Um mundo fechado
O setor dos transportes aéreos foi durante décadas um monopólio com controlo das autoridades nacionais.
O setor dos transportes aéreos foi durante décadas um monopólio com controlo das autoridades nacionais. Esta fragmentação em mercados nacionais e a inexistência de concorrência tornaram-se muito rapidamente obsoletas e incompatíveis com o aumento crescente da procura. A adoção de uma política de mercado era essencial. Na década de 70, mais concretamente em 1978 liberalizam-se as companhias aéreas nos EUA. Em 1986 esta desregulamentação estende-se à Europa.
No último trimestre o transporte aéreo voltou a estar fortemente regulamentado e controlado, não por ter perdido a liberalização conseguida, mas pelas fortes restrições ao movimento de pessoas que a situação impõe e os governos obrigam.
A missão do transporte aéreo é garantir a mobilidade das pessoas e mercadorias, quando as fronteiras encerram e o movimento é proibido pelos governos, a sua missão esvazia-se.
Em fevereiro de 2020 os impactos desta pandemia já se faziam notar, quebras da procura da ordem dos 14% relativamente a fevereiro de 2019, eram os primeiros sinais duma crise que se propaga agora por todo o mundo. Ainda, em fevereiro as viagens domésticas na China colapsaram e a procura internacional por voos para a Ásia-Pacifico caiu vertiginosamente. O esforço das companhias aéreas para reduzir a capacidade foi imenso. No entanto, o sector da aviação tem uma capacidade fixa e custos que exigem uma lotação mínima para viabilizar a operação, que não são compatíveis com os níveis de tráfego que se registavam. Entre fevereiro e março as companhias aéreas começaram a parar. Os aeroportos são hoje verdadeiros parques de estacionamento.
Um inimigo sem rosto fechou fronteiras, desvirtuou a proximidade social que o turismo exige, forçando a estacionar uma atividade cuja missão está esvaziada. Se em fevereiro a quebra da procura se situava nos 14% a nível mundial, na ásia pacífico estas quebras rondavam os 41%.
No segundo trimestre e terceiro trimestre esperam-se quebras de 56% e 40% respetivamente na capacidade. Espera-se ainda, mais de 2 milhões de viagens canceladas e 252 biliões de dólares de receitas perdidas (IATA).
Se as viagens aéreas estagnaram sem data de regresso, o turismo não revela perspetivas muito melhores. Prevê-se que o verão de 2020 fique circunscrito aos fluxos inter-regionais ou na melhor das hipóteses aos fluxos nacionais.
Num turismo eminentemente doméstico, voos de curta distância e transporte terrestre registarão alguma atividade, mas não suficiente para assegurar a recuperação económica que esperamos.
Voos internacionais este ano serão sempre imprudentes, se se atender aos diferentes ciclos de evolução do vírus nos diferentes países. A abertura de fronteiras pode acontecer pelo desespero económico, mas será sempre imprudente porque abre a hipótese de despoletar um novo ciclo de vírus.
Se isso acontecer então a confiança esmorece e o mercado das viagens, só recuperará em 2022. Se conseguirmos travar a reincidência ou descobrimos a cura, o turismo começará a desabrochar ainda que de forma muita tímida em 2021.
Com os aviões estacionados e sem perspetivas de regresso, admite-se que 50% das companhias aéreas vão à falência neste segundo trimestre, sem a ajuda do governo. (Alexandre Juniac, CEO da IATA).
Curiosamente uma indústria que pediu a desregulamentação pede hoje apoio para libertar-se duma crise sem precedentes. Alegam e, com legitimidade, que o transporte aéreo é fundamental para devolver à sociedade a razão da sua existência. Iria mais longe, o apoio é essencial pois o transporte de mercadorias, e em particular o transporte de material hospitalar é imprescindível.
Quando a incerteza é a vida humana, os impactos económicos, a crise que enfrentamos perde significado. O futuro não é promissor para ninguém neste momento, estamos numa economia de guerra e, em economias de guerra surgiram sempre "mãos invisíveis", na altura designados como fundos de reestruturação económica que permitiram com a solidariedade de todos recuperar economias e vidas. Hoje volvidos vários séculos de história, os governos nacionais respondem aos estímulos e tentam apoiar as suas empresas. Mas os tais fundos de apoio que salvaram o mundo na primeira e na segunda guerra mundial, tardam em chegar.
Mais do que prever o que vem a seguir, importa assumir uma "mão invisível" suficientemente grande para mitigar a não protelar a resolução deste flagelo económico e social.
Com solidariedade, resiliência e amor pelo próximo venceremos, não há impossíveis, juntos vamos conseguir, mas é preciso que estejamos mesmo todos juntos…. Às vezes tenho dúvidas.
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