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Jean Pisani-Ferry - Director do Bruegel
06 de Setembro de 2012 às 10:17

Europa: federalismo ou fracasso?

Agosto foi mais tranquilo do que se temia nos mercados obrigacionistas europeus. Assim, enquanto descansavam nas praias e montanhas da Europa, os responsáveis políticos puderam afastar-se da confusão dos últimos meses e pensar no futuro.

Agosto foi mais tranquilo do que se temia nos mercados obrigacionistas europeus. Assim, enquanto descansavam nas praias e montanhas da Europa, os responsáveis políticos puderam afastar-se da confusão dos últimos meses e pensar no futuro. Será que a Zona Euro está a caminhar como um sonâmbulo para se tornar nos Estados Unidos da Europa? Isso é explorar um território desconhecido? Ou os seus estados-membros estão, na verdade, a afastar-se?

Para responder a estas perguntas, o melhor ponto de partida são os Estados Unidos. O modelo de uma união federal que emergiu da sua história consiste numa moeda única gerida por uma agência federal; mercados integrados de produtos, trabalho e capital; um orçamento federal que, em parte, mas automaticamente, compensa os desequilíbrios económicos que afectam os estados; um governo federal que assume a responsabilidade de enfrentar grandes riscos, inclusive os provenientes do sector bancário; e estados que garantem bens públicos regionais, mas que praticamente não desempenham nenhum papel na estabilização macroeconómica.

Este padrão serviu de modelo para os arquitectos da União Europeia, nomeadamente para a criação de um mercado unificado e de uma moeda comum. Mas, em vários aspectos, a Europa distanciou-se significativamente do modelo americano.

Em primeiro lugar, a Europa não estabeleceu um orçamento federal. Na década de 70 ainda havia esperança de que as despesas comuns acabariam por ascender a 5 ou 10% do PIB da União Europeia, mas esse sonho nunca se materializou. Hoje, o orçamento da União Europeia não é maior do que era há 30 anos: apenas 1% do PIB.

Ao contrário dos Estados Unidos, onde os gastos públicos federais cresceram como consequência da criação de novos programas de despesas durante o século XX, a despesa pública já era elevada a nível nacional quando a Europa começou a integrar-se. Muitos programas de despesas federais poderiam ter surgido a partir da transferência de programas nacionais já existentes para o nível europeu. Sem surpresa, essas transferências encontraram forte resistência.

Mais recentemente, a Zona Euro começou a criar um sistema de seguro mútuo entre os estados-membros. Desde 2010, a assistência foi estendida à Grécia, Irlanda, Portugal e, agora, Chipre. Espanha pode em breve seguir o exemplo, com um foco particular no apoio ao seu sector bancário. Assim, está a surgir um padrão específico: estados que se ajudam uns aos outros.

Mas a solidariedade não é grátis. A condição é que os seus beneficiários assinem um tratado orçamental que os compromete com responsabilidades orçamentais e os torna susceptíveis de sofrer sanções quase automáticas. Além disso, a assistência financeira exige que os beneficiários implementem medidas negociadas e aceitem a monitorização externa do desenvolvimento das políticas. Por outras palavras, o preço da solidariedade é soberania limitada.

No entanto, ao contrário dos Estados Unidos, os governos dos estados-membros – e, cada vez mais, os seus parlamentos – estão a tomar as decisões. Porque a assistência financeira não se baseia em recursos federais, mas sim na partilha de recursos nacionais, os Estados credores exigem, inevitavelmente, mais poder em troca de mais apoio aos seus vizinhos. Como resultado, a unificação da moeda não aproximou a Europa dos Estados Unidos; pelo contrário, afastou-a ainda mais.

Nos Estados Unidos, o governo federal funciona como uma blindagem total contra os riscos comuns e presta apoio automático e incondicional aos estados em dificuldades; mas, no final, não vem para resgatar um estado sobreendividado, nem assume o seu governo. Na Europa, pelo contrário, não há nenhum escudo agregado e quase nenhum apoio automático aos estados-membros em dificuldades – na melhor das hipóteses estendem a mão, em troca de condições, para prevenir a falência. Assim, enquanto os vários estados dos Estados Unidos competem com o centro por poder, na Europa, os estados-membros competem cada vez mais entre si

Esta rivalidade interestatal – aproximando-se mesmo da acrimónia – é o que dificulta a política de integração europeia. Todas as federações têm experimentado períodos de tensão entre os governos federal e estadual. Mas aceitar que os seus vizinhos espreitem por cima do seu ombro e lhe digam o que fazer é mais terrível do que aceitar a supervisão do centro.

Na verdade, o maior problema com o actual estado das coisas é a fraqueza das instituições da União Europeia que têm o dever de defender o interesse comum, e que são responsáveis pelos europeus como um todo. A direcção europeia comum não pode emergir do cálculo dos interesses nacionais por parte dos governos e parlamentos que são responsáveis apenas perante os eleitores nacionais.

A grande questão para a qual ninguém tem resposta é se a Europa está num processo de invenção de um modelo próprio, ou fez apenas um desvio da escolha inevitável entre desagregação e convergência no modelo federal. Uma solução poderia ser a de proporcionar aos representantes nacionais um espaço para convocar debates a nível europeu. Outra seria a de transferir a função de seguro para uma instituição federal responsável perante o Parlamento Europeu.

Qualquer que seja o caminho seguido, nos próximos anos a Europa terá de resolver o problema da fraca representação do interesse comum – ou então admitir que nenhum interesse comum pode justificar a permanência no caminho da integração.

Jean Pisani-Ferry é director do Bruegel, um think tank económico internacional, professor de Economia na Universidade Paris-Dauphine, e membro do Conselho de Análise Económica do primeiro-ministro francês.

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