser distribuídos em 2028. E justificou a decisão: "a melhor proteção do banco é ter acionistas satisfeitos, quer os grandes quer os pequenos".
O objetivo é atingir um resultado líquido acumulado de 4 a 4,5 mil milhões de euros entre 2025 e 2028 – numa média anual superior a mil milhões – e devolvendo três quartos desse valor em dividendos. O "payout" é muito superior ao atual, que está em 30% e será de 50% no próximo ano - e, para isso, o banco vai lançar um programa de recompra de ações no valor de um quarto do lucro que obtiver em 2024.
Até setembro, o BCP lucrou 714,1 milhões de euros (mais 9,7% do que no período homólogo), o que Miguel Maya considerou mostrar uma "fortíssima capacidade de geração orgânica de capital". Contudo, pela primeira vez nos últimos trimestres, a margem financeira caiu, ainda que de forma marginal: menos 0,3%.
A evolução resulta do impacto da descida dos juros do Banco Central Europeu (BCE) e é mesmo o maior desafio que os analistas antecipam para o BCP, dado que se espera que as reduções das taxas de referência na Zona Euro continuem a cair em 2025, com impacto para a remuneração que os bancos recebem dos créditos. As comissões ajudam a amortizar este efeito, tal como o crescimento do negócio na Polónia, onde o declínio das provisões relacionadas com créditos em francos suíços deverá apoiar os resultados e tornar esta geografia um contribuinte para os lucros do grupo a partir do próximo ano.
De forma geral, o plano estratégico é assim visto como "ambicioso", mas também como possível de realizar e seguiram-se sucessivas revisões em alta dos preços-alvo para a ação. O consenso dos analistas que cobrem os títulos aponta para um potencial de valorização de 24,17%, para 0,56 euros por ação, em relação aos 0,4510 euros em que fechou na última sessão antes do Natal.
E os investidores deram força a essa confiança. Seguindo-se a um 2023 em que valorizou 87,43%, este ano volta a ser positivo para o BCP. Com um ganho superior a 60%, é a cotada que mais valoriza no principal índice da bolsa de Lisboa e a capitalização bolsista cresceu 2,5 mil milhões de euros, situando-se atualmente na ordem dos 6,8 mil milhões. O banco, a par da Galp, está, aliás, a ser novamente um dos motores do PSI, que está abaixo da linha de água no acumulado do ano, penalizado pela família EDP.
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