Dez olhares em dois anos de guerra
Alfredo Leite, jornalista do Correio da Manhã e da CMTV, traz-nos 10 mini-retratos da realidade que conheceu na cobertura que fez do conflito na Ucrânia. Num relato na primeira pessoa, ficamos a conhecer uma dezena de pessoas com quem se cruzou no país invadido pela Rússia há dois anos.
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De todos os olhares que vi na guerra, talvez o de Daria Synelup tenha sido o mais intrigante. Não o observei, como a alguns, entre escombros de um ainda fresco ataque russo, nem o vi apavorado por saber que a ocupação do lugar onde nasceu seria uma questão de tempo. Daria Synelup olhava com uma tranquilidade inquietante – e era isso o que mais assustava – pela janela do restaurante onde só jornalistas e militares comiam a única refeição do dia. Na noite fria, escura e deserta de Kharkiv, desviei por momentos o contacto visual e percebi que a mulher vendia balões em forma de coração, com pequenos fantasmas travestidos de cupido. Na cidade deserta tomada pelo medo, o cenário não se apresentava apenas bizarro. A cena absurda, personificada por Daria, era também uma metáfora dos ucranianos que decidiram ficar nas cidades em escombros. Nascida em Kharkiv, escolheu arriscar morrer ali. E resistir, mesmo que apenas a vender balões que ninguém comprava.
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