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Michael Spence
08 de Agosto de 2013 às 23:30

O fim da exuberância da China

O crescimento da China sofreu uma desaceleração considerável desde 2010, algo que poderá acentuar-se ainda mais – inquietando os investidores e os mercados que estão além das fronteiras do país. Com muitos dos tradicionais motores da economia global encalhados – como os Estados Unidos – o desempenho da China tornou-se cada vez mais importante.

Contudo, as taxas de crescimento das exportações chinesas e os índices relacionados com a manufacturação caíram, devido, principalmente, a uma fraca procura externa, particularmente na Europa. Para além disso, as autoridades chinesas estão a desacelerar gradualmente o outro motor de crescimento do país, o investimento público, numa altura em que os projectos de baixo retorno parecem estar a gerar uma procura agregada, mas que passado pouco tempo se mostram insustentáveis.

O Governo está a utilizar diversos instrumentos, incluindo uma disciplina de crédito no sector orçamental, para controlar a procura de investimentos. Basicamente, está a ser retirada a garantia do Governo associada ao financiamento do investimento público – tal como deve ser feito.

Não obstante, para evitar as restrições do sistema financeiro dominado pelo Estado, desenvolveu-se um sistema bancário paralelo, que criou novos riscos: distorções económicas; dependência de uma excessiva alavancagem para impulsionar o crescimento dos sectores de consumo, do imobiliário, corporativos e públicos; e perigos que estão relacionados com uma inadequada regulação. Como resultado, os investidores preocupam-se que a China caia num modelo de crescimento baseado numa alavancagem excessiva que já prejudicou muitas economias desenvolvidas.

Falou-se muito do consumo interno como o motor de crescimento chinês no futuro. Contudo, Justin Lin, antigo economista chefe do Banco Mundial, argumentou que o investimento é e deverá continuar a ser um motor essencial do crescimento e que o consumo interno no padrão de crescimento da China não deve ser pressionado além dos seus limites naturais, de modo a poder converter-se num modelo de alavancagem baseado na crescente dívida dos consumidores.

Isso parece acertado. O risco é que a advertência de Lin seja interpretada como argumento para conservar um modelo impulsionado pelo investimento, o que significaria mais projectos públicos de baixos rendimentos e excesso de capacidade em certas indústrias. A meta adequada para gerar crescimento é a procura agregada baseada numa combinação equilibrada de consumo e investimento de altos rendimentos.

Os analistas e os investidores têm pelo menos duas preocupações relacionadas com isto. Uma é que, perante o desaceleramento do crescimento, as pessoas encarregues de desenhar as políticas recorram a um excesso de investimentos ou de alavancagens, o que geraria instabilidade. A outra é que não recorram a nada e que não se ponham em marcha motores de crescimento alternativos, o que provocaria uma desaceleração prolongada com consequências políticas imprevisíveis no país e no exterior.

Em suma, muitos investidores estão nervosos porque o futuro caminho do crescimento na China não é claro. É certamente menos claro que o caminho anterior, ao qual já não se pode recorrer.

Na realidade, não há forma de aliviar rapidamente estas preocupações. Só o tempo, a aplicação das reformas políticas e sistémicas que serão conhecidas no Outono e o desempenho económico real decidirão a questão num ou noutro sentido.

A mudança do padrão de crescimento, caso tenha êxito, será levado a cabo durante vários anos. Então, há que estar atento aos movimentos na direcção certa, que são bastante claros.

Um é a mudança da vantagem comparativa. O aumento da receita exige aumentos na produtividade. Isso significa incrementar a intensidade de capital e de capital humano no sectores comerciais e não comerciais da economia.

Do lado comercializável, devem procurar-se mudanças estruturais e uma reorientação da produção para componentes de alto valor adquirido na cadeia global de consumo. Aqui, a inovação e as condições que a apoiam – incluindo a competência e a livre entrada e saída do mercado – desempenham um papel importante. Se os legisladores escolherem um modelo baseado num amplo domínio estatal protegido da concorrência interna e externa é pouco provável que se alcancem os objectivos da inovação, o que afectaria negativamente o crescimento futuro.

Entretanto, o sector comercializável deve crescer. À medida que a China enriquece, a sua classe média não irá só comprar bens como carros, produtos informáticos e electrodomésticos; comprarão casas e toda uma série de serviços não comercializáveis também. Uma resposta eficiente do lado da oferta a esta grande e crescente fonte de procura requer reformas reguladoras em muitos serviços, incluindo as finanças, a segurança dos produtos, os transportes e a logística.

Não obstante, os agregados familiares ainda controlam muito poucas receitas e economizam a taxas muito elevadas. O controlo da receita mediante a sobreposição dos sectores corporativo e público torna mais fácil pressionar o investimento liderado por um modelo de crescimento até a um ponto de rendimentos baixos ou negativos. Assim, todo o sistema orçamental é um ponto crucial da agenda de reformas da China, especialmente a administração do capital público.

A reforma orçamental determinará muitas coisas: os componentes da receita e da procura interna que impulsionarão a mudança estrutural do lado da procura, a alocação da receita e o gasto nos distintos níveis do Governo, e os incentivos integrados que essa alocação supõe. Fora da China, esta parte da agenda de reformas é a que menos se entende.

Para além disso, é necessário reforçar os serviços e a segurança social a fim de reverter o padrão de desigualdade crescente. Um crescimento mais inclusivo depende do completar do processo de urbanização que aponta à criação de uma economia moderna; de que se ataque a corrupção e o acesso desigual às oportunidades de mercado; e que se mitiguem activamente os graves e conhecidos problemas ambientais.

Parece-me que, tendo em conta que há elementos importantes da economia global e da procura externa que enfrentam grandes dificuldades, e que a China aceitou uma desaceleração do crescimento enquanto os seus novos motores começam a funcionar, é um bom sinal. Indica que os legisladores do desenho político estão a fazer planos para um desenvolvimento sustentável de longo prazo e que desconfiam cada vez mais das políticas que, utilizadas de maneira persistente, conduzem a um modelo de desenvolvimento defeituoso e insustentável.

Ver que há avanços nestes elementos fundamentais de mudança estrutural parece ser o correcto. Ainda que os mercados se mostrem confusos ou pessimistas com a agenda da China, se a direcção da mudança e as reformas estruturais forem positivas, pode haver uma oportunidade de investimento que não existia no passado recente, mais exuberante.

Michael Spence, Nobel da Economia, é professor de Economia na Stern School of Business, da Universidade de Nova Iorque, e conselheiro no Instituto Hoover.

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2013.

www.project-syndicate.org

Tradução: Jorge Garcia

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