Os nossos irmãos brasileiros
O adiamento da decisão nada alterará ao destino que os interesses conjugados da Oi e dos accionistas de referência da PT lhe traçaram. Servirá apenas para cumprir uns quantos quesitos da CMVM e fazer de conta, por um par de semanas, que os mandantes da operação têm rebates de consciência. Ficará para estudo académico a história de uma empresa que alimentou um sonho internacional, ingenuamente lusófono, e que acabou engolida que nem um sapo por uma jibóia tropical.
PUB
Na verdade, a PT sempre sentiu uma atracção irresistível pelo perigo. Tudo começou em meados dos anos 90, numa aliança estratégica com a Telefonica espanhola e a americana Worldcom, comandadas pelos fogosos Juan Vilalonga e Bernie Ebbers. Estava-se em plena fase de expansão do negócio das telecomunicações e os incumbentes ibéricos viviam um período de desafogo financeiro e estabilidade accionista. Animadas pela perspectiva de conquista dos suculentos mercados sul-americanos, Telefonica e PT estabeleceram, em Março de 1997, uma aliança formal para a abordagem aos leilões de telefonia fixa e móvel no Brasil. A PT acabou por assumir o desafio mais difícil, arrematando o leilão da Telesp Celular com um lance temerário. Após um processo de fusão com outras operadoras móveis regionais, nasceria a Vivo (em 2003), onde o grosso do capital se repartia em partes iguais entre a Telefonica e a PT, cabendo a esta a gestão. Por essa altura, já o Estado português havia dado o penúltimo passo da sua perigosa estratégia de privatização, alienando o que lhe restava no capital da PT (11%) menos 500 acções - a golden share, com que imaginava poder continuar a monitorar o curso da empresa a partir de São Bento. Tudo parecia estar a correr pelo melhor. Até que…
PUB
Em Fevereiro de 2006, concertada com a Telefonica, a Sonae lança a OPA sobre a PT. A reacção dos agentes económicos é entusiástica e a do Governo não o é menos. Mas os accionistas da PT, com o BES à cabeça, reagem de pronto. A administração da empresa promete-lhes um chorudo plano de dividendos se a OPA for chumbada. Os acontecimentos precipitam-se. Em Julho, a Ongoing entra no jogo (adquirindo 5% do capital) com a bênção de São Bento, enquanto a Caixa Geral de Depósitos dá sinais claros de estar alinhada com o BES. Em Fevereiro de 2007, a Sonae sobe a parada. Em Março, a OPA é chumbada. Instala-se a paz podre ao preço de seis mil milhões de euros distribuídos pelos accionistas. A PT tornava-se a maior cash cow do reino das telcos.
Só que Castela, a conquistadora, não esmoreceu na sua ambição brasileira. Falhado o plano A, a Telefonica lançou um plano B, de ataque frontal à posição da PT na Vivo. A empresa consegue resistir às primeiras investidas, mas em 2010 os espanhóis conseguem cercar Picoas. Ou a PT cedia ou seria alvo de uma OPA global, imparável. Num assomo de orgulho nacional, o governo português usa a golden share em Junho para vetar a operação. Mas a Telefonica não levantou o cerco e, sem hesitar, aumentou o preço e o tom das ameaças. Em Julho, emissários de Picoas pediam autorização a São Bento para se renderem. Foi-lhes concedida, tão forte era o sentimento dos accionistas nesse sentido, com a condição de manterem o Brasil no raio de acção. E até já havia uma empresa receptiva à entrada da PT - a Oi. Vivo vendida, encaixe de 7,5 mil milhões, metade para comprar 23% da Oi e um dividendo extraordinário aos accionistas. "Uma solução que foi ao encontro da vontade de todos", declarou então o presidente da PT.
PUB
De metade do maior operador móvel da América do Sul, a PT passou para sócio minoritário de um player da segunda divisão brasileira - endividado, tecnologicamente medíocre e com um elenco accionista nada recomendável. Como se isso não bastasse, a PT deixou-se conduzir alegremente para um processo de fusão, concretizado em Março de 2014, onde a totalidade dos seus activos passava directamente para a Oi. Ao mesmo tempo, criava-se uma holding pretensamente mista, a Corpco, cuja longevidade está seriamente comprometida.
PUB
Capitalizada por via do aumento de capital e rica dos activos portugueses, a Oi não hesitou um segundo quando lhe surgiu uma possibilidade atractiva de concentração no Brasil – desembaraçou-se da PT. Como sempre, para os brasileiros a lusofonia não passa de um adereço hipócrita. Com irmãos destes e accionistas destes, il ne faut pas rêver.
Economista; Professor do ISEG/ULisboa
PUB
Mais Artigos do autor
Mais lidas
O Negócios recomenda