Marques Mendes: A partir de agora, António Costa "passa a mandar em pleno" nas Finanças
As notas da semana de Marques Mendes, no seu comentário semanal na SIC. O comentador fala sobre a saída de Centeno, o novo ministro das Finanças e o orçamento suplementar, entre outros temas.
O ESTADO DA PANDEMIA
- Os dados desta semana confirmam a tendência da semana passada: a pandemia está controlada em praticamente todas as regiões do país (quadro 1); a excepção é a Região de Lisboa e Vale do Tejo e, sobretudo, cinco concelhos da AML (quadro 2).
- Aqui chegados, há alguns comentários a fazer:
- Primeiro: uma preocupação. Não devemos ser desmancha prazeres nem alarmistas. Mas devemos falar verdade. E a verdade é esta: Portugal é hoje o segundo país da UE com mais infetados por milhão de habitantes. Pior do que nós só a Suécia. Isto não é nada bom. Claro que não são casos especialmente graves. Mesmo assim muita atenção: veja-se que a Grécia e a Áustria abriram as suas fronteiras e excluem cidadãos oriundos de Portugal. Nada bom para a nossa imagem.
- Segundo: uma perplexidade. Esta tendência de subida na Região de Lisboa e Vale do Tejo verifica-se desde o início de Maio. Todavia, ainda não há uma explicação convincente para esta situação. Dizem as autoridades: a responsabilidade é do sector da construção civil e do trabalho temporário. Só que também há construção civil e trabalho temporário no norte, no centro e no sul do país. Por que é que aí não há problemas? Convinha que as autoridades de saúde tivessem respostas mais claras e convincentes. Estas dúvidas não deixam ninguém seguro e confiante.
- Terceiro: uma crítica. O problema na Região de Lisboa e Vale do Tejo é sério. Sendo assim, pergunta-se: por que é que só esta semana decidiram criar um Gabinete de Crise para Lisboa? Chama-se a isto correr atrás do prejuízo. É "casa roubada, trancas à porta". Não é assim que se gera confiança e segurança nos cidadãos.
O CONTROLO SANITÁRIO NOS AEROPORTOS
A partir de amanhã os aeroportos nacionais vão começar a ter mais movimento. Mais movimento é mais risco. Neste quadro há duas coisas incompreensíveis:
- Primeira: temos aeroportos no continente, na Madeira e nos Açores. Apesar disso, temos regimes sanitários diferentes. No continente temos um, na Madeira outro e nos Açores outro. É caso para perguntar: então temos três países dentro do mesmo país? Isto é uma anormalidade.
- Segunda: o controlo sanitário nos aeroportos do continente é muito deficiente. Exigir apenas a medição da temperatura corporal é muito pouco. Dois exemplos apenas para mostrar ou a incongruência desta situação.
- No Brasil vive-se em termos sanitários uma situação de verdadeiro caos. Perante este caos, não seria recomendável ter um regime sanitário mais apertado e exigente?
- As autoridades angolanas exigem que quem entra no país tenha um comprovativo de um teste negativo feito nos últimos 8 dias. Não seria recomendável que Portugal adoptasse um regime de reciprocidade?
- Em conclusão: não se percebe bem o critério das autoridades portuguesas. Nuns casos – como bares ou esplanadas – são rígidas em demasai. Noutras situações caem no domínio do facilitismo.
A SAÍDA DE CENTENO
A saída de Mário Centeno não surpreende. Apesar de o próprio ter andado este tempo todo a dizer que as notícias da sua saída não passavam de folhetins, a verdade é que estava tudo pensado desde Janeiro. Aqui chegados, três comentários são obrigatórios:
- Primeiro: a importância do seu mandato. Goste-se ou não se goste de Mário Centeno, ele teve um trabalho importante. Primeiro, ele representa o lado bom do Governo. O lado que tem obra e que apresenta resultados. Segundo, ele foi essencial para o PS. Mudou a imagem de um partido, que tradicionalmente era visto como um partido despesista. Terceiro, ele fez história. Um excedente orçamental é caso inédito em democracia. Pode até discordar-se da forma usada para o alcançar, mas que é uma meta histórica, lá isso é!
- Segundo: a irresponsabilidade da sua saída. Em 2013 considerei a saída Vítor Gaspar a meio da crise da troika uma irresponsabilidade. Hoje só posso dizer a mesma coisa da saída de Centeno. A sua saída é um gesto irresponsável.
Um Ministro das Finanças responsável não abandona o barco a meio de uma crise gravíssima como esta. Um Ministro das Finanças com sentido de Estado não vira a cara à luta num momento brutal como este. Os homens de coragem e de carácter vêem-se nestes momentos difíceis. Centeno, ao contrário, em vez de dar a cara, tomou a iniciativa de fugir.
Mas este é o seu lado mau – o seu lado de egoísmo, de vaidade, de um umbigo enorme, de uma pessoa que pensa demasiado em si e no seu interesse pessoal.
- Terceiro: a falta de explicação. Centeno sai no início do mandato. E sai sem sequer ter tido a hombridade de dar uma explicação sobre a sua saída. Pergunta-se: ele sai porquê? Ele sai porque está farto, ele sai porque quer um lugar mais bem remunerado, ele sai porque tem divergências políticas? Ninguém sabe. O que se sabe é que sair, e sair desta forma, é um acto de uma enorme falta de respeito pelos portugueses.
O NOVO MINISTRO DAS FINANÇAS
- João Leão , o novo Ministro das Finanças, era a solução esperada. É um bom técnico, tem provas dadas no domínio orçamental e garante ao PM poder dizer que a política de rigor orçamental é para continuar.
- Entretanto, na sua primeira prova de fogo, o Ministro saiu-se bem. A escolha dos seus Secretários de Estado é uma escolha bem acertada. É globalmente uma boa equipa de Secretários de estado.
- Posto isto, dir-se-á que o novo Ministro não tem peso político. É verdade. Mas isso não é neste momento muito relevante – o verdadeiro Ministro das Finanças, a partir de agora, será o próprio PM.
Deixemo-nos de hipocrisias. Com Mário Centeno, António Costa mandava pouco no Ministério das Finanças. E várias vezes entrou em conflito com o MF. Essa era, de resto, uma das razões pelas quais o PM estava "farto" de Mário Centeno.
A partir de agora, com João Leão, o PM passa a mandar em pleno. Isto dá-lhe maior liberdade de movimentos mas fica mais exposto e com maior responsabilidade. Deixou de ter "o escudo protector" de Mário Centeno.
CENTENO NO BANCO DE PORTUGAL?
- Centeno sai agora do Governo por uma única razão: porque quer ser Governador do Banco de Portugal. E só não irá para o BP se a AR, como se fala, aprovar legislação que o impeça de ser Governador.
- Sobre esta iniciativa dos partidos é importante dizer o seguinte: eu sou contra a irresponsabilidade de Mário Centeno. Mas também sou contra o oportunismo dos partidos políticos. O que querem fazer é uma vergonha.
- Primeiro: o que os partidos querem fazer não é uma lei de incompatibilidades. É, sim, uma lei à medida de Centeno. Uma lei ad hominem. Uma lei com fotografia. Uma lei para impedir a sua nomeação. Isto não é sério.
- Segundo: se o Parlamento tinha uma intenção séria de criar uma nova incompatibilidade – e faz sentido –, podia tê-lo feito há seis meses, há um ano ou dois. Fazê-lo agora em cima da nomeação é um exercício de oportunismo.
- Terceiro: o PSD, em especial, não tem qualquer autoridade. Primeiro, porque fez o mesmo que agora critica – no passado nomeou três pessoas que praticamente saíram do Governo para irem para o BP. Depois, porque Rio, que se diz muito consistente, passa a vida a mudar de opinião. Em Fevereiro dizia que "à partida" não vetava Centeno. Agora, que aprovar uma lei que na prática veta a sua nomeação. Há poucos meses, a propósito do Aeroporto do Montijo, dizia estar contra leis feitas à medida. Agora é a favor de uma lei feita à medida de Centeno. Haja um pouco de coerência!
O ORÇAMENTO SUPLEMENTAR
- O Governo apresentou o seu orçamento suplementar . não tem novidade. É a tradução do Plano de Estabilização aprovado na semana passada. Se o Plano é um remendo, o Orçamento também o é.
- Até aqui não há qualquer novidade. A novidade é outra e é surpreendente: é um parecer, ainda não tornado público, que na passada 6ª feira o Governo enviou para a AR a "informar" os deputados que, por causa da chamada lei-travão, estão "impedidos" de fazer certas alterações à proposta do Governo, designadamente diminuir receitas ou aumentar despesas.
Deixo a discussão jurídica para os constitucionalistas. Mas, politicamente falando, pode ser vista como uma iniciativa provocatória.
- Primeiro: parece uma intromissão do Governo na vida da AR. O Governo parece tratar o Parlamento como uma mera Direcção Geral. Parece que é tutela do Parlamento. Não compete dizer ao Parlamento o que pode e o que não pode fazer.
- Segundo: é uma clara tentativa do Governo de intimidar e condicionar a acção dos partidos. Algo que não é aceitável.
- Terceiro: o que o Governo agora vem dizer neste parecer é tudo o contrário do que o PS fez no passado. Recordo que, quando Passos Coelho apresentou orçamentos rectificativos, o PS propôs a redução do IVA da restauração, do IVA da energia ou a compensação pelos cortes de salários na função pública. Propostas que, segundo este parecer, não seriam possíveis. Bem prega Frei Tomás: olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz.
Só por acaso é que isto não dá grande polémica.
DERRUBAR ESTÁTUAS É SOLUÇÃO?
- Nos últimos dias generalizou-se a moda de vandalizar ou derrubar estátuas de personalidades históricas. Até em Portugal já se chegou ao ponto de vandalizar a estátua do Padre António Vieira. Eu compreendo a legítima indignação com a discriminação racial na sequência do horroroso assassinato de George Floyd.
- Mesmo assim, há comportamentos que não são justificáveis:
- Primeiro: um acto de violência e intolerância nunca se combate com outros actos de violência e intolerância. Nunca!
- Segundo: a história de um país, seja qual for, tem sempre bons e maus momentos, bons e maus exemplos. Todos fazem parte da sua história. Ora, por muitas estátuas que sejam vandalizadas ou derrubadas, a história nunca se apaga. Pretender o contrário é um acto de ignorância e de prepotência.
- Terceiro: o julgamento de uma personalidade do passado faz-se no quadro do seu contexto histórico. Pretender julgar pessoas e acontecimentos do passado à luz dos critérios contemporâneos é outro exercício de totalitarismo e insensatez.
Em suma: combater o racismo, sim. É uma exigência de cidadania. Praticar o radicalismo, não. É um mau exemplo de civismo e de convivência democrática.
Mais lidas