Que democracia? Que capitalismo?
A própria ligação da democracia ao capitalismo está hoje seriamente chamuscada e por isso as reflexões de Paulo Portas, feitas há dias, merecem ser ponderadas. O populismo florescente é o resultado de um enorme falhanço económico que acabou com esse contrato social que foi o sustentáculo das democracias europeias e dos EUA. E o neoliberalismo e a globalização, tal como foi desenhada, estão em retirada. Pior: apesar dos métodos paliativos a futura robotização (acelerada) vai continuar a destruir a classe média nos Estados ocidentais, contribuindo (a par da crise da emigração e da busca de identidade por parte dos povos) para uma sensação de insegurança latente. Sabe-se que, nomeio desse caos, acaba por vencer.
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Os quatro pilares das políticas económicas que irromperam a partir dos anos 70 (abandono do ideal de pleno emprego e a sua substituição pelo limite de inflação, globalização dos fluxos de pessoas, capital e comércio, o foco na maximização dos dividendos dos accionistas em vez do reinvestimento e crescimento, e a busca de mercados laborais flexíveis e a destruição dos sindicatos) atingiram o seu zénite. Mas agora a busca de novas ideias chegou.
No centro de tudo isto está a relação da democracia com o capitalismo, cada vez mais frágil. A destruição da oposição pelo neoliberalismo capitalista, criou um deserto de ideias alternativas. E as sociedades, sem isso, entram em combustão rápida. A exclusão de largos sectores da sociedade da riqueza e da segurança está a criar os focos de instabilidade. Não deixa de ser interessante que tudo isto está a criar uma democracia "low cost", semelhante ao consumo: cada vez se compram produtos piores a um preço mais baixo. Este é o reflexo da mutação cultural das sociedades ocidentais: a transformação do cidadão em cliente. O cidadão passou a ser avaliado em função do seu poder de aquisição, que lhe permite ter justiça, saúde, escolas melhores, mais acesso à melhor informação e cultura. Perdeu-se o sentido de Estado. Como dizia alguém, o efeito colateral da ideia "enriqueçam" é: cada um por si! O bem comum, valor supremo do Estado de Bem-Estar, está a eclipsar-se. E isso é profético para a ideia de Europa solidária, que vai desaparecendo. Tal como mostra a fraseologia populista de um pretenso social-democrata como Jeroen Dijsselbloem: o populismo já se tornou o discurso dos partidos que eram o centro do poder.
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Vivemos tempos de fronteira: que Europa queremos, que mundo desejamos? Basta olhar para a ideologia reinante na Casa Branca para se perceber que a sensatez desapareceu dos neurónios de quem aparentemente manda. São tempos que parecem, na pior das hipóteses, temer o regresso de uma "idade das trevas", onde poderes fortes vão florescer e elites com pouca ligação ao mundo real voltarão a dominar o conhecimento e o sucesso. Tudo na história foi sempre imprevisível. Resta saber se o poderá voltar a ser.
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