Mercados solidários mostram a terceira via da economia
Quanto vale uma galinha poedeira? Uma limpeza de pele, a medição da tensão arterial e tecido para uma saia. É assim no mercado solidário da Granja do Ulmeiro, uma aldeia vizinha de Soure, onde, em vez dos euros, os aldeãos trocam granjas, a moeda comunitária de papel colorido.
Quanto vale uma galinha poedeira? Uma limpeza de pele, a medição da tensão arterial e tecido para uma saia. É assim no mercado solidário da Granja do Ulmeiro, uma aldeia vizinha de Soure, onde, em vez dos euros, os aldeãos trocam granjas, a moeda comunitária de papel colorido.
"São formas de economia alternativa. Não são de mercado, uma vez que o seu objectivo principal não é maximizar o lucro e podem ser objecto de transacções não monetárias ou não mercantis. Mas também não se enquadram na chamada economia pública ou de Estado, embora tenham preocupações semelhantes: responder às necessidades das pessoas que não têm rendimentos com expressão monetária para aceder ao mercado", caracteriza o economista Rogério Roque Amaro, director da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local (ANIMAR) e coordenador do mestrado de Economia Social e Solidária no ISTEC.
Para o professor, o mundo caminha, passo a passo, para uma nova era que procura sair do economicismo que figurou nos últimos 200 anos e que teve o seu auge nos pós-guerra.
"A arquitectura do modelo económico que vinha desde a Revolução Industrial, baseado na lógica de mercado com algum Estado à mistura, começou a ser posta em causa nos últimos 30 anos. Tudo está a abanar", considera.
"Há uma nova era da história que se anuncia, aquela que põe em causa o individualismo e o excesso de produtivismo. Há um novo período que quer libertar-se da velha dicotomia capitalismo/socialismo e que procura uma terceira via", acrescenta.
"A crise económica e financeira de hoje é mais uma componente desta crise de modelo, que tem raízes no Maio de 1968", continua. "A actual situação é mais um fusível que rebentou num quadro sobrecarregado", diz. Mais ou menos silenciosa, mais ou menos subtil, a ruptura anunciada e a procura de modelos alternativos ganha músculo e visibilidade quando o dinheiro escasseia no porta-moedas.
"Nos últimos dois anos, as pessoas ficaram mais receptivas a novas formas de economia baseadas na reciprocidade", dita o professor. "Vamos assistir à revitalização da economia doméstica e de entreajuda ", salienta. "Até porque a nossa economia baseia-se muito mais na reciprocidade do que aquilo que nós pensamos", assegura.
Para o provar, o professor lançou um repto aos seus alunos. Durante uma semana, teriam de discriminar a forma como as suas necessidades eram satisfeitas. Resultado? Em média, um terço da satisfação foi realizada fora de economia de mercado. "É a boleia de um vizinho, a refeição em casa de familiares, as explicações de um amigo...", indica.
Uma das expressões desta terceira via da economia, como caracteriza Rogério Roque Amaro, é a realização de mercados solidários. De Coimbra a Santarém, estes sistemas de troca, que se baseiam na democracia participativa e utilizam moedas comunitárias, vão ganhando terreno. Entraram no País em 2003 pela mão de associações da "alter globalização" (globalização alternativa).
"Estes sistemas de trocas tiveram origem na Argentina na crise de 1997. Durante várias semanas, as pessoas ficaram impedidas de levantar dinheiro dos bancos. Como resposta, as comunidades criaram a sua própria moeda para trocarem bens entre si", conta o director da ANIMAR. "O modelo teve sucesso e disseminou-se um pouco por todo o mundo, em países como França, Bélgica, Canadá e Estados Unidos".
Os mercados solidários são uma das manifestações de uma nova era anunciada. Existem outras expressões, tais como o comércio justo e o banco do tempo, instituição onde as pessoas trocam serviços, contabilizados em unidades de tempo. Também as emergentes formas de financiamento alternativo espelham o grito por um novo modelo.
"Existe, por exemplo, o microcrédito, um conceito que, entretanto, foi apropriado pelos bancos e usado como mais um instrumento de crédito de pequena dimensão", aponta o professor, que aposta em clubes de capital de risco solidário e quer implementar em Portugal um banco ético destinado a clientes que querem ter a certeza de que o dinheiro é aplicado em actividades socialmente responsáveis.
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