O poder no vazio
É impossível que os dirigentes políticos europeus não saibam que o mundo mudou. O problema é que os responsáveis políticos europeus sabem que os eleitorados europeus não querem aceitar as implicações dessa transformação.
"Vivemos tempos mesquinhos em que o destino da Europa se vê cada vez mais condicionado por gente sem visão ou oportunistas e demagogos populistas."
Vicente Jorge Silva, Público, 18 de Novembro de 2018
Terá havido perda de qualidade dos dirigentes políticos europeus - em todos e ao mesmo tempo - ou o mundo mudou e ninguém informou esses responsáveis e os eleitorados europeus de que tinha acontecido essa transformação do campo de possibilidades e dos mapas que indicam o caminho para o futuro?
É impossível que os dirigentes políticos europeus não saibam que o mundo mudou. O problema é que os responsáveis políticos europeus sabem que os eleitorados europeus não querem aceitar as implicações dessa transformação. Não se mobilizam para participar numa mudança do mundo que os expulsa do conforto das políticas distributivas e os atira para um novo campo de possibilidades em que ganham os que têm capacidade competitiva em mercado aberto, mas perdem os que dependem das políticas distributivas e precisam da protecção do Estado nacional em mercados alfandegados fechados. Os dirigentes políticos europeus estão a exercer o poder num contexto de duplo constrangimento: sabem que o mundo mudou e que é isso que determina o futuro, mas também sabem que uma parte maioritária do eleitorado não quer essa mudança do mundo e que prefere continuar nas condições do passado. É este duplo constrangimento que produz o vazio em que o poder se exerce.
Para conquistarem o poder, os dirigentes políticos europeus não podem falar do futuro. Mas o passado, a que os eleitores europeus querem que os candidatos ao poder lhes indiquem como podem regressar, já não existe. O Estado nacional europeu foi configurado para encerrar a época das lutas religiosas, tornando a escolha da religião oficial um atributo do Estado soberano. Depois disso, esse Estado nacional europeu tornou-se metrópole de império - e se nem todos os Estados europeus foram metrópole de império, todos beneficiaram dessas relações imperiais que tinham o seu centro na Europa. O fim dos impérios europeus significou o fim dessa época em que o Estado nacional europeu podia ser centro de soberania. Agora, só o poderá ser se for fechado e pobre, sem relações e sem atractividade. É isso que os populistas soberanistas, do Brexit e de outros nacionalismos, não dizem aos seus eleitores, mas é o destino que vão encontrar se chegarem ao poder.
Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências directas e indirectas das políticas para todos os sectores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.
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