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Temos as pessoas, falta o coletivo e o longo prazo

Os portugueses conquistam lugares de topo em organizações internacionais, mas esta circunstância está longe de oferecer vantagens económicas. E o país tem uma diáspora altamente qualificada. Todavia, ao contrário de Espanha, falta-nos a aproximação entre Estado e empresas na hora de definir estratégias industriais.

29 de Maio de 2025 às 12:30

Um jornalista britânico baseado em Madrid conta que costuma desinquietar dirigentes políticos e gestores espanhóis usando exemplos portugueses em interrogações que deixa no ar. Os portugueses conseguem colocar uma personalidade a liderar a ONU e vocês não. Porquê? Os portugueses já tiveram um presidente da Comissão Europeia e vocês não. Porquê? Agora têm o presidente do Conselho Europeu e vocês não. Porquê?

A presença de portugueses em lugares de topo, à escala mundial, vai muito além da pequena geografia do país, uma circunstância que está relacionada com o facto de se apresentarem como uma solução de compromisso capaz de congregar pontos de vista diversos.

Tiago Forjaz, que em 2007, antes da popularização do Facebook e do LinkedIn em Portugal, criou a rede social "The Star Tracker", a qual ligou cerca de 38 mil portugueses em mais de 250 cidades espalhadas pelo mundo, diz que os portugueses são naturalmente muito diplomatas. "Não gostamos do conflito, preferimos o concílio representado por pessoas como o cardeal José Tolentino de Mendonça."

Depois, coletivamente, carecemos de "intencionalidade", como diagnostica Gabriela Figueiredo Dias, presidente da International Ethics Standards Board for Accountants (IESBA) ou "convergência estratégica" como refere Paulo Morgado, membro da direção da Diáspora Portuguesa.

"Falta-nos um plano de execução integrado. Quando um país tem de melhorar a sua atuação em matéria económica, ou outra, ele terá de conseguir focar os seus recursos em certos temas durante o tempo suficiente até eles produzirem efeitos. E isto terá de acontecer quer ‘top-down’, quando o governo mobiliza as suas instituições e os empresários para a consecução de um certo projeto; quer ‘bottom-up’, quando, por exemplo, a AICEP segue as várias oportunidades de exportação ou captação de IDE até que as mesmas se fechem, isto é, produzam os resultados desejados", refere Paulo Morgado.

A análise tem tanto de óbvia como de necessária porque, como constata o também cofundador da Bridgewhat, uma startup centrada no nicho de crescimento empresarial a nível ibérico, este plano integrado continua a ser uma miragem.

"Se escutarmos os discursos que vão sendo proferidos nos eventos organizados pelos diferentes agentes de promoção de Portugal, rapidamente nos apercebemos que os mesmos continuam a ser difusos, centrados na chamada geopolítica, casos dispersos, ângulos macroeconómicos (muitas vezes mal elaborados, por escassez de conhecimentos dos oradores) ou temas que, por requentados, não são oportunos. Nada de isto está virado para a execução de uma estratégia clara e conhecida para o país, que se partilha e na qual se insiste até produzir melhorias concretas na economia de Portugal".

É preciso uma rede de confiança

Depois há uma outra dimensão deste desafio, apontada por Tiago Forjaz, segundo o qual os melhores embaixadores de Portugal são igualmente os estrangeiros que estão no país.

"Convidamos pouco estrangeiros para integrar os ‘boards’ das nossas empresas, fazemos poucas alianças com empresas que não são portuguesas; somos muito reservados nessa matéria. É preciso uma rede de confiança para aproveitar a diversidade de pensamento e cultura", sublinha o fundador e "managing partner" da The Epic Talent Society.


E se Portugal ganha a Espanha no campeonato da conquista de lugares internacionais de destaque, na contabilidade do jornalista britânico, perde em todos os outros parâmetros para os vizinhos espanhóis, tanto na diplomacia formal como na informal.

"Em Espanha, apesar de as empresas não dependerem tanto da despesa do Estado, até porque as grandes empresas com relevância internacional são em muito maior número do que em Portugal ,paradoxalmente, há uma maior aproximação entre empresários e Estado à hora de definir estratégias "industriais". Adicionalmente, porque o espírito grupal é muito mais forte, os empresários espanhóis organizam-se muito melhor entre si, fazendo valer estes ‘value-networks’ a nível internacional, por exemplo, construtoras, bancos, advogados que vão para certo país são todos espanhóis", diz Paulo Morgado.

O que falta à nossa diplomacia económica? "Terá de ter clara qual é a estratégia para Portugal e assumir a função de um braço importante para a implementação da mesma. Por exemplo, se o Governo e os empresários , através das suas associações, assumirem um compromisso de que o país se deve diferenciar e assumir posições de liderança em setores específicos, então terá de fazer esforços convergentes com essa estratégia", sublinha este membro da direção da Diáspora Portuguesa, segundo o qual esta organização está a fazer "um enorme trabalho de mobilização destas pessoas", trazendo para Portugal "um manancial de ideias muito concretas e recomendações de muito valor acrescentado".

O português mais famoso de todos
Até nos países mais inusitados, como o Uzbequistão, Cristiano Ronaldo é a exclamação verbal imediata quando um visitante se identifica como português. O jogador de futebol, que o mundo reconhece como CR7, é a chave para o desbloqueio de muitas conversas além-fronteiras, mas é igualmente um ativo económico. "A parceria com Cristiano Ronaldo trouxe visibilidade, inovação e valor", afirmou em entrevista à Forbes o CEP do grupo Pestana, José Theotónio, o qual fez um acordo com o jogador que se materializa na existência de hotéis com a marca Pestana CR7. Por sua vez, a entrada de CR7 no capital da Vista Alegre também exponenciou as vendas desta empresa no Médio Oriente. O jogador, que é acionista da Medialivre, dona do Negócios, poderá no futuro desempenhar um papel relevante na chamada diplomacia económica.

  Construtores de pontes que não são vistos como uma ameaça

O facto de Portugal ser periférico, aliado a uma habilidade secular para "construir pontes", tem ajudado o país a conquistar lugares de topo à escala global. Os exemplos mais impressivos deste êxito diplomático são atualmente António Costa, presidente do Conselho Europeu, e António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas, como antes tinha sido Durão Barroso, quando ocupou a presidência da Comissão Europeia. O passado deu-nos uma mentalidade flexível e uma habilidade de negociação que ajuda a atingir estes postos, facilitada pela circunstância de Portugal não ser visto como uma ameaça pelos seus pares. Este quadro faz com que o número de portugueses em lugares de topo seja favoravelmente desproporcionada, quando comparada com a dimensão geográfica do país.

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