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Brahma Chellaney
22 de Março de 2011 às 12:07

Os ensinamentos a tirar da crise nuclear japonesa

Os problemas da central nuclear de Fukushima - e de outros reactores - no norte do Japão representaram um duro golpe para a indústria nuclear global, um poderoso cartel de menos de uma dúzia de empresas detidas ou orientadas pelo estado que têm defendido o renascimento da energia nuclear.

Mas já são bem conhecidos os riscos que enfrentam reactores costeiros como o de Fukushima. De facto, estes riscos tornaram-se evidentes há seis anos, quando o tsunami no Oceano Índico em 2004 inundou o segundo maior complexo nuclear da Índia, levando ao encerramento da central eléctrica de Madras.

Muitas centrais nucleares estão localizadas em zonas costeiras, porque utilizam grandes quantidades de água. No entanto, desastres naturais, como tempestades, furacões e tsunamis são cada vez mais comuns devido às alterações climáticas. Estas vão provocar um aumento do nível dos oceanos e tornar os reactores costeiros ainda mais vulneráveis.

Por exemplo, muitas das centrais nucleares localizadas na costa da Grã-Bretanha estão apenas a alguns metros acima do nível do mar. Em 1992, o furacão Andrew provocou danos significativos na central nuclear de Turkey Poin na Baia de Biscayne na Florida. Felizmente, não foram atingidos os sistemas críticos para o funcionamento da central.

Todos os geradores de energia, incluindo as centrais a carvão e a gás, exigem grandes quantidades de recursos hídricos. Mas as centrais nucleares exigem ainda mais. Os reactores de água natural ou ligeira (light water reactor (LWR)), como os de Fukushima, que usam a água como principal refrigerante, produzem a maioria da energia nuclear do mundo. As quantidades de água local que os LWR consomem para funcionarem, transformam-se em água quente que é bombeada para os rios, lagos e oceanos.

Como os reactores localizados nas zonas do interior exercem uma grande pressão sobre os recursos de água doce - e provocam danos na vida vegetal e nos peixes - os países com zonas costeiras tentam construir as suas centrais nucleares junto ao mar. Mas, seja no interior ou junto à costa, a energia nuclear é vulnerável aos efeitos das alterações climáticas.

À medida que o aquecimento global provoca um aumento das temperaturas médias e do nível dos oceanos, os reactores localizados no interior vão, cada vez mais, contribuir e ser afectados, pela escassez de água. Durante a vaga de calor de 2003, as operações em 17 reactores nucleares comerciais franceses foram reduzidas ou interrompidas devido à rápida subida das temperaturas dos rios e lagos. Em Julho de 2006, o reactor espanhol de Santa María de Garoña foi encerrado devido às altas temperaturas do Rio Ebro.

Paradoxalmente, foram as mesmas condições que, em 2003 e 2006, impediram a indústria nuclear de fornecer toda a energia necessária na Europa, que criaram um pico da procura de electricidade devido ao aumento da utilização de ar condicionado.

De facto, durante a onda de calor de 2003, Électricité de France, que gere 58 reactores - a maioria deles em rios ecologicamente sensíveis como o Loire - foi obrigada a comprar energias a países vizinhos no mercado "spot" europeu. A estatal EDF, que normalmente exporta energia, acabou por pagar 10 vezes mais o preço da energia doméstica, com um custo financeiro de 300 milhões de euros.

Da mesma forma, apesar de a onda de calor de 2006 ter sido menos intensa, os problemas de calor e água obrigaram a Alemanha, a Espanha, e a França interromper o funcionamento de algumas centrais nucleares e reduzir as operações em outras. Nesse ano, as empresas proprietárias de centrais nucleares na Europa Ocidental conseguiram excepções à lei que os impede de descarregar água quente nos ecossistemas naturais.

A França gosta de exibir a sua indústria de energia nuclear, que fornecer 78% da electricidade do país. Mas o consumo de água dessa indústria é tanto que a EDF retira todos os anos 19 mil milhões de metros cúbicos de água de rios e lagos, ou seja, aproximadamente, metade do consumo total de água doce do país. A escassez de água doce é uma ameaça internacional cada vez maior e a maioria dos países não estão em condições de aprovar semelhantes sistemas energéticos, localizados no interior e com um consumo de água tão elevado.

As centrais nucleares localizadas junto ao mar não enfrentam os mesmos problemas em condições de calor, porque a água do oceano não aquece como a dos rios e lagos. E como dependem da água do mar não provocam uma escassez de água doce. Mas, como demonstraram os reactores do Japão, as centrais nucleares junto ao mar enfrentam perigos mais sérios.

Quando o núcleo do reactor de Madras foi atingido pelo tsunami foi possível encerrá-lo em segurança porque o sistema eléctrico estava instalado numa zona mais elevada do que a central. E, ao contrário do que aconteceu na central de Fukushima, que foi directamente atingida, a central de Madras estava longe do epicentro do terramoto que provocou o tsunami.

O principal problema da energia nuclear, num mundo com cada vez maior escassez de água, é que necessita de grandes quantidades de água, apesar de ser vulnerável à água. E, décadas após Lewis L. Strauss, presidente da Agência de Energia Atómica dos Estados Unidos, ter afirmado que a energia nuclear se poderia tornar "demasiado barata", a indústria nuclear continua a subsistir graças aos subsídios governamentais.

Apesar da atractividade da energia nuclear ter caído consideravelmente no Ocidente, aumentou entre os chamados "recém chegados ao nuclear", o que representa novas ameaças, incluindo as preocupações com a proliferação das armas nucleares. Além disso, com perto de dois quintos da população mundial a viver a menos de 100 quilómetros da costa, não é fácil encontrar locais junto à costa adequados para iniciar ou ampliar um programa de energia nuclear.

É provável que Fukushima afecte irremediavelmente a energia nuclear, da mesma que o acidente de Three Mile Island na Pensilvânia em 1979, para não falar do grave acidente de Chernobyl em 1986. No entanto, a julgar pelo sucedido após estes dois acidentes, os defensores da energia nuclear vão voltar à carga.

Brahma Chellaney é professor de Estudos Estratégicos no Centro de Pesquisa Política em Nova Deli e autor de "Asian Juggernaut: The Rise of China, India, and Japan (Harper Paperbacks, 2010) e "Water: Asia's New Battlefield" (Georgetown University Press, 2011).

© Project Syndicate, 2010.

www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Luísa Marques

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