A cultura ameaçada por ausente da imprensa
Num lúcido artigo, publicado a 9 deste mês, na revista "Notícias-Sábado", António Mega Ferreira faz o processo a uma Imprensa, cujo desinteresse pela cultura passa pela ignorância, pela negligência e pela afronta.
Num lúcido artigo, publicado a 9 deste mês, na revista "Notícias-Sábado", António Mega Ferreira faz o processo a uma Imprensa, cujo desinteresse pela cultura passa pela ignorância, pela negligência e pela afronta.
Escreve: "Nestas duas décadas, aumentaram os consumos culturais, cresceu o número de títulos editados, a oferta cultural subiu em flecha. Como é que a Imprensa se desinteressou deste fenómeno social? E porquê?"
Mega Ferreira aludia ao facto de Gonçalo M. Tavares ter ganho o Grande Prémio de Romance e Novela da APE, e a notícia ser relegada para as páginas interiores dos jornais. Sabe-se que aquele prémio perdeu em credibilidade o que ganhou em jogos malabares. Os maiores escritores portugueses de então não foram substituídos por equivalentes de agora, e que, segundo Mega, e eu sublinho, "pode ser que algumas escolhas discutíveis, quando não mesmo surpreendentes, tenham contribuído para desacreditar o prémio concedido pela APE."
Acentua Mega Ferreira: "E é seguro que a proliferação de prémios literários e afins, dotados de valores pecuniários muito mais significativos, ajudou a relativizar a sua importância. Mas eu creio que a razão principal deste apagamento mediático do prémio da APE tem mais que ver com o assustador e progressivo desaparecimento da cobertura da vida cultural das páginas da nossa Imprensa de referência."
O artigo em referência leva o título "Até que nada reste" e constitui uma abordagem veemente do fenómeno. Além dos indicadores nomeados, há os lóbis, as rasuras por motivos ideológicos, as perseguições pessoais, os verdetes manifestos a este e àquele autor. Nos tempos do fascismo, atribuía-se ao poder dos neorealistas a orientação cultural de quase todas as páginas literárias. Basta folhear as colecções dos jornais da época para se verificar quão falaciosa é a afirmação.
O "Diário de Notícias", o "Diário de Lisboa", o "Diário Popular", em Lisboa; e, no Porto, "O Comércio" e "O Primeiro de Janeiro", uma vez por semana, incluíam suplementos ou páginas especiais, nas quais colaboravam escritores de todas as tendências políticas e estéticas. Havia, de facto, um cuidado, da parte das Redacções, em manter o equilíbrio possível, apesar do olho vigilante da Censura e dos organismos oficiais, entre os quais o SNI (Secretariado Nacional da Informação).
Adianta António Mega Ferreira: "Eu creio que há um equívoco, que parte de um pressuposto errado, nesta tendência aparentemente inexorável que conduzirá à morte da cultura nos jornais de referência. O pressuposto errado é o de que 'as pessoas gostam de ler peças curtas'; o equívoco é o de que a cultura, por isso, interessa cada vez menos os leitores. Eu duvido de que os 379 mil leitores diários de 'El Pais' se precipitem todos os dias para as bancas por causa da página de mexericos sociais que aparece lá para o fim do jornal, entre os obituários e a informação sobre o tempo, ou das colunas de breves, que encerram cada uma das secções do jornal."
Em Portugal, salvo as excepções, raríssimas, que confirmam a regra, avantajada, raramente as acções culturais, as exposições, a publicação de livros ascende à nobreza das primeiras páginas. Ao contrário, o futebol adquire todas as prioridades. O desequilíbrio, na hierarquia da informação, chega s ser assustador. E as omissões, ultrajantes. No caso dos livros, as editoras dispõem de um poder sinuoso. As pequenas, têm de se conformar às migalhas que os jornais lhes concedem; as grandes, é o que se pode verificar. Quanto às publicações culturais seria vantajoso fazer equiparações de autores "predilectos" e "indesejáveis", nas páginas da revista "Ler" e do "Jornal de Letras", que se diz, igualmente, de "Artes e Ideias."
Os critérios, como todos os critérios, são discutíveis; mas não se trata disso, sim dos pequenos interesses de grupo, e, até, das amolgadelas à deontologia e à ética jornalísticas. Há exposições, filmes, peças de teatro, livros que passam sem disso haver notícias. E em alguns dos casos, acaso em muitos casos, trata-se de trabalhos sérios, importantes e significativos. Silêncio. A morte civil, minuciosamente preparada, ou, então, acontecida por ignorância e por todas aquelas maleitas nomeadas, anda por aí, nas páginas dos jornais. E já para não falar nas rádios e nas televisões.
Em tempos, escarmentei o director de uma dessas publicações, poeta menor e democrata instantâneo como o pudim flan, por agressão às virtudes da amizade e da decência. Fi-lo, também, com outros. Mas cansei-me da mediocridade reinante, impante e poderosa. O artigo do António Mega Ferreira suscitou-me estas reflexões e este aplauso.
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