OE 2026 não convence. CFP continua a duvidar do excedente de Sarmento

Organismo assinala três principais fatores de risco: vendas de imóveis e encaixe de dividendos da CGD que podem ficar aquém do previsto; corte não justificado nos consumos da saúde; e potencial agravamento nos gastos da Defesa em mais 0,4% do PIB.
Depois de ter considerado o cenário macroeconómico do Governo pouco prudente, CFP lança dúvidas sobre previsão de excedente.
André Kosters/Lusa
Maria Caetano 16:01

Após ter projetado, apenas há um mês, um défice de 0,6% do PIB para o próximo ano, o Conselho das Finanças Públicas (CFP) não fica convencido com os argumentos da proposta de Orçamento do Estado para 2026, e reforça as dúvidas quanto à possibilidade de obtenção do ligeiro excedente de 0,1% do PIB que está a ser projetado pelo ministro das Finanças.

De uma eventual subestimação de despesa na Saúde à possibilidade de a Defesa ainda vir a penalizar o saldo em 0,4% do PIB, passando ainda por previsões de receita extraordinária que poderá acabar por não entrar nos cofres do Estado, há pelo menos uma dezena de fatores de risco citados pela entidade presidida por Nazaré Costa Cabral a sustentar o ceticismo quanto às metas orçamentais do Governo. Três deles de dimensão significativa.

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Para o CFP, o cenário orçamental preparado por Joaquim Miranda Sarmento  “levanta dúvidas quanto à sua concretização”. A proposta, descreve, “apresenta a previsão de um equilíbrio orçamental global, apoiada, em parte, por receitas de carácter extraordinário e em pressupostos que refletem, em alguns casos, alterações não fundamentadas à dinâmica normal da despesa”.

“Embora esta estratégia permita projetar um resultado orçamental positivo e a continuação da redução do rácio da dívida pública, suscita dúvidas quanto à sua  sustentabilidade, relembrando práticas que no passado limitaram a transparência e a credibilidade da política orçamental”, reflete a entidade, defendendo que os bons resultados orçamentais não devem estar dependentes de “fatores conjunturais e de medidas pontuais”.

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Ora, na longa lista de obstáculos à ambição do ministro das Finanças, os problemas começam desde logo no cenário macroeconómico, que o CFP validou com reservas, por ver sobrestimada a previsão para o PIB: 2,3% de crescimento real em 2026, numa variação dependente de uma evolução altamente favorável dos salários.

Há mais desafios, e de monta. O ligeiro excedente público previsto está, segundo o CFP, sustentado na previsão de um acréscimo de dividendos e de encaixe com alienação de imóveis em 1.192 milhões de euros, “que ainda carece de ser detalhado para confirmação da sua plausibilidade” e que ajuda a compensar a forte utilização de empréstimos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) prevista para o próximo ano. Sem estas receitas extraordinárias, as contas públicas exibiriam um défice “em linha” com aquele que foi previsto em setembro pela entidade responsável por validar e vigiar os cenários apresentados pelo Governo, refere a análise. Ao certo, um saldo negativo de 0,3% do PIB.

Mas é possível as contas afundarem ainda mais. Basta que o Governo cumpra os compromissos assumidos junto da NATO e, para isso, utilize 1.200 milhões de euros adicionais em reserva (no chamado capítulo 60)  na mão do ministro das Finanças, que  na apresentação da proposta de OE 2026 referiu ser esse valor posto de parte para reforços de despesa em Defesa. Ora, caso seja utilizado, pesará até 0,4% do PIB no saldo público. Para já, o programa orçamental estrito da Defesa limita-se a reforçar gastos em 0,1% do PIB.

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Outra grande variável são as despesas da Saúde, cujo perfil para o próximo ano contraria o comportamento habitual da execução orçamental nesta área. As Finanças apontam para uma redução dos gastos correntes em 1,6%, assente em cortes de 10,1% nos consumos de saúde (mais de 900 milhões de euros). O Ministério da Saúde veio defender que a poupança será obtida com menor recurso a empresas de prestação de serviços médicos, os chamados "tarefeiros", mas o CFP assinala que "não é adiantada no relatório da proposta de OE 2026 qualquer explicação para essa redução da aquisição de bens e serviços do programa saúde" e também que o crescimento nominal da despesa total da saúde, de 1,5%,  valor "que é até inferior à inflação prevista, uma evolução que contrasta com a tendência de crescimento acentuado registada nos anos anteriores".

Além destes riscos mais significativos do ponto de vista dos valores envolvidos, há ainda um conjunto de outros que poderão ter impactos significativos no saldo. O CFP destaca o potencial aumento do universo de beneficiários do Complemento Solidário para Idosos (CSI) devido à subida do valor de referência, depois de o Governo ter vindo até aqui a subestimar a dimensão destes encargos, mas também uma verosímil manutenção do apoio à Ucrânia em 2026, com a qual a proposta de OE não conta, sucedendo o mesmo relativamente a um aumento da contribuição financeira para a União Europeia no próximo ano (O Governo assumia a subida em setembro, mas esta não é visível nos quadros da proposta entregue pelas Finanças no Parlamento).

Também não está na proposta de OE a previsão de impacto das novas medidas fiscais para a habitação (descida do IVA da construção e do IRS de rendimentos prediais), em mais um "custo" que terá impacto no saldo de 2026. 

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Além disso, as discussões parlamentares sobre o OE, na atual configuração parlamentar, poderão também contribuir para o consumo do pequeno excedente introduzindo novas medidas, lembra o CFP.

Há ainda que contar com a possibilidade de o Estado ser chamado a responder por garantias ou pedidos de reposição do equilíbrio financeiro por parte de concessionárias no âmbito de parcerias público-privadas.

Com o potencial de puxar pelo saldo de forma mais favorável do que o previsto, a lista de eventualidades possíveis é bem menos longa. Mas com dimensão considerável. As duas grandes variáveis são uma possível não execução integral dos empréstimos do PRR - que ao contrário dos valores recebidos a fundo perdido da União Europeia agravam as contas públicas - e a retirada dos apoios de emergência em ISP, com um potencial de (0,4% do PIB), nos cálculos do CFP.  Por fim, um andamento da economia em linha com o que espera o Governo permitiria fazer subir mais a receita fiscal, assume a entidade, e resta ainda como habitualmente a possibilidade de não usar cativações e outras dotações centralizadas.

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