Floresta 2030: Indústria pede incentivos claros e que “não compliquem”
As três maiores indústrias nacionais de base florestal estão entre os 25 subscritores do Compromisso Floresta 2030, que acreditam que é preciso e possível unir esforços para nos próximos 10 anos construir uma floresta mais bem gerida, diversa e capaz de resistir às adversidades climáticas. Os líderes da Corticeira Amorim, da Sonae Arauco e da The Navigator Company discutiram no mês passado em Coimbra as preocupações com a falta de matéria-prima - um problema comum ao eucalipto, ao pinho e ao sobreiro - e os entraves que encontram nos licenciamentos, mas realçando as oportunidades que Portugal poderia retirar da floresta.
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The Navigator Company
"O país que vota vai de Setúbal a Viana, mas esse não é o país que faz floresta"
O CEO da Navigator diz que celulose é o supermaterial do futuro.
"O país que vota é o que vai de Setúbal a Viana do Castelo, mas esse não é o país que faz floresta. Esse é o pais que faz opinião. E os políticos orientam as politicas para quem faz opinião". António Redondo, presidente executivo da The Navigator Company resumiu desta forma o que apelidou de "problema sociológico" que existe em Portugal, o qual "temos de ultrapassar" de forma a ser possível "valorizar o recurso florestal".
No debate que em maio juntou em Coimbra os líderes das maiores indústrias nacionais de base florestal, que integram a lista das 25 entidades que subscreveram o Compromisso Floresta 2030, António Redondo disse esperar que este acordo assinado por organizações, entidades e empresas ligadas ao setor florestal "seja o princípio do fim".
"Andamos sempre a dizer a mesma coisa e precisamos é de passar à ação. E rapidamente porque as oportunidades são gigantescas, quer no pinho e na cortiça, mas também na celulose".
Admitindo que na indústria da celulose "temos um problema de perceção", o CEO da Navigator realçou que este é "o supermaterial do futuro". "A celulose serve para suplementos alimentares, anti-inflamatórios, materiais de construção, biocompósitos, biofuels para mobilidade rodoviária, marítima e aérea", sublinhou o responsável da papeleira, acrescentando que "a partir de compostos de celuloses pode-se fazer uma química de base que substitui a petroquímica de base fóssil". E numa altura em que "estamos confrontados com a emergência climática e a emergência de avançar para a economia circular", fez notar que "estas indústrias são bioindústrias".
Para António Redondo, "o Estado tem de fazer duas coisas: dar os incentivos certos, que não está a dar à floresta em nenhuma das fileiras - e os incentivos certos não são sempre monetários, podem ser legislativos ou regulamentares -, e que "não complique".
Frisando que se no caso da Corticeira Amorim a dificuldade tem sido o licenciamento de mil hectares de sobreiros, o responsável lamentou que no caso do eucalipto não seja possível licenciar "nem um", frisando que "se o sobreiro, que é a árvore nacional, é tratado desta forma, imagine-se o eucalipto". O CEO da Navigator não deixou de criticar a burocracia que existe no país, dando como exemplo pareceres não vinculativos com que a empresa é confrontada para as parcelas que são reflorestadas.
António Redondo frisou ainda que as três fileiras - eucalipto, pinho e sobreiro - "convivem relativamente bem e competem em áreas relativamente pequenas. O que precisamos é de valorizar o recurso florestal".
Sonae Arauco
"Temos fábricas em quatro países e em nenhum temos o problema que existe aqui"
Para Rui Correia, CEO da Sonae Arauco, o país tem um problema estrutural que é a fragmentação da propriedade.
A Sonae Arauco, como as outras indústrias de base florestal, importa madeira porque "a que existe em Portugal é insuficiente para as necessidades da indústria", afirmou Rui Correia, CEO da empresa da fileira do pinho, para quem "não são precisos centenas de milhares de hectares", mas "umas poucas dezenas de hectares já podem mostrar que determinadas regiões conseguem criar mais riqueza".
Em sua opinião, "o objetivo no país devia ser "ter uma floresta mais sustentável, numa perspetiva social, ambiental e económica", com o objetivo de fixar população, combater os incêndios e aumentar a produtividade deste ativo. Para Rui Correia, "há um problema estrutural que é a fragmentação da propriedade florestal e a dificuldade de intervir em microfúndio numa lógica económica, porque os custos de intervenção são absurdos". Esse, diz, é o grande desafio.
O CEO da Sonae Arauco defende que "tem de haver um alinhamento de interesses e uma perceção como país se queremos que a floresta seja ou não um ativo". É que, aponta, "a Sonae Arauco tem fábricas em quatro países - Portugal, Espanha, Alemanha e África do Sul - e eu não tenho em mais nenhum país o problema que tenho aqui", sendo que a produção em Portugal representa pouco mais de 20% do total.
Rui Correia não tem duvidas que o país tem um problema de produtividade da floresta, porque "particularmente a floresta de pinho está abandonada" e o seu crescimento "foi espontâneo".
"A floresta tem de ser melhor gerida", defendeu, realçando que o grupo tem competências resultantes de ter outro acionista que é um operador integrado florestal, que transforma a floresta em produtos finais, e que está a trazer algum desse ‘know how’ para fazer experiências para tentar identificar que plantas são mais produtivas nas diferentes regiões e em que tipos de solo.
"Estamos a começar a intervir na floresta, não sendo proprietários, tentando angariar terrenos que permitam pela sua dimensão demonstrar o que é possível fazer na floresta de pinho", afirmou, assegurando que "queremos trazer melhores práticas, melhores plantas, para que o valor da floresta venha de uma melhor gestão".
É que "nós não vamos conseguir aproveitar a oportunidade global se tivermos de concorrer com custos diferentes das nossas fábricas em Espanha, na Alemanha e na África do Sul". Se assim for, assegurou, "a indústria desaparece, e não havendo indústria não há gestão florestal. Passa a haver floresta de conservação, viramo-nos para o turismo e metade da população imigra", lamentou.
Corticeira Amorim
"Há 2 anos que queremos plantar mil hectares de sobreiro e não conseguimos"
Viver do sobreiro será cada dia mais difícil, lamenta Rios Amorim.
"Nunca tivemos tanta confiança no potencial de crescimento do nosso setor como hoje", garante António Rios Amorim, presidente da Corticeira Amorim, para assegurar que o problema do desenvolvimento da floresta "não vai estar no mercado". O setor da cortiça, como as restantes fileiras, enfrenta um problema de falta de matéria-prima, mas as suas tentativas de o ultrapassar sozinho esbarraram no Estado.
No debate entre os principais responsáveis das indústrias de base florestal, Rios Amorim recordou que a Corticeira, que em 150 anos de história nunca deteve um hectare de terra, "decidiu por inércia do sistema anterior dizer que tem um problema". "Perdemos 40% a 50% de produção de cortiça nos últimos 30 anos em Portugal e as exportações de cortiça nunca foram tão grandes como são hoje. Não há milagres aqui". É que, explicou, como já não há indústria de cortiça em Espanha "trazemos a matéria-prima para cá, damos valor acrescentado e continuamos a ser líder mundial no nosso setor, mas já não há uma segunda Espanha para conquistar", alertou o gestor.
A Corticeira Amorim, disse, "decidiu não esperar que alguém lhe resolvesse o problema". "Decidimos meter um plano de intervenção florestal, fazer investigação e desenvolvimento e criar demonstrações de que a nossa versão de montado de produção de futuro é a única solução para ter resposta de matéria prima suficiente no futuro". O grupo decidiu plantar sobreiros mas, contou, "compra-se uma propriedade que tem acesso a água e passado dois anos o acesso à agua é revogado, queremos fazer uma barragem e não é possível, queremos fazer uma plantação e não é possível". "Andamos há dois anos a querer plantar mil hectares de sobreiros e não se consegue", disse.
Rios Amorim defende duas linhas de ação. Desde logo, que a floresta de conservação "tenha um apoio de valorização dos serviços do ecossistema", defendeu, frisando que a densidade média de sobreiros por hectare está a diminuir todos os anos e "viver do sobreiro será cada dia mais difícil". "Ou esperamos que os poucos sobreiros que existem morram para que o solo possa ser usado para outra coisa ou, se valorizamos o montado e esta matéria prima para a indústria nacional, temos que compensar os produtores florestais pelo bem que trazem a todos nós".
Como segunda linha de ação, apelou à necessidade de viabilizar os requisitos básicos para uma floresta de produção. Aí, afirma, "precisamos de algum apoio de rega de instalação nos primeiros 10 anos e ter isso enquadrado nas aprovações que nos permitiriam essa captação, no sentido de poder rapidamente e com investimento privado concretizar esse objetivo".
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