Exigir fatura
Os recentes problemas económicos e financeiros de Portugal, acentuados pelos défices constantes do Orçamento do Estado e consequente aumento da dívida pública, têm despertado a consciência cívica dos cidadãos.
Tem-se assistido nos últimos tempos a reivindicações de grupos de cidadãos (sindicatos, associações de empresários e outros movimentos cívicos) sobre temas que, nas décadas passadas, eram praticamente ignorados ou, pelo menos, negligenciados. Um desses temas é o combate à evasão fiscal.
Está agora presente na consciência dos cidadãos a necessidade de todos contribuirmos para a melhoria das condições da sociedade em que vivemos, nomeadamente através do pagamento dos impostos que são devidos em função da capacidade contributiva de cada um.
É certo a existência do «enorme aumento de impostos» na esfera das pessoas singulares (IRS), mas que pode até vir a ser atenuado com a eficácia do combate à evasão fiscal, através do famoso crédito fiscal (devolução da sobretaxa de IRS) previsto na proposta do OE para 2015.
Uma das ferramentas ao dispor do cidadão comum nesse combate à evasão fiscal é o dever de exigir fatura para todas as aquisições de bens ou serviços efetuadas.
Com este procedimento, face aos vários controlos efetuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) previstos na lei fiscal (comunicação de faturas), as empresas passam a pagar os impostos efetivamente devidos para todos os rendimentos que obtenham, evitando-se cada vez mais a evasão fiscal.
Cabe, portanto, a todos nós contribuir para esse esforço de combate à evasão fiscal, com o simples ato de solicitar a respetiva fatura de todas as aquisições que sejam efetuadas.
O Governo criou ainda o sorteio da «fatura da sorte» com o objetivo de incentivar as pessoas a exigir essas faturas. Não entrando na discussão da oportunidade ou mérito desse tipo de iniciativa, é dever de todos, enquanto cidadãos, efetuar essa exigência, com o objetivo de que todos paguemos os impostos que nos são devidos, e que isso venha a originar uma redução geral da carga fiscal para todos.
A "obrigação" do NIF nas faturas
O que já não é compreensível é que o Governo e a AT estejam a criar normas fiscais e procedimentos internos com a "obrigação" de que essas faturas tenham de incluir o número de identificação fiscal (NIF) dos adquirentes, nomeadamente quando efetuem aquisições na sua esfera particular.
Essa "obrigação" de inclusão do NIF nas faturas não contribui em nada para o combate à evasão fiscal. Aliás, tal "obrigação" pode até ter o efeito contrário.
Não faz sentido, e se não for ilegal será pelo menos imoral, que se obrigue as pessoas a fornecer o seu NIF para as faturas das suas aquisições, nomeadamente nas despesas de saúde, para que possam beneficiar da dedução à coleta de IRS.
Apesar da existência de normas legais de confidencialidade e de segurança de informação a que a AT e os seus funcionários estão obrigados, não existe qualquer segurança por parte do cidadão comum de que essas informações, que deviam estar apenas no âmbito da vida privada e íntima dos cidadãos, não possam vir de alguma forma a ser utilizadas pela AT.
Seria, portanto, pertinente que o Governo e a AT dessem um passo atrás nessa exigência, criando outro tipo de incentivos e procedimentos para fomentar o combate à evasão fiscal.
Não se pode substituir as obrigações de inspeção tributária da competência da AT, por aumento de exigências para os contribuintes, que podem ser consideradas como atentatórias ao direito de reserva de intimidade da vida privada.
Consultor da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas
Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.
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