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António Amaro de Matos
02 de Outubro de 2012 às 23:30

Um problema de expressão

Para os protagonistas das PPP rodoviárias, que corporizam um enorme escândalo a nível nacional, seria necessário alguma audácia e imaginação por parte do Governo para fazer terminar o que já tem sido descrito como extorsão.

Para os protagonistas das PPP rodoviárias, que corporizam um enorme escândalo a nível nacional, seria necessário alguma audácia e imaginação por parte do Governo para fazer terminar o que já tem sido descrito como extorsão.

No actual contexto de preparação do OE para 2013, tem evidentemente de se ter em conta o acórdão do TC que reprovou do ponto de vista da equidade a desproporção (evidente) entre as pesadas medidas de austeridade aplicadas em 2012 à função pública e as que atingiram a população em geral.

Na procura de um maior equilíbrio, vai recorrer-se agora ao IRS. E tem-se falado também na tributação do capital, não só a CGTP, mas também o presidente do TC, recuperando, na expressão usada, a dicotomia capital/trabalho associada a um conflito (os maus contra os bons) que na mitologia do marxismo preenchia o mundo sobre o qual teorizava. Tributar o capital (os maus) é apenas tomar já partido pelos bons que, no final moralista da narrativa marxista, sempre acabarão por vencer, como nos contos infantis.

A escolha da expressão "capital" acarreta uma tal carga ideológica que obscurece o que se pretende e as suas consequências. Há claramente, também na economia e na política, problemas de expressão, como no poema do Carlos Tê.

Por mim prefiro, em vez de "tributação sobre o capital", referir "tributação sobre os investidores" identificando claramente quem se pretende que seja chamado a contribuir quando se fala em tributar o capital. Que são exactamente aqueles de quem esperamos que, investindo, dêem o impulso para a retoma do crescimento da nossa economia. Serão esses que queremos que sejam mais tributados? Expressões apropriadas contribuem para que mais facilmente as pessoas se entendam.

Investidores são as pessoas que decidem investimentos arriscando o seu dinheiro e geralmente procurando maximizar rentabilidades dentro de limites de risco expectáveis aceitáveis a seu juízo. Mesmo quando decidem como administradores de fundos é assim que o fazem porque é assim que os donos do capital esperam que eles façam.

Acredito que a recuperação da nossa economia só vai ocorrer com investimento estrangeiro, privado. Parece-me má ideia piorar pela via da fiscalidade a rentabilidade dos investimentos em Portugal. Se procuramos obter investimentos, isto é, decisões de investidores favoráveis a investir no nosso País, deveríamos, pelo contrário, aliviar impostos que oneram as rentabilidades esperadas. Até mais do que os nossos concorrentes na captação de investimentos. Certamente melhor do que baixar salários.

Assim se explica o sucesso da recuperação em curso da economia irlandesa cujo governo associou a um duro programa de austeridade a manutenção do imposto mais baixo da UE sobre os lucros das sociedades, isto é, sobre os rendimentos dos investidores. Conseguindo, mesmo antes de terminado o programa de ajustamento, a captação de investimento estrangeiro.

O cuidado que atrás se recomenda quanto ao tratamento a dar aos investidores não é, evidentemente, extensível aos protagonistas das PPP rodoviárias que corporizam um enorme escândalo a nível nacional e, aliás, só marginalmente investiram recursos próprios. Quanto a estes, seria necessário alguma audácia e imaginação por parte do Governo para fazer terminar o que já tem sido descrito como extorsão. Pelo menos a mesma audácia que foi usada na emergência em que nos encontramos quanto aos cidadãos, alterando unilateralmente o seu relacionamento com o Estado, quebrando expectativas e direitos. Com a sanção posterior, bastante, do TC.

Tem-se acenado com a participação de instituições financeiras internacionais, com a existência de cláusulas de arbitragem obrigatórias para a resolução de diferendos e com a própria intervenção do Estado português nos contratos para os declarar definitivamente blindados relativamente a qualquer intervenção. Mesmo não conhecendo pormenores (e às vezes é nos detalhes que o diabo se encontra), penso que - não se pondo em causa a garantia do Estado relativamente às instituições financeiras - legislação que suspendesse a validade dos compromissos relativamente a arbitragem e dispusesse no sentido de alterar os contratos existentes tornando-os mais equilibrados e menos onerosos para o Estado se justifica pela mesma situação de emergência que tem justificado outras medidas igualmente unilateralmente decididas. A sanção do TC deveria ser obtida, ou por solicitação do PR, para esclarecimento de dúvidas quanto a constitucionalidade, ou a pedido de deputados da AR. Evitando que daqui a dez anos ou mais se esteja ainda a discutir a legitimidade das medidas.

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