Criar receitas, ajustar pensões, rever o modelo?
A iliteracia sobre os sistemas de pensões tem várias vertentes, o que não surpreende quando se constata que são realmente complexos. Como é que se estrutura o sistema contributivo português, em linhas gerais? Quais os modelos que existem, as suas vantagens e riscos? E quais as tendências a nível internacional?
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A primeira ideia que os especialistas sublinham é que os países têm sistemas mistos. Que se estruturam em diversos patamares, também com o objetivo de dar resposta a situações de pobreza ou promover rendimentos complementares. Mas é possível tentar sistematizar os principais modelos, procurando explicar como funcionam, pelo menos, a componente obrigatória e contributiva, o aspeto nuclear do sistema de pensões.
Em Portugal, como em mais 19 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), o sistema contributivo e obrigatório assenta num modelo público de repartição e de benefício definido.
Um modelo de repartição ("pay-as-you-go") significa que as contribuições que estão atualmente a ser pagas por quem está a trabalhar (e pelos empregadores) financiam as pensões dos atuais reformados (e não as futuras reformas dos atuais trabalhadores).
São, no entanto ,sistemas de repartição no "sentido estrito", já que "no mundo real, também têm aquilo a que chamamos fundos de reserva", pensados para financiar futuras pensões ou para atuarem em caso de crise económica, acrescenta ao Negócios Hervé Boulhol, economista chefe do departamento de Emprego, Trabalho e Assuntos Sociais da OCDE.
É o caso do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFFS), que recebe os excedentes contributivos e receitas fiscais e que no ano passado atingiu o objetivo estratégico de cobrir dois anos (completos) de pensões.
Em Portugal, as últimas projeções indicam que o primeiro défice do sistema previdencial chegará na segunda metade da próxima década (de 2030), sendo o FEFFS capaz de cobrir os défices até ao final do horizonte projetado (2070). A arquitetura das projeções foi recentemente posta em causa pelo Tribunal de Contas, que sustentou que na análise da sustentabilidade se devem considerar os défices do sistema fechado da Caixa Geral de Aposentações.
O sistema português é de benefício definido, como a "maioria dos sistemas públicos, porque historicamente foram criados assim", prossegue o especialista em pensões. "Isto significa que o Governo faz uma promessa e diz que a pensão vai resultar de uma fórmula" que tipicamente tem em conta o número de anos de contribuições, o nível salarial e a chamada taxa de formação das pensões. Em Portugal, esta última favorece os salários mais baixos, confirmando o caráter redistributivo do modelo. Quanto ao benefício definido, "chamamos-lhe uma promessa porque as regras podem mudar", como têm mudado, numa tentativa de garantir sustentabilidade num contexto em que a população envelhece, o que explica a redução das futuras taxas de substituição (relação entre o último salário e a primeira pensão).
Hervé Boulhol
OCDE
Os sistemas de repartição opõem-se aos sistemas de capitalização, que consistem em investimentos em ativos financeiros para assegurar as futuras pensões. Por oposição a benefício definido existem contribuições definidas, sem "promessa". Também é possível gerir tanto os modelos de repartição como os de capitalização em "bolo" ou em contas individuais (no caso da Suécia o modelo mais referido é público e em contas virtuais, sem investimento, e será assim em Itália). Todos os modelos têm vantagens e riscos (que podem sempre ser mitigados) como tentamos sistematizar de forma simplificada nas páginas seguintes, com a ajuda de vários especialistas. O trabalho termina com um frente a frente sobre a alteração, ou não, do modelo.
Tendências e recomendações
O que é que os países têm andado a fazer? Hervé Boulhol, que lidera a equipa de pensões na OCDE desde 2014, identifica como tendências a harmonização da idade da reforma entre homens e mulheres, a ligação da idade da reforma à esperança de vida - como acontece em oito países além de Portugal, devendo a Noruega juntar-se ao grupo - a consideração de toda a carreira contributiva e, no caso das pensões de gestão privada, a mudança de modelos de benefício definido para contribuição definida.
Numa eventual transição, a mudança de um modelo público de repartição e benefício definido para um de capitalização e contribuição definida implica perda de receitas que financiam as atuais pensões, pressão mais acentuada em países envelhecidos ou com taxas contributivas elevadas, sem margem para as aumentar. Mas "o mesmo não acontece [numa transição] para contas virtuais", em que "as contribuições atuais continuam a financiar as atuais pensões", diz Hervé Boulhol. Referindo que todos têm vantagens e desvantagens, a OCDE "não toma posição sobre o melhor modelo". "O importante, uma vez escolhido um modelo, é desenhar bem o sistema incluindo os parâmetros dos níveis de pensões".
Nos programas eleitorais, o PS explorou a criação de novas receitas. A AD referiu incentivos a contas poupança, mas só a Iniciativa Liberal defendeu uma alteração estrutural e gradual, com um pilar de capitalização obrigatória. Numa altura em que se aguardava a contagem dos votos da emigração e a indigitação do primeiro-ministro, o Governo não deu esclarecimentos adicionais.
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