Timor-Leste “fiscaliza” abandono da sua empresa com 60 trabalhadores na Figueira da Foz

Mais de ano e meio após ter deixado à sua sorte a concessionária dos estaleiros navais, onde detém 95% do capital e já injetou 12 milhões de euros, o governo timorense diz agora que aguarda “os resultados do processo de fiscalização que está em curso”.
Os estaleiros navais da Figueira da Foz estão concessionados à AtlanticEagle Shipbuilding.
D.R.
Rui Neves 01 de Agosto de 2025 às 15:21

O Jornal Nacional do canal televisivo timorense GMNTV emitiu esta quinta-feira, 31 de julho, uma noticia sobre a situação do investimento do Estado de Timor-Leste na AtlanticEagle Schipbuilding (AES), concessionária dos estaleiros navais da Figueira da Foz que é por si controlada, citando o trabalho do Negócios publicado na passada sexta-feira, onde o sócio-gerente da empresa lamenta que o dono de 95% do capital não dê notícias desde o final de 2023.

“Todos conhecemos o caso do ‘ferry’ Haksolok e também o investimento feito no estaleiro AtlanticEagle. Trata-se de um processo que já se arrasta há vários anos, atravessando diferentes governos, e que tem gerado amplas discussões públicas. Por isso, aguardamos os resultados do processo de fiscalização que está em curso. Temos duas questões em cima da mesa: por um lado, o próprio estaleiro; por outro, o ‘ferry’ Haksolok”, afirmou Adérito Hugo da Costa, vice-ministro dos Assuntos Parlamentares de Timor-Leste, em declarações à GMNTV.

PUB

Nesse sentido, o governante realçou a importância da visita que a Comissão C – Finanças Públicas do Parlamento de Timor-Leste fez aos estaleiros navais da Figueira da Foz, no dia 25: “Os deputados foram ao local para observar diretamente as condições do estaleiro e verificar o investimento feito por Timor-Leste, através da RAEOA [Região Administrativa Especial de Oe-CusseAmbeno], que representa 95% do total”, reportou.

Questionado sobre decisões concretas relativamente a esta matéria, Adérito Hugo da Costa, que também é o porta-voz do governo timorense, disse que ainda não é possível pronunciar-se. “Neste momento, não tenho acesso ao relatório final da Comissão C. Só depois de analisarmos esse documento e reunirmos outras informações complementares, poderemos dar uma posição clara à opinião pública”, rematou.

Timor-Leste incomunicável após injetar 12 de 20 milhões

PUB

Foi em 2022, na sequência de um Processo Especial de Revitalização (PER) onde surgia como credora maioritária da AES, tendo a haver 16 milhões de euros, que o Estado timorense decidiu tornar-se investidor de longo prazo nestes estaleiros navais, tendo tomado 95% do capital da concessionária, com Bruno Costa, filho do fundador da concessionária, a ficar com os restantes 5% e a assumir a sua gerência, na companhia de Duarte Sousa, em representação do sócio maioritário.

Em sede de PER, Timor-Leste perdoou os seus créditos de 16 milhões de euros, que tinha pago à AES para que construísse um “ferry” chamado Haksolok (significa felicidade em tétum) - com a empresa a assumir a conclusão da embarcação encomendada em 2014 -, comprometendo-se  a injetar 20 milhões para a revitalização dos estaleiros.

PUB

A embarcação tem 73 metros de comprimentos e 12 de largura e capacidade para transportar 377 passageiros, 26 veículos ligeiros e até 5.500 quilos de carga.

Após cinco anos parada, quando apresentava já uma taxa de execução da ordem dos 70%, a construção do “ferry” é retomada nos finais de 2022, mas os trabalhos voltaram a parar pouco mais de um ano depois, quando o Haksolok estava já 85% feito.

“Estava tudo a correr muito bem com a injeção do dinheiro por parte de Timor-Leste, os trabalhos aqui a correrem lindamente, incluindo o cumprimento do contrato relativo ao Haksolok, até que desde finais de 2023 que deixamos de conseguir falar com o sócio maioritário”, contou o sócio minoritário da AES ao Negócios, na passada sexta-feira.

PUB

“Até essa altura tinha injetado cerca de 12 dos 20 milhões previstos, mas deixou de enviar dinheiro desde então, pelo que decidimos parar os trabalhos de construção do Haksolok  em março do ano passado”, revelou Bruno Costa, que disse não conseguir compreender a postura do dono da empresa.

“É o próprio sócio maioritário que está a prejudicar o estaleiro, deixando-o ao abandono. Ou seja, está a prejudicar-se a si próprio, quando deveria ter todo o interesse em que isto corresse bem, o que é algo incompreensível”, insurgiu-se.

Comissão parlamentar de Infraestruturas solicita e cancela visita

PUB

Na perspetiva de Costa, “esta falta de comunicação” de Timor-Leste “poderia ter já levado os estaleiros novamente ao fundo”.

“Felizmente, temos conseguido arranjar muito trabalho. Estamos a aguentar isto sozinhos, pelos nossos meios, com os trabalhos que estamos a angariar”, enfatizou, elencando que o estaleiro tem atualmente em mãos a reparação de três navios, um dos quais da Teixeira Duarte, e um contrato de 2,4 milhões de euros para a modernização da embarcação de pesca do cerca “Atleta”, encomendada por um dos maiores armadores de pesca tradicional em Portugal.

Com um efetivo da ordem dos 60 trabalhadores, entre os quais alguns timorenses, a que acresce perto de 200 indiretos, a AES prevê duplicar em 2025 a faturação de 1,5 milhões de euros registada no ano passado, estimando “obter lucros pela primeira vez nos últimos 10 anos”.

PUB

Devido “a toda esta instabilidade em torno do sócio maioritário, que é totalmente absurda”, a AES está a perder novos contratos, que “esbarram na questão das garantias bancárias”, como um que teve “em cima da mesa”, para a construção de navio cruzeiro para o rio Douro, no valor de 22 milhões de euros, com o armador a sinalizar a intenção de encomendar três embarcações, o que geraria receitas de 66 milhões de euros para a empresa.

Entretanto, a Comissão E- Infraestruturas do Parlamento de Timor-Leste, com responsabilidade direta sobre o Haksolok, que se encontra em Lisboa, tinha solicitado esta semana uma visita aos seus ativos na Figueira da Foz, a realizar esta sexta-feira, 1 de agosto, mas acabou por cancelar.

PUB

“Lamentamos este cancelamento, uma vez que seria mais uma oportunidade para mais deputados conhecerem a realidade e verdade de toda a evolução que o estaleiro e o ‘ferry’ têm registado. E seria mais uma ajuda para o desbloqueio da situação”, considerou o sócio-gerente da AES, ainda em declarações ao Negócios.

“De qualquer forma, julgamos que os acontecimento da última semana, em particular a notícia do Negócios, contribuíram de forma positiva para a resolução da situação”, concluiu Bruno Costa.

Pub
Pub
Pub