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Todos os partidos políticos querem uma justiça de acesso universal, célere, eficaz e eficiente. Misteriosamente, apesar do consenso político, temos a justiça que temos. Dizia Sócrates I, na discussão do programa do Governo em Abril de 2005, que...
Todos os partidos políticos querem uma justiça de acesso universal, célere, eficaz e eficiente. Misteriosamente, apesar do consenso político, temos a justiça que temos. Dizia Sócrates I, na discussão do programa do Governo em Abril de 2005, que todos os diagnósticos estão feitos, o que precisamos é de vontade política e acção para reformar a justiça. E assim não foi. Uma coisita aqui, umas asneiras acolá. Reformar muito no papel, mas mudar bem pouco. E chegando a Setembro de 2009, nas eleições legislativas, o PS não tinha nada de significativo para apresentar. Os diagnósticos eram os mesmos, as promessas repetiram-se. Diga-se, pelo menos, em abono da verdade, que nem os mais furibundos socristas que falam das grandes marcas da mudança (as mesmas que se evaporaram em seis meses) defenderam o desempenho do PS na justiça. Mas como o PSD também não sabia muito bem o que fazer na justiça, foi tema deixado fora do debate político
Entra Sócrates II. O novo Governo segue o manual de toda a vida. Anuncia uma justiça de acesso universal, célere, eficaz e eficiente. Mas, na verdade, a única coisa que fez foi deitar para o caixote do lixo tudo o que tinha sido a marca da mudança de Sócrates I. Começar de novo. Claro que o PS nem tentou explicar por que perdeu cinco anos. Já o PSD, porque continua sem saber o que fazer na justiça, limitou-se a sorrir para o lado.
Eis que, por ocasião do 36.º aniversário do regime que nos (des)governa, Sócrates II descobre a pólvora. E explica ao povo. Uma justiça de acesso universal, célere, eficaz e eficiente, sim. Vamos abrir um novo tribunal da relação em Santarém. Vamos ter tribunais especializados para contencioso em propriedade intelectual, regulação de mercados e concorrência. E, diz Sócrates II, são passos importantes para descongestionar os tribunais.
Apesar destas notícias terem passado sem grande impacto na discussão política, merecem alguma reflexão. Desde logo enterram definitivamente o mapa judiciário. São o regresso ao tempo das medidas casuísticas e dispersas, sem sentido. Ainda não está instalada a relação de Faro, e temos outra anunciada para Santarém. Vamos encher Portugal de tribunais de segunda instância. Tem sentido. Como não vamos resolver a congestão na primeira instância, o melhor é mesmo criar muitos tribunais de segunda instância antes que haja congestão também aí. Não há nada como ter uma justiça cara, congestionada, cheia de tribunais e com muitos magistrados judiciais. Vai ser, certamente, outro exemplo de boas práticas a elogiar pela OCDE ou pelo Conselho da Europa nalgum relatório cuidadosamente encomendado.
Quanto aos tribunais especializados, parece-me um erro. Os adeptos da especialização olham sempre para os benefícios, e não para os custos. Tenho muitas dúvidas, mas vamos dar de barato que estes tribunais vão ser um exemplo de excelência. Serão, no melhor cenário, uma ilha de qualidade no meio de um oceano de ineficácia e desperdício. Mas estas ilhas não estão isoladas do oceano. Todo o mundo adora recorrer em Portugal, quem ganha e quem perde. Portanto, mais tarde ou mais cedo, acaba tudo num tribunal superior não especializado. E certamente voltam a predominar os aspectos processuais sobre os aspectos substantivos. Essencialmente tudo na mesma, pois.
Lamenta-se que Sócrates II, ao enterrar definitivamente Sócrates I, ressuscite as mesmas políticas seguidas pelo PS e pelo PSD que nos levaram à ruína em que estamos. Realmente, pior começa a ser difícil.
PS. A esquerda intelectual descobriu que o juiz Baltazar Garzón não cumprir a lei é desejável, e até parte importante do Estado de direito. Curioso Estado de direito em que um magistrado judicial não se submete à lei. Certamente essa mesma lei é inconstitucional. Mas a esquerda parlamentar, em maioria desde 2004, não a revogou. E essa mesma esquerda, parlamentar ou intelectual, jamais solicitou a inconstitucionalidade da lei de amnistia de 1977 (porque quando o fizer sabe que Santiago Carrillo terá de responder pelo massacre de Paracuellos). Mas deve ser que, num Estado de direito democrático, o folclore nas ruas é mais importante que o princípio da legalidade. Professor de Direito da University of Illinois nuno.garoupa@gmail.com Assina esta coluna quinzenalmente à quinta-feira
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