Vítor Gaspar: riscos das dívidas "serão ampliados se taxas de juro subirem mais rápido que o esperado"
Apesar de a ação concertada entre bancos centrais e governos no combate ao impacto económico da pandemia ser vista como útil, o FMI aponta agora desafios relacionados com o recuo.
A dívida global atingiu um novo máximo histórico de 226 biliões de dólares, naquele que foi o maior aumento anual do endividamento desde a Segunda Guerra Mundial. O montante de dívida já era elevado antes da crise pandémica e, agora, os governos têm de navegar uma conjugação de dívida pública e privada em recordes, novas mutações do coronavírus e crescente inflação.
Os alertas são feitos no blog do Fundo Monetário Internacional (FMI), numa publicação divulgada esta semana e assinada pelo português Vítor Gaspar (diretor do departamento de assuntos orçamentais), bem como por Paulo Medas e Roberto Perrelli. "O disparo na dívida amplifica as vulnerabilidades, especialmente à medida que as condições de financiamento apertam", avisamO rácio da dívida mundial agravou 28 pontos percentuais em 2020 para 256%, de acordo com os últimos dados do FMI, que indicam que metade deste agravamento foi por via dos governos. "Os aumentos da dívida são particularmente marcantes nas economias desenvolvidas, onde a dívida pública passou de cerca de 70% do PIB, em 2007, para 124% do PIB, em 2020. A dívida privada, por outro lado, aumentou a um ritmo mais moderado de 164% para 178% do PIB, no mesmo período", apontam.
A tendência acelerou com os países a recorreram como nunca à emissão de dívida em resposta à crise pandémica. O FMI sublinha que, se os governos não tivessem tomado este caminho, as consequências sociais e económicas da pandemia teriam sido "devastadoras". A par dos estímulos orçamentais, os bancos centrais injetaram também estímulos monetários nas economias, fazendo cair taxas de juro e aumentando os programas de compra de dívida.
Apesar de considerar que políticas orçamentais e monetárias foram complementares durante a pandemia, avisa que "o aumento da dívida amplifica as vulnerabilidades, especialmente à medida que as condições de financiamento apertam". Vê, por isso, um "desafio crucial", que é "encontrar o equilíbrio certo entre políticas orçamentais e monetárias num ambiente de elevado endividamento e crescente inflação".
Os bancos centrais estiveram esta semana a desenhar as estratégias para 2022. Na quinta-feira, o Banco Central Europeu (BCE) anunciou que vai reforçar a compra de dívida em curso para compensar o fim do programa de emergência criado somente para a pandemia, o chamado PEPP. Já o PEPP, que termina em março, vai sofrer um prolongamento do período de reinvestimentos como forma de minimizar o impacto da retirada.
Já o Banco de Inglaterra surpreendeu ao subir as taxas de juro de referência para 0,25%, sendo esta a primeira subida desde o início da pandemia. As duas reuniões aconteceram depois de a Reserva Federal norte-americana ter anunciado, na quarta-feira, que vai acelerar a retirada de estímulos à economia e que vai subir os juros três vezes no próximo ano.
"À medida que as taxas de juro sobem, a política orçamental terá de se ajustar, especialmente em países com elevadas vulnerabilidades da dívida", aponta. "É provável que as preocupações com a sustentabilidade da dívida se intensifiquem. Os riscos vão-se magnificar se as taxas de juro globais subirem mais rápido que o esperado e o crescimento vacinal", acrescenta a publicação assinada por Gaspar, Medas e Perrelli.
Mais lidas
