O Nobel da economia de 2007: de novo a sedução dos modelos de socialismo de mercado
O prémio Nobel da Economia de 2007 foi atribuído a três matemáticos (Leonid Hurwicz, Eric Maskin e Roger Myerson) trabalhando na área da teoria dos jogos, na subárea do desenho de mecanismos.
Os três são doutores em matemática, com a particularidade de Eric Maskin e Roger Myerson terem feito ambos o doutoramento no mesmo ano e em Harvard.
A insistência na atribuição deste prémio a esta área, algo esotérica e obscura, foi justamente lamentada por muitos. Na verdade, ela já havia sido contemplada muito recentemente em 2005.
No ano passado, o prémio fora atribuído a Edmund Phelps, perante o agrado e a compreensão geral. Tratava-se de premiar o trabalho de macroeconomia aplicada cuja relevância poucos contestam.
Este ano esperava-se que o prémio fosse para a área da microeconomia aplicada: talvez Baumol, Tirole, Bhagwati, Krugman?
Porém, insiste-se novamente na mesma área, agora com um significado acrescido. A teoria do desenho de mecanismos, quer pela sua origem (debate sobre o cálculo económico no socialismo dos anos 30) quer pelos seus recentes desenvolvimentos, tem um significado e uma carga ideológica que não pode ser omitida. É este aspecto, mais do que a sua reconhecida irrelevância prática, que é conveniente sublinhar.
Muitos interpretam estes acontecimentos com alguma ingenuidade: tratar-se-ia da pujança desta área do conhecimento que veria reconhecidos os seus resultados. Outros, julgam encontrar uma boa explicação no facto do chairman do Economics Prize Committee ser ele próprio um matemático e um investigador da área da teoria dos jogos 1*.
Mas a insistência em destacar esta área tem a meu ver um significado que não deve passar em claro que releva do debate ideológico que, como se sabe, hoje não se faz abertamente mas com grande subtileza.
A origem da teoria do desenho de mecanismos, como bem refere o background paper que justifica a atribuição do prémio deste ano, remonta às questões levantadas por Hayek no âmbito do debate dos anos 30 sobre os méritos dos vários sistemas económicos. Posicionaram-se então Mises e Hayek, do lado capitalismo, e do lado do socialismo colocaram-se Lange e Lerner. Hurwicz, que curiosamente foi aluno quer de Hayek quer de Lang, desenvolveu a teoria do desenho de mecanismos precisamente procurando responder às questões levantadas por Hayek sobre as possibilidades cálculo económico no socialismo.
Há uma subtileza patente na mensagem no “scientific background” , já que “estes resultados 2* confirmam o argumento de Friedrich Hayek, segundo o qual os mercados agregam eficientemente a informação privada relevante”.
Há uma desconfiança radical dos mercados e dos indivíduos. Segundo esta concepção, que já vem de Samuelson, os indivíduos tendem a não revelar as suas preferências no contexto de existência de bens públicos.
Torna-se, assim, evidente que este contexto teórico se tornou o campo de eleição para os defensores da intervenção invasiva do estado, deixando a descoberto e desprotegidos muitos que se atemorizam com o arsenal matemático que não compreendem e não se atrevem a contestar, mesmo quando pressentem o que significam as conclusões.
Esta corrente tende a tornar-se dominante em certos lugares é é-o já, seguramente, no ambiente que atribui o Nobel da Economia.
A teoria de desenho de mecanismos tornou-se no fundamento do novo socialismo de mercado: há mecanismos alternativos ao mercado que podem replicar o mercado e melhorar os resultados deste. Enquanto Hayek questionava a possibilidade da racionalidade do socialismo, os teóricos do desenho de mecanismos pretendem ter – pela via da modelização matemática – encontrado racionalidade em diversos modelos institucionais, por norma, sempre superior à do mercado real. Na verdade, este só em condições muito restritas e raras gerará eficiência. Nessa conformidade, são necessários mecanismos alternativos de eficiência. É o velho sonho dos defensores do socialismo científico, travestido agora de socialismo matemático. Onde aqueles viam uma evolução natural da sociedade, os novos teóricos assumem implicitamente uma construção matemática daquele tipo de sociedade.
Enquanto as relações de mercado se alargam dentro de cada país e se estendem a vastas regiões do mundo e quando o capitalismo parece ter ganho a guerra dos sistemas económicos, são os novos socialistas que tomam o facho da contestação do capitalismo.
Segundo esta nova geração de socialistas de mercado, o capitalismo num contexto de preponderância de grandes empresas deverá exigir a invenção de instituições alternativas, não só mais eficientes mas também mais igualitárias.
Esta investida teórica, aparentemente, deu, com sucesso, uma resposta convincente à questão levantada por Hayek, mas deixou de fora, significativamente, Mises, o seu parceiro de debate dos anos 30. Esta linha teórica procurou concentra-se no argumento de Hayek de que o mercado é a instituição adequada para resolver o problema do conhecimento desarticulado, limitando a concepção do mercado apenas a uma solução analítica.
Significativamente, os teóricos do desenho de mecanismos preferem o diálogo com Hayek, ignorando Mises. Este, na verdade, torna o problema menos tratável ao colocar de raiz a propriedade privada dos meios de produção como exigência indispensável à existência de preços de mercado e, logo, do próprio cálculo económico.
Fortes motivos têm os teóricos do desenho de mecanismos e o Economics Prize Committee para afastar Mises e privilegiar Hayek. Ao procederem desta formam sabem bem as dificuldades que teriam se tivessem que retomar o debate dos anos 30 tomando o conjunto dos actores e dos argumentos.
Pretender apresentar a solução para um problema real e sério colocado há 80 anos – o cálculo económico no socialismo – desta forma agora apadrinhada pelo Economics Prize Committee não parece ser revelar muita seriedade intelectual.
1* A influência de Jorgen Weibull é, de facto, geralmente apontada como uma das explicações para opeso desproporcionado desta área na distribuição dos prémios. Weibull é chairman do The Economics Prize Committee, doutor e mestre em matemática e membro do conselho da Game Theory Society. Lecciona a cadeira de Matemática I na Stockholm School of Economics.
2* Os preços de equilíbrio resultantes de leilões duplos com grande número de participantes agregam deforma eficiente a informação privada dos indivíduos.
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