Angel Gurria 23 de Março de 2014 às 20:49

O imperativo das emissões zero

Se o mundo quiser evitar uma colisão com a natureza - em que a humanidade não poderá, seguramente, vencer -, então será preciso agir com coragem em todas as frentes, especialmente no que diz respeito à fixação de um preço para o carbono e à coerência das nossas políticas económicas e energéticas.

O nosso planeta está a aquecer perigosamente. E, tal como o relatório de 2013 do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas deixa muito claro, as nossas emissões de dióxido de carbono nos últimos 50 anos são, muito provavelmente, as responsáveis por isso. Se quisermos evitar uma catástrofe, é necessária uma abordagem mais robusta no que diz respeito ao aquecimento global. Ao contrário da recente crise financeira, não existe opção de resgate para o clima da Terra.

 

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Há três anos, na reunião sobre as alterações climáticas da 16ª Conferência das Partes das Nações Unidas (COP 16), em Cancún, os países comprometeram-se a reduzir as suas emissões, até 2020, até que as mesmas sejam reduzidas até um ponto em que evitem que a temperatura média global suba mais de 2ºC face aos níveis pré-industriais. No entanto, as estimativas da ONU mostram que as actuais tendências levarão a que o mundo só consiga percorrer 25% a 50% do caminho até essa meta.

 

É por isso que apelo a todos os governos para que sejam mais ambiciosos - que tenham como meta emissões líquidas zero a partir dos combustíveis fósseis na segunda metade deste século. Tudo o que seja menos que uma transformação total da economia da energia não será suficiente.

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Recentemente, a Comissão Europeia divulgou novas metas para a energia e o clima em 2030 - apelando a uma redução de 40% das emissões de gases com efeito de estufa na região, face aos níveis de 1990, e tendo como objectivo que 27% da energia provenha de fontes renováveis. Este é um passo extremamente importante e muitos países deveriam seguir o exemplo.

 

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Sem dúvida que nos depararemos com grandes obstáculos. Dois terços da geração de electricidade, e praticamente 95% da energia consumida pelos sistemas de transportes em todo o mundo, provêm dos combustíveis fósseis. A nossa segurança energética está cada vez mais ligada à exploração de depósitos não convencionais de combustíveis fósseis, como gás de xisto, especialmente nos Estados Unidos. Em muitos casos, as tecnologias com grande recurso a carbono continuam a ser mais rentáveis do que as alternativas de baixo carbono. E os governos com problemas de liquidez continuam a incentivar a exploração de petróleo e de gás, em parte porque as rendas que alguns destes países recebem representam grande parte das suas receitas.

 

No entanto, a mudança é possível. Existe uma enorme brecha entre o que os governos prometem fazer acerca das mudanças climáticas e as suas políticas frequentemente inconsistentes (senão mesmo incoerentes) face a esses objectivos. Mesmo quando parece que apoiam as tecnologias mais limpas, esses governos tendem a realizar mudanças repentinas de política, por vezes com efeitos retroactivos, deixando as empresas relutantes em comprometerem-se com investimentos significativos ou mesmo completamente renitentes em levar a sério as declarações oficiais.

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Acredito que poderemos concretizar progressos rápidos e substanciais se definirmos uma direcção clara no que toca a três aspectos:

 

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- Estabelecimento de um preço para o carbono. Ao fixar um preço para o carbono, podemos gerir o seu uso (ou não uso). Mais de 40 países já implementaram algum tipo de imposto sobre o carbono ou um regime de comércio de direitos de emissão. Os regimes de transacção de emissões são, por norma, politicamente mais atractivos, atendendo a que podem ser flexíveis (se bem que a sua concepção e implementação possa ser melhorada, em muitos casos). Mas podemos ser ainda mais arrojados. Vários governos introduziram, de forma bem-sucedida, impostos sobre o carbono, sem penalizarem o crescimento, e deveríamos incentivar mais países a seguirem esse exemplo.

 

- Redução dos subsídios aos combustíveis fósseis. A OCDE estima que os subsídios aos combustíveis fósseis nos países membros ascenderam a um valor entre 55 e 90 mil milhões de dólares, por ano, entre 2005 e 2011. E a Agência Internacional da Energia estima que, em 2012, os subsídios a nível mundial atribuídos aos combustíveis fósseis aumentaram para 544 mil milhões de dólares. A maioria destes subsídios devem ser eliminados; a indústria energética não precisa de mais ajudas estatais para queimar combustíveis fósseis (e, nas economias emergentes e em desenvolvimento, os subsídios são uma forma bastante ineficiente - e provavelmente desnecessária - de ajudar os pobres).

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- Clarificação de políticas. Os governos têm de resolver as inconsistências nas suas estratégias energéticas, devem considerar vínculos com políticas económicas mais amplas, e deixar de enviar sinais contraditórios aos consumidores, produtores e investidores. Muito em particular, devem avaliar até que ponto é que existem disposições regulatórias adequadas, de modo a permitir investimentos em energias limpas que possam competir numa base de risco-retorno. Isso será essencial se os investidores quiserem redireccionar o investimento para alternativas mais amigas do ambiente.

 

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A OCDE fará a sua parte. De modo a compreender e comparar de forma mais exacta os desempenhos de cada país, os inquéritos económicos da OCDE passarão a incluir dados e análises no que respeita às políticas climáticas. Em meados de 2015, esperamos ter uma visão mais clara dos progressos realizados e dos desafios que ainda se colocam nos países da OCDE e em todas as grandes economias emergentes - e esperamos também já ter dado aconselhamento a esses países quanto à forma como eles podem aumentar, de forma realista, o nível de ambição e a rentabilidade das suas políticas.

 

Estes passos indicarão que o preço das emissões deve subir significativamente se quisermos atingir o nosso objectivo de emissões líquidas zero. A transformação terá custos e os governos terão de ser francos com os seus eleitores acerca do seu impacto socioeconómico. Mas um mundo de baixas emissões de carbono, com um clima resiliente, também oferecerá novas oportunidades económicas.

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Mais importante ainda, a alternativa - inacção, ou pouca acção - sairá muito mais dispendiosa no longo prazo. O furacão Sandy, por exemplo, custou aos EUA o equivalente a 0,5% do seu PIB. É provável que a factura anual para a protecção contra inundações nas cidades costeiras de todo o mundo aumente para um montante superior a 50 mil milhões de dólares em 2050. As consequências para os países em desenvolvimento são ainda mais funestas: o tufão Haiyan, que assolou as Filipinas em 2013, foi um duro lembrete do quão vulneráveis podem ser os países pobres às mudanças climáticas.

 

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Se o mundo quiser evitar uma colisão com a natureza - em que a humanidade não poderá, seguramente, vencer -, então será preciso agir com coragem em todas as frentes, especialmente no que diz respeito à fixação de um preço para o carbono e à coerência das nossas políticas económicas e energéticas. E devemos fazê-lo já.

 

Angel Gurría é secretário-geral da OCDE.

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© Project Syndicate, 2014.

www.project-syndicate.org

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Tradução: Carla Pedro

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