Da concorrência (im)perfeita para a diferenciação
Parece haver uma falha de mercado, num país onde há tantos arquitectos sem trabalho e tanta falta de arquitectura em tantos espaços onde os portugueses passam tanto tempo.
Os sectores da hotelaria, restauração e cafetaria aproximam-se muito do ideal de concorrência perfeita. A livre entrada e o número elevado de empresas independentes que existem devia assim produzir um resultado económico próximo do óptimo.
Este resultado devia traduzir-se não só em preços moderados, em resultado da concorrência, mas também numa crescente diferenciação e melhoria da qualidade de serviço, a acompanhar o aumento do nível de exigência e de sofisticação, quer dos consumidores nacionais, quer dos estrangeiros que nos visitam.
Nos últimos dez anos, houve exemplos muito interessantes de melhoria, em particular na hotelaria. Surgiram novos hotéis, com conceitos diferentes dos até então existentes, como backpackers, boutique, Gourmet, Spa, etc. O número de hotéis em edifícios históricos aumentou muito, tendo estes aprendido a compensar as limitações da sua dimensão com a diferenciação e o aproveitar das oportunidades criadas pelo alargar do uso da internet e das viagens independentes.
Alguma desta inovação é muito recente. Há 7 ou 8 anos era difícil abrir um hotel para jovens do tipo Backpackers. Alterou-se a legislação e, em pouco tempo, Portugal conseguiu surgir no topo das listas dos melhores hotéis de turismo jovem.
O mesmo não se passou com alguns hotéis mais tradicionais, com muitos restaurantes e com a generalidade dos cafés. A generalidade dos cafés das grandes cidades evoluíram muito pouco nos últimos 20 anos. Isto é estranho, pois a sociedade mudou e estes estão onde há maior concentração de clientes com elevado poder de compra, mais cosmopolitas, e também onde há maior número de estrangeiros, factores que deviam ser indutores de inovação e melhoria de qualidade.
Mas o que é que pode melhorar nos nossos cafés e restaurantes?
Pode melhorar o espaço, a luz, a temperatura ambiente, ou o nível de ruído. Pode melhorar o serviço, com novos produtos, disponibilizando internet ou tendo mais atenção às necessidades dos clientes com crianças.
Nos últimos 20 anos multiplicaram-se por todo o mundo cafés com sofás, tanto no interior como nas esplanadas, com uma decoração cuidada e moderna, com Wifi, com Capucinos, café gelado e várias outras opções. Nas nossas cidades estes são raros, e demasiados cafés tradicionais nada fizeram para se adaptar a novas procuras.
Não se trata de transformar todas as tascas em espaços modernos. Trata-se apenas de não usar a desculpa de ser uma tasca para ter um espaço desagradável. Trata-se de haver espaço para tudo, mas de se verificar que em algumas zonas das grandes cidades a escolha é muito limitada. Há demasiados cafés com espaços apertados, sem luz natural ou vista para a rua (tantas vezes tapada por mobiliário inútil), com azulejos que multiplicam o nível de ruído, com um frio a entrar pela porta que gela os clientes. A concorrência não está nestes casos a produzir melhor serviço.
Há um claro paradoxo de estabelecimentos que conseguem coisas difíceis de imitar, como ter uma pastelaria ou uma cozinha excelente, mas depois perdem o valor que podiam ganhar com isso, por terem espaços muito limitados e pouco atractivos. Parece haver uma falha de mercado, num país onde há tantos arquitectos sem trabalho e tanta falta de arquitectura em tantos espaços onde os portugueses passam tanto tempo.
O estranho resultado de, num sector em que há tanta concorrência, haver tão pouca entrada de inovação, pode estar ligado às características do sector. Os contratos de arrendamento comercial introduziram distorções negativas. O predomínio de empresas familiares de reduzida dimensão não facilita a inovação.
Mas as explicações não devem servir como desculpas. Em muitos sectores tradicionais exportadores também predominavam empresas familiares e pequenas. Foram estas que associando-se a designers, a centros tecnológicos, a universidades, ou a outras empresas, souberam mudar, inovar, melhorar tecnologicamente e em qualidade, conseguindo responder e aumentar as exportações em mercados com níveis crescentes de concorrência.
A crise atingiu fortemente os sectores dependentes da procura interna. Entre estes, os cafés e restaurantes sofreram forte impacto. Muitos responderam baixando o preço. Poucos estão a conseguir responder diferenciando a oferta. Esta realidade sugere que os que sigam essa via podem encontrar espaços de mercado ainda pouco explorados.
Professor no departamento de Economia da Universidade do Minho
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