Bloqueio bancário na Ucrânia atira produtora de canábis em Portugal para a falência
Vão ser colocados em leilão online, por 2,2 milhões de euros, os ativos da Cannexpor Pharma, empresa de investidores ucranianos que produzia canábis medicinal em Condeixa, tendo deixado dívidas a 45 credores, entre os quais o BCP (1,2 milhões de euros) e o Estado (208 mil euros).
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Foi em 2021, em plena pandemia, que a Cannexpor Pharma obteve autorização da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) para cultivar canábis para fins medicinais, na zona industrial de Condeixa, perto da povoação de Sobreiro, numa altura em que os vários estudos de mercado apontavam para o crescimento da procura em função da cada vez maior abertura de vários mercados internacionais para o uso destes produtos.
“Sucede, porém, que num espaço de três anos, o mercado mudou drasticamente, com forte impacto nas empresas do setor”, a que acresceu a guerra na Ucrânia, que “suprimiu totalmente a capacidade dos investidores e sócios da insolvente (oriundos daquele país), no sentido de alavancar a atividade da empresa”, lê-se no relatório do administrador de insolvência da empresa, a que o Negócios teve acesso.
Relativamente às mudanças ocorridas no mercado, à cabeça surgem “as complexidades regulamentares e burocráticas criadas pelos diversos países que constituiriam mercados-alvo para o crescimento da insolvente, como, por exemplo, a Alemanha e os Estados Unidos, cujas ‘aberturas’ foram bastante retardadas e numa altura em que já existiam outros concorrentes de maior dimensão”.
Por outro lado, a devastadora pandemia de covid-19, surgida no início de 2020 e que se prolongou por cerca de dois anos, “teve por efeito desviar o investimento para outras áreas da indústria farmacêutica que não a produção de canábis, tendo igualmente aumentado significativamente os custos de bens e serviços, bem como das matérias-primas e energia”, realça o gestor judicial.
Também “os custos associados à construção civil sofreram um grande incremento, num momento em que a insolvente se encontrava a investir na criação de instalações ‘state-of-the-art’”, enfatiza.
Reduziu o preço de venda em 50% para 1,60 euros por grama
Ora, segundo atesta o administrador de insolvência, as complexidades regulamentares e a pandemia de covid-19 “conduziram à acumulação de stock por parte da insolvente a partir do final do ano de 2022 e à necessidade de revisão em baixa do preço de venda dos seus produtos para escoamento do stock, em face da pressão exercida pelos potenciais clientes”, sendo que, como o produto é altamente sensível e perecível num curto espaço de tempo, “o stock que não é vendido rapidamente acaba, necessariamente, por ter de ser destruído num processo rigoroso de incineração, e altamente custoso”.
Com os prazos de recebimento das vendas “a aumentar em 50% entre 2021 e 2024”, o nível de produção da Cannexpor Pharma terá sofrido “uma redução expressiva que ascendeu a 40%”.
Para tentar viabilizar a sua atividade, a insolvente decidiu reduzir drasticamente o preço de venda do seu produto “na ordem dos 50%, passando 3,20 euros para 1,60 euros por grama”, o que “permitiu escoar o produto e realizar ‘tesouraria’ e manter a empresa em funcionamento na expectativa de uma melhoria das condições de mercado”.
Já naquela altura, reconhece o administrador de insolvência, “este ‘fôlego’ mostrava-se insuficiente para a insolvente manter a sua atividade por mais de dois ou três meses”, porquanto, “mantendo estes níveis de preço do produto, o custo da estrutura mostrar-se-ia insuportável para a Insolvente”.
Andrii Zhurzhiipor alega proibição no acesso a dinheiro nos bancos ucranianos
Num esforço de manter a viabilidade da empresa, em 2023 a Cannexpor Pharma acordou com todos os seus trabalhadores a redução da carga horária e correspondente vencimento, mas eis que, em dezembro desse ano, passou de 15 para oito trabalhadores, “fruto das denúncias operadas pelos trabalhadores e outros por acordo de rescisão celebrados com a insolvente”.
No plano financeiro, a empresa renegociou com o BCP o financiamento para aquisição e construção das suas instalações, tendo passado de uma prestação mensal de cerca de 42 mil euros para 15 mil, conta o gestor judicial.
No entanto, tais medidas não surtiram um efeito suficiente para viabilizar a Cannexpor Pharma, “na medida em que a atividade da empresa continuou deficitária, como explicam os resultados da sua faturação que, por si só, apenas se manteve à custa de uma redução do preço de venda do seu produto, que era insustentável”, observa o mesmo responsável.
Em face de tal situação, “a partir de 2023, só os suprimentos do sócio e gerente da empresa”, o ucraniano Andrii Zhurzhiipor, “foi permitindo a manutenção” da laboração da produtora de canábis medicinal.
Porém, “a dada altura, o referido sócio vê-se confrontado com a proibição de levantamentos de dinheiro nos bancos ucranianos (decisão tomada pelo governo da Ucrânia para evitar a saída de divisas do país), o que teve como consequência a perda de financiamento da insolvente”.
Ativos da Cannexpor Pharma entra em leilão online a 4 de agosto
O administrador de insolvência relata que “todas as tentativas da insolvente em manter a viabilidade da empresa revelaram-se infrutíferas, e persistir com a atividade naquelas circunstâncias, apenas conduziria ao agravamento da situação”, pelo que a Cannexpor Pharma acabou por ser decretada insolvente a 27 de janeiro passado, com uma dívida que ultrapassa 1,9 milhões de euros a 45 credores.
O maior credor, detendo 61% dos créditos totais, é o BCP (1,162 milhões de euros), numa lista que integra a Segurança Social (126 mil euros) e o Fisco (82,3 mil euros).
“Não fazendo qualquer sentido a manutenção da empresa, a apresentação de um plano de insolvência é inviável”, pelo que a Cannexpor Pharma seguiu imediatamente para liquidação.
Os ativos da empresa, que são constituídos por terrenos, unidade produtiva, equipamentos e utensílios, vão ser vendidas em leilão eletrónico, na plataforma da Capital Leiloeira, a partir de 4 de agosto próximo, estando disponíveis para licitação até ao dia 10 do mesmo mês. O valor base pela totalidade dos lotes está fixado em 2,2 milhões de euros.
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