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Frederico Bastião
28 de Maio de 2004 às 14:00

A remodelação governamental de Crossman

Para evitar ao País fortes custos sociais e económicos, só resta ao PM a solução Control-Alt-Del. ...

A saída do Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e do Ambiente apanhou toda a gente de surpresa, a começar pelo próprio. As explicações, essas, foram muitas e diversas: desde o PM querer marcar a agenda num congresso partidário ao negócio das águas, passando por umas quantas gafes do ex-ministro ou pela sua falta de cunho político num executivo onde o excesso de cunha tinha posto fora outros.

Perante tantas explicações, tão diferentes e mesmo contraditórias, fiquei na dúvida. Afinal porque tinha sido demitido o MCOTA? E à hora do jantar, tipo alka seltzer para facilitar a digestão doPM? Fica a sensação que o nosso ex-ministro ficou enredado numa theia em que ele, coitado, não foi mais que um peão, sacrificado, é certo. E então procurei ver mais claro, indo às fontes, não à de Boliqueime mas à literatura sobre a matéria, com uma questão na cabeça: porque faz um primeiro ministro uma remodelação?

Uma primeira explicação, a que mais frequentemente encontrei, tem que ver com a eficácia da acção governativa. O funcionamento do governo é, no fundo, um problema de principal-agent em que o primeiro ministro é o principal e os ministros os agentes. O PM delega neles a capacidade de acção em determinadas áreas que eles têm interesse em executar bem para não serem substituídos. Assim, o PM deve remodelar os ministros que desempenham mal as suas tarefas.

Mas há outras razões, quiçá mais poderosas. Um ministro em início de funções é dominado pela máquina burocrática do ministério. Isto é relatado por Crossman, que foi ministro de Harold Wilson no início dos anos 60 e que nos conta como os seus funcionários o isolaram do mundo exterior, filtravam a informação e o conduziam na governação, passando estes na prática a determinar a acção governativa. Anthony Downs, também ex-ministro, conta-nos o mesmo.

Saliente-se que não há perversidade neste exercício, pois o interesse dos funcionários é que o ministro progrida para que eles próprios ganhem em importância (e noutras coisas...). Três aspectos devem aqui ser notados: primeiro, o nosso ministro deixa de ser político e passa a ser mais um burocrata, o que justifica a tese da falta de cunho político; segundo, os funcionários - e o ministro «capturado» - vêm o desempenho do ministério e o do governo como sendo independentes, o que não deixa de ser curioso; terceiro, o PM, para evitar que isto aconteça, deve substituir os ministros «capturados».

Mas uma nova explicação foi dada recentemente por Jonathan Control, Edward Alt e Rudiger Del, num paper de título: «On Prime Ministers and Cabinet Reshuffles: How to Tangle Ministers in a Web». Explicam estes autores que um PM é obrigado também a substituir um bom ministro, pois ele poderá pôr o ministério ao serviço das suas ambições pessoais e acabar no lugar do primeiro ministro. Numa situação destas argumentam os nossos autores que o PM deve ou nomeá-lo para outro ministério, onde seja impossível ter bons resultados, ou, na impossibilidade de tal, excluí-lo do governo. Por outras palavras, o governo seria assim constituído apenas por ministros sofríveis, numa versão política da Lei de Gresham da Economia: o mau ministro expulsa o bom.

Ainda segundo os nossos autores, uma tal situação seria facilmente reconhecível por a governação atravessar quatro fases: primeiro a fase do governo político,emque imperam as ideias, vendidas aos eleitores segundo dois princípios: tudo o que de bom poderá acontecer será devido a nós, tudo o que mau acontece foi devido aos nossos antecessores. É uma fase puramente política, pois ainda não há que apresentar resultados dada a juventude do governo. A segunda fase é do governo burocrata, que desponta por duas razões: porque há ministros que foram «capturados» pela burocracia ou porque a necessidade de apresentar resultados assim obriga - e frequentemente estes ministros são apelidados de tecnocratas. A terceira fase é a da anemia governamental, onde a qualidade média do governo decai porque os ministros capturados e os com boa imagem pela capacidade de concretização são necessariamente substituídos, por se afastarem da plataforma política do governo ou por serem bons a fazer coisas. São sinais desta fase o PM ter melhor avaliação que os seus ministros e a frequência das remodelações, que nos casos extremos são avulsas. Finalmente, entra-se na fase do desgoverno, a última, em que já não há resultados, já não se pode (ou deve) culpar governos anteriores, já não há credibilidade em remodelar e já está cada ministro preocupado é com o seu futuro. Um sinal desta fase é a tomada dos lugares de administração e dirigentes no sector público pelos membros dos gabinetes. Salientam os nossos autores que esta fase tem custos altíssimos para o País, com forte desperdício de recursos, elevadas rendas de monopólio e ineficiências diversas. Esta fase deveria, portanto, ser evitada ou encurtada na medida do possível. Os nossos autores recomendam uma solução de descontinuidade: uma transição de governo.

Quais são as implicações desta teoria para o caso concreto do nosso País? Estaríamos então na terceira fase, atendendo ao que atrás foi dito. Assim sendo, para evitar ao País os fortes custos sociais e económicos da quarta fase, só resta ao PM a solução Control-Alt-Del.

Frederico Bastião é professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando lhe perguntaram o que achava da remodelação que o primeiro ministro tinha feito recentemente, Frederico respondeu: «Acho muito bem! Mais tarde ou mais cedo há-de acertar».

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