A Austrália aqui tão perto
A anódina denominação "plataformas regionais de desembarque" consta dos documentos em discussão para evitar o colapso imediato do Espaço Schengen e visa satisfazer exigências expressas pelo governo de Roma.
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Acordos bilaterais são outra via a explorar para impedir a livre circulação de candidatos a asilo entre os 22 estados da UE aderentes ao Acordo de Schengen.
Compromissos pontuais com a Áustria, por exemplo, que permitam a Angela Merkel salvaguardar a sua coligação, surgem como paliativo de urgência dada a ausência de condições para rever o Sistema de Dublin que obriga desde 1990 ao tratamento de pedidos de asilo no país de chegada do requerente.
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O reforço do Departamento Europeu de Apoio ao Asilo, a operar em Valletta desde 2011, e da Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira, sediada em Varsóvia desde 2016 para assegurar cooperação policial entre os signatários de Schengen, consta, igualmente, das propostas para uma política comum de migração e asilo, mas a sua relevância é secundária.
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Acordos ínvios e de legalidade problemática têm pautado a política da UE como é o caso do entendimento de Março de 2016 para devolução à Turquia de "migrantes irregulares" chegados à UE sem pedido formal de asilo às autoridades de Ancara.
O compromisso implicou, também, o acolhimento na UE de um máximo de 72 mil refugiados sírios na Turquia por cada candidato a refugiado oriundo da Síria reencaminhado para as autoridades turcas.
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Prometeram-se a Ancara facilidades na concessão de vistos a cidadãos turcos e avanços nas negociações de adesão, mas o acordo, apesar da sua eficácia imediata, continua preso por fios, podendo ser rompido por Erdogan a qualquer momento.
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Pior sorte tiveram os acordos firmados em Fevereiro de 2017 pelo primeiro-ministro italiano Paolo Gentiloni, do Partido Democrático, com a facção de Fayez al Seraj na Líbia e o governo da Tunísia para combate à emigração ilegal no Mediterrâneo.
A guerra civil na Líbia e a debilidade das instituições saídas da Revolução de Jasmim tunisina de 2011 cedem terreno ante redes de exploração de migrantes e contrabando que cobrem o Magrebe e Sahel infiltrando-se na África subsaariana.
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Programas de apoio ao desenvolvimento ou acordos comerciais preferenciais, operações militares para congelamento de conflitos políticos e étnicos, além de acções antiterroristas estão longe de propiciar condições para que a maioria dos estados africanos possa apresentar perspectivas de criação de emprego e economias sustentáveis.
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Desertificação e secas atingem muitas regiões de África, acelerando pressões migratórias para a Europa de um continente que em 2050 deverá albergar um quarto da população mundial estimada em 9.700 milhões, segundo projecções da ONU.
A tolerância política às entradas de migrantes e acolhimento de refugiados é diminuta em muitos estados da UE e, pelo caminho que as coisas levam, pouco falta para que surjam propostas à imagem da prática australiana.
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Desde 1994 o governo trabalhista de Paul Keating impôs a detenção de qualquer pessoa chegada à Austrália sem visto válido por tempo indefinido enquanto decorre a análise de pedidos de asilo.
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Posteriormente, "centros regionais de processamento" em Nauru, na Micronésia, e na ilha de Manus, Papua-Nova Guiné, foram criados em 2001 pelo governo liberal-conservador de John Howard para triagem "offshore" de candidatos a asilo e emigrantes ilegais.
Um cúmulo de abusos, maus-tratos e ignomínias, incluindo a imposição de sigilo de funcionários do governo australiano sobre as condições de vida em Nauru e Manus, acompanha a história destes centros de processamento.
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Manus foi encerrado em 2017 no meio de intensa polémica acerca do destino de refugiados na Papua-Nova Guiné e do acordo em Novembro de 2016 com a administração Obama para acolhimento de refugiados políticos incluindo mais de 300 detidos em Nauru.
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Na sua primeira conversa telefónica em Janeiro de 2017 com o primeiro-ministro australiano, o liberal Malcom Turnbull, Donald Trump abominou o "acordo estúpido".
O chefe de governo de Camberra acabou, no entanto, por marcar pontos ao convencer Trump de que existe de facto um consenso na Austrália, abarcando governo e oposição, para manter uma política de detenção obrigatória de qualquer pessoa que tente entrar no país por via marítima sem visto válido.
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É de temer que "plataformas de desembarque" patrocinadas pela UE acabem por ter um destino tão sinistro quanto os "centros de processamento" australianos.
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Jornalista
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