Maria do Céu Costa Godinho: “Não vale a pena beber água através de uma alface”
A sustentabilidade na agricultura é muito mais do que uma palavra da moda. É uma questão de sobrevivência. Para Maria do Céu Costa Godinho, professora adjunta da Escola Superior Agrária de Santarém, sem solo saudável, não há futuro. “A fábrica agrícola, os tijolos, as paredes, o teto, são os recursos naturais. Essa tem de ser absolutamente suportada e tem de ser preservada”, explica, sublinhando que o pilar ambiental da sustentabilidade é incontornável. As afirmações foram feitas no segundo episódio do podcast “Agricultura do Feminino”, uma iniciativa integrada na 14.ª edição do Prémio Nacional de Agricultura, promovido pelo BPI, Jornal de Negócios e Correio da Manhã, com os apoios do Ministério da Agricultura e do Mar e da PwC.
“O pilar ambiental é essencial porque não há agricultura do futuro se não deixarmos o solo como o encontrámos, como o recebemos, ou talvez até um bocadinho melhor”, sublinhou Maria do Céu Costa Godinho. Alertou, ainda, que “o mundo percebeu que já não vai ser capaz de, a tempo, recuperar o número de hectares de área agrícola que foi sendo destruído pelas práticas erradas de mobilização, de fertilização, de condução, de exploração do solo.”
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Na sua opinião, não existem soluções miraculosas ou sistemas de produção desligados da terra. “Deixemo-nos de romantismos ou de ilusões. Vamos precisar do solo para nos alimentarmos. Não vale a pena acharmos que as culturas sem solo nos vão alimentar. Porque um tomate a saber a tomate vem do solo”, referiu.
A revolução nutricional
“O componente que tem mais aumentado nos alimentos nos últimos 100 anos tem sido a água. Não vale a pena beber água através de uma alface. Se quiser beber água, bebo água, não vou é comprar alface para beber água”, surpreendeu Maria do Céu da Costa Godinho, referindo-se à qualidade nutricional dos alimentos.
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Referiu estudos que demonstram como a densidade nutricional dos alimentos tem vindo a decrescer em função dos métodos de produção. Destacou a emergência de uma nova abordagem científica que está a revolucionar a forma como olhamos para a produção agrícola. “Neste momento está em cima da mesa a temática de uma só saúde, que relaciona aquilo que é o solo com a saúde humana, passando pelas plantas e pelos animais e que faz a ligação incrivelmente interessante entre a microbiologia do solo e a microbiologia do nosso intestino”, sublinhou Maria do Céu da Costa Godinho.
Esta perspetiva holística está a aproximar áreas que tradicionalmente dialogavam pouco. “Neste momento, a nutrição e a medicina, como nunca antes, estão muito interessadas em saber de que forma os agrónomos e os agricultores produzem os alimentos. Até há pouco tempo, não se tinham mostrado muito preocupadas com isso”. A sua conclusão é que “os agrónomos, os médicos e os nutricionistas têm que se entender de uma vez por todas”.
A biodiversidade em projetos
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Maria do Céu da Costa Godinho coordena dois projetos que colocam estes princípios em prática. O primeiro, o RedeSusTerra, apoia a transição agroecológica através da introdução de biodiversidade nas parcelas agrícolas.
“Cada vez que o agricultor entra numa parcela agrícola, provoca um impacto. Mobiliza o solo, destrói micorrizas. Mobiliza não, corta, não. Há sempre impacto. E há uma coisa que, introduzida numa parcela agrícola, vai sistematicamente mitigar, minimizar as consequências desse impacto. E essa palavra chama-se biodiversidade. Se nós introduzirmos vida no sistema, essa vida multiplica-se.” O segundo projeto que coordena foca-se num desafio ainda maior: melhorar a saúde do solo em sistemas de monocultura intensiva no Vale do Tejo. A abordagem é pragmática. “As soluções não são encontradas na academia, à volta da mesa, e depois chegamos lá com uma soluçãozinha para quem vai utilizar. À volta da mesa está o senhor agricultor, que diz se gosta ou não gosta daquela solução. E se aquela solução agradar, então seguimos. Se aquela solução não agradar, temos que dar a volta e ir por outra.” Maria do Céu Costa Godinho deixa um apelo aos decisores políticos: “Precisamos de tempo. Porque em agricultura, temos que dar tempo às coisas.”
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