[459.] Casa da Música
A revolução armada tornou-se musical: em vez da baioneta, a flauta, em vez do rapaz guerreiro de pistola na mão a seu lado, um violoncelo; no lugar dum cadáver, uma trompa; e um címbalo em vez do burguês armado.
A fotografia artística de Pedro Lobo que ilustra o actual cartaz musical da Casa da Música é muito evocativa de dois temas da programação de Abril da instituição: Música & Revolução e Revoluções Francesas. A foto serve também como suporte visual para a informação em anúncios.
A imagem mostra uma mulher de peito ao léu, barrete frígio, alforge à cintura, uma flauta na mão esquerda, enquanto o braço direito eleva no ar uma bandeira do que (me) parece ser ou papel de jornal ou papel de música.
A mulher avança com a pose corajosa dos heróis por entre instrumentos musicais de percussão, uma trompete, uma trompa, um violino, um violoncelo, um contrabaixo Há fumo, ou poeira, ou nevoeiro do ar, sugerindo movimento, agitação ou guerra.
É um belo exercício de intertextualidade, remetendo para uma das mais poderosas imagens criadas pela pintura ocidental: A Liberdade Guiando o Povo, o quadro de Eugène Delacroix pintado para celebrar a revolução popular de 1830 em Paris.
Na pintura, a mulher transporta uma baioneta e a bandeira francesa. Avança sobre escombros e por entre revolucionários mortos, guiando revoltosos que avançam, como ela, em direcção do observador. O fumo da guerra eleva-se para o céu. O autor da imagem para a Casa da Música reproduziu a composição. A posição e a indumentária da mulher são idênticas. A revolução armada tornou-se musical: em vez da baioneta, a flauta, em vez do rapaz guerreiro de pistola na mão a seu lado, um violoncelo; no lugar dum cadáver, uma trompa; e um címbalo em vez do burguês armado.
Esta campanha dirige-se a um público interessado e, certamente em grande parte, senão na totalidade, conhecedor do quadro de Delacroix, o que lhe permite a gratificação de identificar a intertextualidade. A imagem, beneficiando da força da pintura e da sua magistral composição, tem grande beleza; a sua adaptação ao tema dos ciclos musicais em curso na Casa da Música torna-a ainda mais perfeita. Há na imprensa uma grande quantidade de publicidade cultural, mas é raríssima a que aspira e alcança, como esta, a forma artística de qualidade.
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