Portugal e o tabu do território
Um dos problemas centrais da economia portuguesa é a ausência de competitividade e protagonismo do sector primário.
É sempre polémico e difícil falar do que é rural ou suburbano em Portugal; corremos o risco de parecer arrogantes ou de mostrar desprezo por esta ou por aqueloutra região; no entanto, o tabu tem um preço elevado, tanto em demagogia como em iniquidade.
Segundo projecções de alguns especialistas como Francisco Jaime Quesado, teremos, em 2025, uma Área Metropolitana de Lisboa a absorver uns escabrosos 45,3% da população nacional (via Público, Novembro, 2011). Sem rodeios ou insinuações, convém dizer que a primeira prejudicada é, claro, a própria Lisboa. Esta semana, dois artigos na imprensa internacional chamaram, ainda que de forma indirecta, a minha atenção para o problema da ingerência territorial em que o país se encontra. Ou melhor, chamaram a minha atenção para a questão à volta da qual se deveria mover este debate: a ingerência do território é uma causa, ou um efeito? Estamos a falar de um êxodo que não é, de todo, compaginável com um país da Europa.
Os "links" para cada uma dessas peças encontram-se ao fundo do artigo: no The Economist, discute-se a mobilidade urbana/suburbana e o planeamento das cidades e da demografia como forma de combate ao próprio desemprego, citando estudos que na terra do Tio Sam já começaram a ser feitos em meados dos anos sessenta; embora divergentes em opinião, todos relacionam a mobilidade física com a dinâmica do mercado de trabalho de forma inequívoca. Do lado do Der Spiegel, a resenha é mais generalista: trata-se de focar o problema do capitalismo moderno na palavra que já se sussurra mesmo nos corredores mais escuros da finança internacional, de Londres a Davos: "inclusão". Só peca por tardia a conclusão: o capitalismo como hoje o entendemos - e, por lógica geminada, a democracia - está dependente de mais e melhor acesso a mais camadas da sociedade no que toca à participação efectiva no desenvolvimento económico e social. Que é como quem diz, o "exército de excluídos" - para usar a cortante expressão do Eng. Belmiro de Azevedo -, criado na última década em nome da salvaguarda da Finança, só pode ser mau para a Economia. O Ocidente está "japonizado": o cenário deflacionário e de crescimento anémico é transversal à Europa e aos Estados Unidos, com todos os riscos que isso acarreta, incluindo o da reabilitação da miséria enquanto algo de virtuoso.
Voltando aos caminhos de Portugal, a verdade é que, tanto a norte como a sul, há um socalco social evidente: saímos dos centros urbanos e, por vezes, a não mais do que trinta ou quarenta quilómetros de viagem, assalta-nos um deserto rústico, suburbano, ou híbrido entre ambos que é, em si, um desperdício. Terra ao abandono, construção desordenada, índices de desenvolvimento a caírem a pique - por ironia do destino, é a terra do actual ministro da Economia, Resende, a campeã nacional da taxa de desemprego, que se cifra acima dos 26% naquele concelho. E não é difícil relacionar este fenómeno com um outro, mais ou menos evidente, consensual e quase absurdo: um dos problemas centrais da economia portuguesa é a ausência de competitividade e protagonismo do sector primário. Com efeito, este nunca se emancipou - nem no Estado Novo, nem na Democracia - do seu papel de mera actividade de subsistência, de envergonhada forma de vencer a fome, de último soldado na batalha perdida contra a desertificação do território.
Se a esta evidência juntarmos uma outra - a de que planeámos mal a ferrovia, tanto nas mercadorias como nos passageiros, insistindo no péssimo negócio do automóvel particular, onerando Estado, famílias e empresas - e pensarmos que estas consequências tendem a exponenciar-se em forma de espiral de miséria, temos que o debate sobre o território é um dos mais pertinentes e urgentes da nossa sociedade e, quem sabe, talvez o mote para uma campanha Presidencial que nos liberte de tanta numerologia fátua e alquimia bacoca; curto e grosso, estou a falar disto como poderia estar a falar do preço escandaloso do peixe, num país com uma das maiores zonas económicas exclusivas do mundo - ambos os problemas emanam de uma mesma forma de enviesamento do conceito de "desenvolvimento".
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