A máquina de lavar e a praça Internet
A vitória nas urnas nos países em desenvolvimento irá para os políticos que prometerem máquinas de lavar roupa, a maior invenção da Revolução Industrial, anunciou, em 2010, Hans Rosling. E quem não acreditasse que observasse como Dilma Rousseff, ascendera de ministra de Minas e Energia à Presidência do Brasil. Numa Ted Talk que ficará para a História - "A máquina de lavar mágica" -, o guru da estatística confessava que falava por experiência própria: graças à máquina de lavar, a mãe tivera tempo para lhe ler livros e ir com ele à biblioteca, semente do seu futuro. Por outras palavras, o crescimento económico e a eletricidade encarregar-se-iam de assegurar a transformação de uma rotina entediante em magia intelectual.
PUB
Lembrei-me de repente de tudo isto quando na semana passada estive em São Tomé e Príncipe, e vi as mulheres a lavar nos ribeiros, as meninas a descerem as ladeiras com alguidares de roupa à cabeça. Por muito bucólicas que fossem as cenas, não duvidei por um minuto de que veriam em Rosling um paladino da sua causa.
Contudo, os "outdoors" não anunciavam eletrodomésticos, nem para dizer a verdade mais nada que não fossem redes móveis. Podem vender-se medicamentos ao comprimido, e fraldas descartáveis à unidade, mas em cada esquina existe um posto de venda de carregamentos de telemóveis. E os únicos edifícios pintados de fresco tinham montras com dispositivos de todos os tamanhos e feitios que, aliás, se viam nas mãos de novos e velhos. À porta do liceu, os estudantes debruçavam-se sobre os ecrãs, e partilhavam moradas de e-mail e Facebook.
PUB
É uma boa notícia. Suspeito de que o "progresso" que na infância de Rosling resultou do tambor de uma máquina de lavar roupa vai agora ser servido em banda larga. "Africa Calling" é o título de um artigo recente do The Guardian, que analisa exatamente o impacto no continente africano daquilo a que chamam a revolução dos telemóveis. Os números são explosivos com o tráfego de dados em dispositivos móveis a triplicar nos últimos cinco anos, mais aparelhos do que adultos em muitos dos países, anunciando que os telefones móveis representarão um décimo do PIB africano até ao final da década.
PUB
Dando mais voz aos cidadãos, terá um papel determinante na luta contra a corrupção, na transparência exigida aos políticos, na gestão das finanças pessoais e no acesso ao financiamento, argumentam, para além de já permitir projetos na área da educação e da saúde, nomeadamente na implementação de campanhas de vacinação, na luta contra doenças endémicas, na batalha a favor do planeamento familiar e contra a mortalidade infantil. O potencial de crescimento deste mercado é tão grande, que a "generosidade" das empresas de comunicação não secará - muitas delas, diz o artigo, tornam possível internet livre em escolas primárias, permitindo que estas crianças cresçam tão nativas a estas tecnologias como as suas congéneres norte-americanas e europeias.
É claro que haverá, nos telemóveis como nos eletrodomésticos, sempre alguém a indignar-se, condescendentemente denunciando os novos tentáculos do capitalismo e uma nova forma de exploração. Terão alguma razão, cá como lá, mas abro o magnífico guia turístico da Pocket Tropics, procuro a referência a Santo António, a minúscula cidade do Príncipe, e releio: "Praça da Matriz - hoje Praça Marcelo da Veiga, ou da internet, como é mais conhecida, porque dali se usufrui gratuitamente de rede." A resposta está aqui. É o wi-fi que vai prevalecer.
PUB
Jornalista
PUB
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico
Mais Artigos do autor
Mais lidas
O Negócios recomenda