Fernando Medina 11 de Julho de 2025 às 08:45

A reprivatização da TAP. Será desta?

Ao separar a privatização em duas fases, o Estado arrisca-se a não conseguir realizar a segunda fase. Havendo compradores interessados, eu não teria arriscado desta forma.

A decisão que o Governo tomou ontem de avançar com a reprivatização da TAP é uma boa decisão. Boa decisão desde logo porque avança e, sobretudo, porque avança identificando objetivos e condições para a operação em termos praticamente análogos aos que o último Governo do PS definiu, em outubro de 2023 (em proposta de decreto-lei posteriormente vetada pelo Presidente da República, imediatamente antes da queda do Governo).

O decreto-lei que o Governo agora aprovou, sendo promulgado pelo Presidente da República, só será publicamente conhecido daqui a várias semanas (e sabemos como os detalhes são sempre decisivos), mas é possível avançar já com uma leitura crítica do desenho da operação delineada pelo governo. Identifiquemos para já as convergências que são mais importantes.

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Em primeiro lugar, a privatização da TAP exige-se pela necessidade de a mesma ser crítica ao crescimento da companhia e assim ao seu contributo para o crescimento da economia nacional. A TAP é das últimas médias empresas do setor, com vantagens claras na ligação da ponta oeste da Europa à América do Norte, América do Sul e África. Ora, o crescimento da companhia far-se-á com maior vantagem se integrada num grupo de aviação de grande dimensão onde este tipo de ligações seja muito baixo ou até inexistente. Esta opção é a que melhor defenderá o futuro do "hub" em Lisboa e a sobrevivência da TAP como companhia própria e com direção em Lisboa.

Em segundo lugar, a privatização da TAP deve ser um instrumento no desenvolvimento de atividades conexas com a operação aeronáutica (como a manutenção, serviços de engenharia, ou a produção de combustível verde), onde a TAP pode apresentar vantagens importantes e servir de alavanca ao crescimento industrial do país.

Em terceiro lugar, o crescimento da TAP deve fazer-se aproveitando a capacidade aeroportuária instalada no país, designadamente no aeroporto Francisco Sá Carneiro, transferindo voos e oportunidades em especial as que graças ao processo relativo à construção do novo aeroporto de Lisboa se perderão sem uma inovadora e ousada estratégia de gestão da companhia.

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Em quarto lugar, a privatização da TAP deve ser garante das ligações à diáspora e às nossas comunidades, aos países da CPLP e naturalmente entre as Regiões Autónomas e o continente.

Em quinto e último lugar, a valorização do encaixe financeiro no sentido de reduzir o custo que os portugueses assumiram na operação de resgate da companhia após o covid, que pesou cerca de 1% do PIB.

Todos estes objetivos, identificados como prioritários pelo Governo, são adequados e estão corretos. Refira-se de novo que não se conhece a redação concreta do decreto-lei, mas o que foi apresentado vai no bom sentido.

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As dúvidas e as divergências com o processo de reprivatização da TAP agora apresentado pelo Governo estão três aspetos fundamentais.

Em primeiro lugar, é um erro o governo não ter optado pela privatização, desde já, da maioria do capital da TAP (como, aliás, o DL do Governo PS definia), assegurando a ligação direta e clara entre maioria acionista e controle de gestão por parte do comprador vindo da indústria. Isto mesmo num cenário em que o Estado assumisse manter, em definitivo, uma percentagem da empresa (claramente minoritária) tendo em vista melhor cuidar do cumprimento dos objetivos da privatização.

É um erro o governo não ter optado pela privatização, desde já, da maioria do capital da TAP.

Se há lição que podemos retirar do período de privatização parcial da TAP em 2015 até à sua completa nacionalização, é a de que a convivência entre operadores privados e públicos (em especial com participações tão próximas), tem tudo para funcionar mal. Mantendo-se o Estado como maioritário, será à porta do Estado que as principais decisões irão cair pela natureza das coisas e independentemente do que qualquer acordo parassocial defina. Foi isso que vimos, depois de 2015, com o parlamento a discutir onde deviam ser abertas (nunca fechadas) novas rotas da companhia, ou, a porta onde acabaram todos os grandes embates sobre reivindicações salariais que foi a do Ministério das Infraestruturas.

Em segundo lugar, o cenário de manter o Estado como acionista maioritário significa que a TAP se manterá integrada no Setor Empresarial do Estado e sujeita à legislação para este existente. Falamos de matérias como a submissão a visto prévio do Tribunal de Contas para um conjunto vasto de operações, à apresentação (e publicidade) regular de património e rendimentos pelos membros do conselho de administração, à negociação anual com o Ministério das Finanças do Plano de Atividades e Orçamento, onde são autorizadas as contratações e os investimentos a realizar. Não sei se é possível aliciar algum operador privado a operar nestas condições, mas o que aceitar vai deparar-se com um quadro bem mais limitado do que a gestão privada a que está habituado.

Por último, ao contrário do que diz o Governo, não é nada seguro que, nas condições agora definidas, o tempo venha a aumentar o valor potencial da empresa. Sabemos como o futuro é imprevisível e sabemos também que quando o negócio é aviação os azares tornam-se mais prováveis. Ao separar a privatização em duas fases (e quando só a primeira fase demorará cerca de um ano), o Estado arrisca-se a não conseguir realizar a segunda fase. Havendo compradores interessados, eu não teria arriscado desta forma.

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