Fernando Pessoa em Kiev
Não se engane, não estranhe, não se iluda: os melhores heróis são os acidentais.
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Não queremos, nem precisamos de mais super-homens, de mais Hércules, de mais Golias. Queremos mais Davids.
Queremos mais tipos como o Salvador.
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O "nós" aqui nem é sinónimo de "Portugal". Trata-se de um "nós" ampliado, um "nós" que representa boa parte da sociedade ocidental.
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Se somos todos lindos, poderosos, felizes e perfeitos (se é para acreditar no que dizemos sobre nós mesmos nas redes sociais), não conseguimos admirar quem é como nós. A nossa vénia irá para quem transgride as regras.
Como dizem os alemães, o "zeitgeist" (o espírito do nosso tempo) transformou o insosso em padrão. Para ajudar, o politicamente correto está aí para aparar todas as arestas. Vivemos como no "Poema em Linha Recta", de Pessoa:
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"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
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Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. (…)
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
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Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
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Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
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Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
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Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
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Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
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Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
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Onde é que há gente no mundo? (…)"
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A conquista de Salvador Sobral é tão mais importante porque foi obtida do jeito dele, não do jeito que a maioria das pessoas dizia ser o ideal. Foi um tapa com luva branca na cara do showbiz (nacional e internacional).
Como tudo o que não é banal tende a virar um paradigma, espero que as lições ensinadas em Kiev provoquem questionamentos em várias áreas que não a música.
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No marketing e na publicidade, por exemplo.
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Quem assistiu ao Festival da Eurovisão viu dezenas de artistas a gritarem, a bailarem, viu fogos de artifício, melodias fabricadas para tocar na rádio, viu até um gorila a dançar. E, de repente, viu (e ouviu) um rapaz a cantar algo entre uma bossa nova e uma valsa, sozinho num palco diminuto, a tocar instrumentos invisíveis, a encenar intimidades.
Daí eu pergunto: quem você quer ser naquilo que faz? Quer ser um Salvador ou quer ser um dos outros?
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O meu Tio Olavo recorda que "tudo vale a pena quando a alma não é pequena".
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Está aí a chave. Somos capazes de ir muito longe quando somos apenas nós mesmos.
Somos Cristiano, mas também somos Éder. Aliás, somos mais Éder do que Cristiano.
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Somos mais Salvador do que ABBA.
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Graças a Deus.
Publicitário e Storyteller
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edson.athayde@fcb.com
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico
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