Marques Mendes: Costa passa a ser "a segunda maior figura" na história do PS
O rescaldo das eleições legislativas que deram ao PS a segunda maioria absoluta da sua história ocupou o habitual espaço de comentário na SIC de Luís Marques Mendes no habitual espaço de comentário na SIC. O antigo líder do PSD não poupa nas críticas a CDU, BE, CDS e PSD - os grandes derrotados de dia 30.
O NOVO CICLO POLÍTICO
Cumpriu-se a tradição: sempre que há uma dissolução da AR e eleições antecipadas, muda o ciclo político. Foi assim com Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco. Voltou a ser assim com Marcelo. Mudou radicalmente o ciclo político. Foi mesmo um verdadeiro tsunami.
• Uma maioria absoluta do PS verdadeiramente histórica, surpreendente e arrasadora, que ganhou em todos os distritos do continente. Varreu o país a cor de rosa. Nem Sócrates conseguiu isso em 2005. Então, tinha ficado de fora o distrito de Leiria.
• Um suicídio da radical esquerda, em especial do BE. Ao abrir uma crise incompreensível, mostrou que tem tanto de sobranceria como de insensatez. Teve o mérito de permitir um recentramento da vida nacional.
• O fim da geringonça. Há 6 anos, PCP e BE deram a mão ao PS para evitar o fim político de Costa. Seis anos depois, o resultado é cruel: o PS foi o único beneficiário político da geringonça; PCP e BE foram as grandes vítimas. Fizeram o papel de "idiotas uteis", tal como PS e PRD em 1987.
• O desaparecimento parlamentar de dois partidos: um, mais grave, o caso do CDS, por ter sido um histórico partido fundador da democracia; outro, menos grave, o caso do PEV, que foi sempre um fraude política eleitoral (um partido que autonomamente nunca foi a votos).
• O surgimento de dois novos grupos parlamentares, o Chega e a IL, é a prova de que também nos sistemas partidários impera a lei da vida: uns morrem, outros nascem. Uns crescem, outros desaparecem.
O GRANDE VENCEDOR
1. O grande vencedor é António Costa. Tem uma maioria absoluta, mais histórica e surpreendente que a de José Sócrates.
a) Primeiro: Sócrates teve uma maioria absoluta quando estava no início da governação, fresco e sem desgaste. Costa teve uma maioria absoluta quando já leva 6 anos de governação, com desgaste e um governo cheio de "buracos".
b) Segundo: António Costa contrariou a tradição dos ciclos governativos do PS. Guterres e Sócrates caíram ao fim de 6 anos. Costa, ao fim de 6 anos, tem o seu maior reforço político de sempre.
c) Terceiro: António Costa ganha uma maioria absoluta depois de ter falhado o projecto em que mais se empenhou: a geringonça. Ele próprio se considerou, há 3 meses, um derrotado.
d) Quarto: António Costa conquista simultaneamente a esquerda e o centro, fazendo uma razia à esquerda e estragos enormes à direita, no PSD.
Tudo isto é obra. Não é que António Costa seja um génio. Mas passa a ser, na história do PS, a segunda maior figura a seguir a Mário Soares.
2. Há seguramente várias explicações para este tsunami socialista. Mas há uma decisiva: estabilidade. Vontade de estabilidade. Em tempo de crise pandémica, económica e social, os portugueses indignaram-se com o chumbo do OE e assustaram-se com a ideia de governos de curta duração (dois anos). Votaram pelo que consideram mais seguro e estável. A ideia de estabilidade venceu a ideia de mudança. É quase sempre assim em momentos de crise.
3. Chega, Iniciativa Liberal e Livre são os outros vencedores destas eleições. E com inegável mérito. O Chega passa a terceira força política. A Iniciativa Liberal fez uma grande campanha e fica a ser o quarto partido na AR. O Livre escapou ao voto útil à esquerda e elegeu um deputado com qualidade.
OS DERROTADOS
1. Os derrotados à esquerda eram expectáveis. Mas a factura da derrota é pesadíssima. Mais do que derrota é suicídio. CDU e BE perdem quase meio milhão de votos.
• O BE baixou de 19 para 5 deputados. Foi tão mau ou pior do que sucedeu com o Bloco em 2011, depois do PEC4. Na altura, o líder do BE demitiu-se. É impossível agora Catarina Martins não fazer o mesmo. O BE foi duplamente penalizado: penalizado pela crise que abriu; e penalizado por ter reincidido no erro estratégico de 2011.
• A CDU perdeu metade dos seus deputados, alguns dos quais de referência como António Filipe e João Oliveira. Passou mesmo a humilhação de não ter um deputado no distrito de Évora. Aqui, no caso do PCP, a mudança de liderança não vai resolver o problema do partido: o PCP perdeu com a geringonça, mas perde sobretudo porque há anos está em declínio irreversível. O mundo mudou. Só o PCP não percebeu.
2. Em relação à direita, a derrota é diferente. O CDS provavelmente acabou como partido de referência. Era, infelizmente, expectável.
Já o caso do PSD é diferente. O resultado foi uma enorme desilusão. A expectativa era de uma vitória. Na pior das hipóteses uma pequena derrota. Saiu uma derrota pesadíssima. O PSD até vai ter menos deputados que em 2019. E já então não tinha muitos.
a) O problema do PSD não foi a campanha que fez agora. Até foi uma boa campanha. Os pecados originais do PSD estão em 2019 e resultam de dois erros estratégicos:
• O primeiro, foi que Rui Rio, com uma oposição frouxa, permitiu que à sua direita surgissem dois novos partidos – o Chega e a IL – que agora lhe roubaram os votos de que precisava para ganhar. A fragmentação da direita foi fatal para o PSD. Por culpa do PSD.
• O segundo erro estratégico é que, ao dizer-se de centro e ao confundir-se politicamente com Costa, Rui Rio alienou a direita. E quem aliena a direita dificilmente tem voto útil à direita.
b) A vida vai ser muito difícil para o novo líder do PSD. Vai fazer o caminho das pedras (4 anos de oposição); não tem assento no Parlamento (deixando assim Ventura e Cotrim à solta); e vai confrontar-se com um partido desmotivado e desmoralizado. Para se ser líder do PSD agora é preciso muita coragem.
O PRÓXIMO GOVERNO
- Oportunidade e responsabilidade: palavras decisivas para o próximo governo:
- O PM tem agora uma oportunidade única para governar. No plano político e económico. No plano político, tem condições para quatro anos de governo. No plano económico, tem a bazuca. Esta é a legislatura da bazuca. Ou seja: tem tempo para governar, tem estabilidade e dinheiro para investir.
- Mas uma maioria absoluta reforça a exigência e a responsabilidade. E isso traz dificuldades. A futura governação não vai ser um mar de rosas.
- Primeiro: a composição do novo governo. O PM precisa de um governo novo. Não chega um governo remodelado. Precisa de caras novas, credíveis, mobilizadoras. Da sociedade civil e não só do PS. Vai conseguir?
- Segundo: estabilidade e desenvolvimento. O país passa a ter estabilidade. Mas não chega. É preciso desenvolvimento. O que exige reformas. Em várias áreas. Para estancar o empobrecimento de Portugal em relação aos países de leste. A partir de agora não tem alibis para não reformar. Vai conseguir?
- Terceiro: o desgaste. A maioria absoluta começa agora. Mas o desgaste da governação vem de trás. E o desgaste do poder tem duas consequências: perda de iniciativa e arrogância. António Costa vai conseguir evitar estes riscos?
- O PM disse ontem que maioria absoluta não será poder absoluto. Depende muito dos media, mas sobretudo do próprio PM e do PR.
- Do PM: da sua vontade de diálogo e equilíbrio. Um exemplo: debates quinzenais. O PM fazia bem em repor os debates quinzenais na AR. Ou, pelo menos, passar a debates mensais. Ir obrigatoriamente uma vez por mês ao Parlamento. Se o fizer, será um bom começo.
- Do PR: Marcelo passará a ser o maior "fiscalizador" da maioria absoluta. Dos seus excessos ou exageros. Mas há algo que não pode fazer: não deve deixar transformar-se em líder da oposição. Esse não é o papel do PR. E há algo que deve passar a fazer: ser impulsionador das grandes reformas e mudanças que o país precisa. Os grandes desígnios nacionais.
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