Uma verdade inconveniente
A família "x" comprou casa a crédito. Precisava de mobiliar a habitação e decidiu adquirir os móveis a prestações. Para satisfazer as suas necessidades de mobilidade, também comprou o primeiro carro a crédito, a que se seguiu o segundo. Até aqui, foi aguentando os encargos.
A família "x" comprou casa a crédito. Precisava de mobiliar a habitação e decidiu adquirir os móveis a prestações. Para satisfazer as suas necessidades de mobilidade, também comprou o primeiro carro a crédito, a que se seguiu o segundo. Até aqui, foi aguentando os encargos.
Depois, queria ter um computador e aproveitou a oportunidade de lhe poder aceder através do recurso a um empréstimo. E quando chegaram as férias, comprou um pacote com tudo incluído e contratou o seu pagamento em suaves prestações. Tudo corria bem. A felicidade estava à distância de uma conversa curta e rápida com o banco. A prudência dizia que não havia rendimentos para sustentar tudo isto no futuro, mas quem se importava com isso?
O azar bateu à porta da família "x". O desemprego bateu à porta, o aumento salarial que era dado como seguro e adquirido não surgiu e os impostos aumentaram. Para conseguir honrar os compromissos que assumiu, a família em causa tem de cortar nas suas despesas, abdicar de alguns consumos e sacrificar uma parte do seu bem-estar. Reconhece as culpas que tem na situação? Não. Tenta arranjar bodes expiatórios, fazer o papel de vítima e arranjar quem lhe pague as facturas.
É esta incapacidade para reconhecer os erros cometidos no passado, que conduziram países da Zona Euro, entre os quais Portugal, aos actuais apertos financeiros. E que sustenta as teses de que os maus da fita são entidades como as agências de "rating". É fácil, é demagógico e só é pena que a táctica não resolva problema algum.
As agência de "rating" são flores que não exalam um aroma agradável. Têm, no currículo, erros crassos, quando deram como seguros produtos financeiros que não passavam de maçãs podres. Foram incompetentes, promíscuas com os clientes que lhes pagavam melhor e desmerecedoras da credibilidade que era suposto ser a alma do seu negócio. Mas também é verdade que não foram elas que tomaram as decisões irresponsáveis que mergulharam famílias, empresas e Estados na espiral de endividamento que agora impõe a cura que provoca recessões.
Numa entrevista ao jornal "Le Parisien", dois responsáveis da Standard & Poor's afirmaram que as empresas que se dedicam à avaliação e classificação do risco de crédito não são responsáveis pelo endividamento dos Estados. Neste ponto, têm toda a razão. E só o delírio de quem tem como único objectivo o de sacudir a água do seu capote político pode explicar a rejeição de uma verdade pouco conveniente para quem cultiva a mentira e o mito.
Quem demoniza as agências de "rating" e os "mercados" sem perceber que as desconfianças têm origem no excesso de dívidas e escassez de rendimentos para as suportar, tem problemas em encarar a realidade. É como o condutor apanhado em excesso de velocidade que se queixa do azar ou da falta de solidariedade da polícia.
Mais lidas