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Rita Rato: No PCP, não usamos a palavra geringonça

Nasceu no Alentejo em 1983 e juntou-se ao PCP “pela cabeça, pelo estômago e pelo coração”. Deputada desde 2009, diz que a União Europeia não se conforma com um país que quer fazer um caminho alternativo.

Miguel Baltazar
05 de Maio de 2017 às 09:53

A União Europeia não se conforma com um país que quer fazer um caminho alternativo. Nasceu nove anos depois do 25 de Abril no Alentejo e faz parte da primeira geração da sua família a estudar no ensino superior. Entrou no PCP "pela cabeça, pelo estômago e pelo coração" e é deputada desde 2009. Para Rita Rato, "não é possível aspirarmos a um país mais justo sem lutarmos por ele todos os dias". No partido, garante, ninguém usa a palavra geringonça, mas a solução que viabilizou o actual Governo socialista é "uma oportunidade histórica que não se pode desperdiçar". 

Quarenta e três anos depois do 25 de Abril, Portugal continua a ser um país de grandes disparidades? A evolução podia ter sido maior? 

Podia e devia ter sido muito mais justa a distribuição da riqueza e podia, devia e deve continuar a ser um objectivo de todos os dias. Os níveis da distribuição da riqueza são muito desiguais. Nos últimos anos, os níveis de pobreza atingiram valores nunca antes vividos desde o fascismo. O 25 de Abril trouxe avanços, mas nos últimos anos houve retrocessos muito significativos. Não é possível combater a pobreza sem distribuir melhor a riqueza. E há medidas incontornáveis em relação aos salários e às pensões. Temos causas estruturais da pobreza que têm uma ligação directa a um modelo económico assente em baixos salários e no trabalho precário. Um terço das pessoas em situação de pobreza trabalha, mas aquilo que aufere pela prestação do seu trabalho não lhes permite viver em condições de dignidade.

 

O PCP entendeu em 2015 viabilizar esta solução de Governo, mas hoje está a aumentar a pressão sobre o Executivo, em matérias como o salário mínimo ou na questão dos escalões de IRS?

Não integrámos uma solução de Governo, viabilizámos uma situação que, tendo em conta a alteração da correlação de forças na Assembleia da República, nos permite travar o empobrecimento e reconstruir um caminho de recuperação de rendimentos. Mas fica muito aquém daquilo que é necessário, relativamente às questões do salário mínimo e até em matérias laborais no âmbito da administração pública ou de apoios sociais. Desde a primeira hora que o PCP valorizava como positivas as reposições, mas não deixava de afirmar que há matérias em que é imperioso ir muito mais longe.

 

Por isso está a aumentar a pressão?

Essa foi uma pressão que sempre existiu. Não sinto que a pressão seja maior hoje do que era em Outubro de 2015, após as eleições. As pessoas que perderam tanto da sua dignidade têm legitimidade para exigir a reposição e a conquista de mais dignidade. Se é verdade que com o Orçamento do Estado (OE) para 2016 houve medidas muito importantes, o OE para 2017 confirmou outras medidas, mas as pessoas querem mais. Então, se temos hoje uma oportunidade histórica para inverter de forma efectiva este caminho, não podemos desperdiçá-la. O nível de pressão e do compromisso do PCP não varia de acordo com o calendário. É uma questão de clarificação: ou o objectivo é cumprir as imposições da União Europeia (UE) ou é recuperar direitos e rendimentos e a dignidade na vida das pessoas.

 

Se o PCP for o partido mais votado, cá estaremos para assumir essa responsabilidade.

Não é possível conjugar as duas coisas?

É impossível conjugar. A UE impõe constrangimentos e bloqueios ao desenvolvimento do país que decorrem do Tratado Orçamental, da governação económica e até da própria União Económica e Monetária, que são contrários e impedem um desenvolvimento soberano e de progresso do país. Mais do que haver maior ou menor pressão, é importante não desperdiçar nenhuma oportunidade para recuperar direitos. É cada vez mais evidente que a UE não se conforma com um país que quer fazer um caminho alternativo aos constrangimentos que nos impõem a partir de uma visão de potências hegemónicas.

 

Daí o projecto de resolução sobre a saída do euro...

Sobre a preparação para uma eventual saída do euro, seja por opção do povo português, seja por imposição de outros, quer sobre os próprios constrangimentos que a União Económica e Monetária nos coloca. Hoje é uma saia cada vez mais justa para o Governo querer assumir uma perspectiva de desenvolvimento do país e, ao mesmo tempo, aceitar unilateralmente aquilo que a UE impõe como restrição ao desenvolvimento. Não havendo renegociação da dívida, é dinheiro que falta para a contratação de médicos, de enfermeiros, de funcionários e para o funcionamento dos serviços públicos.

 

Porque é que o PCP entendeu não estar no Governo? Devia fazer parte do Executivo?

Nós afirmámos que havia condições de formar um Governo, não apenas com o PS mas também com independentes e outros que quisessem estar num Executivo que tivesse como princípio o cumprimento da Constituição. Isso exigia um nível de convergência de posições com o PS que não foi possível assumir.

 

Pela questão europeia?

Teve que ver sobretudo com uma perspectiva de desenvolvimento que se quer para o país e com o que é preciso fazer para lá chegar.

 

Esse Governo com elementos do PCP e independentes devia ter acontecido?

Se tivesse existido disponibilidade para isso, teria significado que existia abertura por parte do PS para confrontar obstáculos que hoje não confronta e que impedem matérias tão determinantes como as questões da renegociação da dívida, o controlo público da banca, as privatizações e a recuperação de sectores estratégicos para o país, não apenas na área da energia e das telecomunicações. Seria necessário que o país tivesse instrumentos de desenvolvimento que o PS não questiona da mesma forma que o PCP. Como não questiona, não havia uma base de convergência que permitisse a constituição de um Governo com este objectivo. A opção do PS foi manter as divergências que tem relativamente a matérias importantes em relação ao PCP e, com isso, trabalhar em soluções que constituíssem uma hipótese de recuperar rendimentos e direitos.

 

O PCP entende-se melhor com o PS do que com o Bloco de Esquerda (BE)?

A nossa posição conjunta é com o PS. O Governo é de iniciativa do PS, logo a relação que o PCP decidiu assumir é com o PS. Não significa que o PCP e o BE não convirjam sobre muitas matérias. Ficámos contentes por, relativamente à renegociação da dívida, que o PCP anda a defender desde o dia 4 de Abril de 2011, outros se quererem associar a essa posição.

 

António Costa foi sincero quando disse pretender manter os acordos com os partidos à esquerda, mesmo que o PS ganhe com maioria absoluta?

Rita Rato: No PCP, não usamos a palavra geringonça Miguel Baltazar

Da parte do PCP, teremos sempre toda a disponibilidade para tudo o que são matérias que se traduzam em reforço dos direitos dos trabalhadores e em desenvolvimento do país. Mais do que qualquer promessa ou desejo do primeiro-ministro, temos a profunda convicção de que só com o reforço do PCP eleitoralmente será possível ir mais longe em medidas que são determinantes e que hoje o PS não acompanha.

 

Acredita que isso acontecerá?

Acho que essas declarações terão sido feitas de boa-fé. Não tenho razão para duvidar disso. Independentemente do cenário que possa ser conjecturado, o PCP nunca faltou à chamada na Assembleia da República em qualquer medida que representasse um elemento positivo e reforço dos direitos dos trabalhadores. Da minha experiência, a existência de maiorias absolutas significou sempre uma desvalorização do trabalho parlamentar. As maiorias relativas obrigam a um trabalho parlamentar muito centrado na construção de soluções. É completamente diferente um contexto de maioria absoluta em que o Parlamento, na prática, é apenas uma chancela para medidas que vêm do Governo.

 

Há a ideia de que o PCP não quer ser Governo, que prefere ter um papel na oposição. O PCP estaria disponível para ser Governo? Jerónimo de Sousa seria um bom primeiro-ministro?

Claro que sim, não tenho dúvidas. O PCP sempre disse estar disponível para assumir todas as responsabilidades que o povo português quiser colocar-lhe. Se a base de apoio eleitoral fizer do PCP o partido mais votado, estaremos prontos para assumir essa responsabilidade com propostas e com um projecto político para o país. Nunca nos colocamos de fora de uma solução desse tipo.

 

Com a consciência das limitações financeiras do país?

Claro, e disponíveis para discutir e questionar essas limitações e apresentar alternativas. Não é possível separar a renegociação da dívida e as questões do euro do controlo público da banca e de sectores estratégicos.

 

O PCP fundamenta-se nos seus militantes e não em senadores, líderes destacados ou estrelas da companhia.

Isso levar-nos-ia a um país como no pós­-1974, com as nacionalizações?

Claro que não. Mas ainda está por fazer o debate sobre qual foi a vantagem da privatização de empresas estratégicas como a EDP, no que é que isso se traduziu em melhorias para o país. Significou o aumento dos custos para os consumidores e a alienação da capacidade de intervenção do Estado num sector que é estratégico para micro, pequenas e médias empresas e para as famílias. Acho que se devia discutir a reversão de privatizações que foram desastrosas para o país.

 

Isso levaria a uma nova era de nacionalizações?

Há muitos países na União Europeia que mantêm o controlo público de sectores estratégicos. Isso é determinante para o desenvolvimento. Não é um retrocesso. Pelo contrário.

 

O que pensa da palavra geringonça?

A palavra geringonça foi utilizada para generalizar a não aceitação desta solução de Governo e da alteração da correlação de forças. Foi um legado do Dr. Paulo Portas, um ex-vice-primeiro-ministro irrevogável que não se conformou com o facto de o seu Governo e a política que impôs ao país terem sido derrotados. A utilização e a disseminação da palavra para caracterizar uma solução política nova radicava numa visão de descrédito desta solução que, felizmente, os trabalhadores e o povo não sentem como negativa. Podem sentir que é limitada no seu âmbito e na sua capacidade de actuação. A palavra em si pode traduzir a ideia de que o trabalho parlamentar e a capacidade de discussão e negociação de propostas, por si só, não oferece estabilidade. Isso é discutível. De facto, há disponibilidade do Parlamento e dos partidos para discutir matérias, em contradição com a ideia de que tudo o que não seja a partir de uma maioria absoluta não é estável.

 

No fim deste ano e meio, a solução de Governo funciona?

Sim, e permitiu recuperar direitos e rendimentos que aqueles que inventaram essa palavra não queriam que alguma vez se questionasse.

 

Há uma palavra melhor para esta solução?

É uma posição conjunta. O nome que damos às coisas tem uma importância significativa, mas acho que a grande validade desta situação, muito para lá do nome, foi a possibilidade que abriu de recuperação de direitos e rendimentos e a travagem de um caminho de empobrecimento e de retrocesso. A partir daí, tenha o povo português condições e força para levar mais longe as medidas que estão a ser discutidas.

 

O PCP não usa a palavra geringonça?

Não, não usamos. E entendemos que é uma palavra caricatural de uma situação em que não nos revemos de todo. A palavra significa que aqueles que foram derrotados não se conformam com uma solução alternativa ao empobrecimento e ao retrocesso.

 

O que é hoje ser jovem, mulher e comunista?

Hoje, ser jovem, ser mulher e ser comunista é ter a convicção de que o capitalismo não é o fim da História, que todas as pessoas, independentemente da sua condição económica e social, têm direito à sua dignidade na vida e que o país precisa de progresso e de justiça social como de pão para a boca. É ser uma grande optimista quanto ao futuro e não aceitar inevitabilidades.

 

Rita Rato: No PCP, não usamos a palavra geringonça Miguel Baltazar

Quando e como aderiu ao PCP?

Uma vez, um camarada meu disse que as pessoas vêm ao partido por diversas formas, podem vir pela cabeça, pelo estômago e pelo coração. Eu acho que vim pelas três coisas. Vim pela cabeça porque me identificava com as posições, pelo prestígio que o PCP tem no Alentejo – eu sou alentejana – e pelo contributo na defesa das conquistas de Abril. Mas também pela constatação, enquanto estudante do ensino superior, de que o direito à educação ainda é um privilégio e não um direito para todos e, por essa via, não diria da barriga directamente, mas da consciência de que um direito que devia ser assegurado a todos os estudantes ainda é hoje negado a muitos jovens no país. Também pelo coração porque há uma ligação emocional a um partido, a um estilo de trabalho e a uma forma de organização com a qual me identifico.

 

Não havia uma ligação familiar anterior?

Havia ligações. O meu avô foi do PCP ainda no tempo da clandestinidade, mas morreu quando eu tinha nove anos. Não tem que ver estritamente com relações familiares, mas com um património de identificação dos ideais de liberdade e democracia. Não é possível aspirarmos a uma sociedade melhor, a um país mais justo, sem lutarmos por ele todos os dias.

 

Este ano, voltei a jogar futsal. Há 10 anos que não jogava. O meu filho está maior e isso já me permite ter outro tipo de tempo livre. 

Foi uma decisão de adolescência, do início da idade adulta?

Foi quando entrei no ensino superior. Tinha perfeita consciência de que estudar no ensino superior iria significar um sacrifício financeiro muito grande para a minha família. Fiz parte da primeira geração da minha família a estudar no ensino superior. O meu pai alertava-me sempre para aquilo que significava ser uma estudante deslocada, que tinha despesas além das propinas, com habitação, transportes, alimentação. Eu tinha consciência do esforço que era para a minha família poder estudar no ensino superior e também tinha consciência de que havia colegas que, apesar de terem boas notas para aceder ao ensino superior, não tinham condições para isso. Achava isso injusto. Fui ganhando consciência social e política na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Nova. Se eu achava que era injusto, tinha de fazer alguma coisa para mudar isso e encontrei esse espaço na Juventude Comunista.

 

Houve alguém que tenha sido uma referência na tomada dessa decisão?

Vamos construindo a nossa consciência com o nosso crescimento e experiência de vida. Eu gostei sempre de participar na vida da escola, jogava na equipa de futsal, fui delegada de turma, participei no conselho pedagógico, e isso ajuda a reflectir sobre assuntos importantes no nosso desenvolvimento enquanto pessoas. É sobretudo uma consciência, que me foi passada muito pela minha avó, das dificuldades da vida e dos sacrifícios que, passados uns anos do 25 de Abril, é preciso fazer por direitos que estão consagrados na Constituição, mas que continuam a ser negados. Estão na lei, mas são negados na vida.

 

Alguma vez questiona uma posição do PCP?

Claro que sim, isso é normal no partido. Discutimos todas as matérias sobre as quais somos chamados a pronunciar-nos. Quando construímos processos de discussão, alicerçados numa franqueza interna, na ideia de que as posições que assumimos são estruturadas e reflectidas colectivamente, então o essencial dessa discussão é feito em primeiro lugar no meu partido. Sempre encontrei no PCP o espaço total para colocar a minha opinião, seja qual for a matéria.

 

Rita Rato: No PCP, não usamos a palavra geringonça Miguel Baltazar

Há posições do PCP das quais discorda?

Há posições do PCP em que, entendendo que devo colocar a minha opinião, coloco, em que uso argumentos e exponho a minha perspectiva sobre as matérias, com esta ideia de que não sou a dona da verdade e que, se outros camaradas me alertam para outro tipo de argumentos, também não me acho mais inteligente do que ninguém, independentemente de haver matérias sobre as quais posso discordar. Isso faz parte da vida do meu partido: há decisões que são processos e não são actos fechados.

 

É possível estar contra um voto de condenação ao ataque com armas químicas na Síria? Ou contra o voto de preocupação pelo agravamento da situação na Venezuela?

O que não falta no dia-a-dia são argumentos anticomunistas de querer colar epítetos ao PCP, por parte de quem tem como único objectivo não aceitar a forma como o PCP se organiza. Há quem não aceite que o PCP se organize como partido de uma forma diferente dos outros. É fácil usar argumentos simplistas anticomunistas sem perceber o que está na raiz das nossas posições. Também nos cabe a nós desmontar esses argumentos, e acho que o temos feito bem. Isso também é uma tarefa inacabada. A questão da Síria e da Venezuela é um exemplo cabal disso: não podemos estar de acordo que haja ingerências num Estado soberano porque há vontade de dominação dos recursos estratégicos desse país. No Iraque, na Síria, na Venezuela, isso é muito evidente. Reconhecendo que há posições que não podem ser assumidas de uma forma tão simplista como são os preconceitos anticomunistas, entendemos que a História tem vindo a provar a justeza das posições do PCP. Na base de preconceitos anticomunistas, o respeito pela soberania dos Estados é algo que entendem como ultrapassado. Também há quem entenda que a soberania dos Estados se deve subordinar à soberania do capital.

 

Essa forma como o PCP se organiza internamente não pode vir a mudar?

Claro, basta os militantes entenderem essa necessidade. Um partido que teve de se organizar de acordo com as regras da clandestinidade não é o mesmo partido que se organiza com a democracia. A mudança é um processo natural. Em qualquer momento na vida do partido, os seus militantes, as suas vivências e experiências condicionam a nossa análise, a nossa forma de organização, e isso também é a nossa grande riqueza. A diferença é que este partido fundamenta-se nos seus militantes e no seu colectivo partidário, e não em senadores, líderes destacados ou estrelas da companhia.

 

O rejuvenescimento que tem havido no PCP é uma resposta aos que dizem que o partido não evoluiu?

Há preconceitos anticomunistas que vão existir sempre. Não me tira o sono haver preconceitos anticomunistas. Tira-me o sono perceber, às vezes, as exigências que são colocadas a este partido. Todos os dias confirmamos que as potencialidades de recrutamento do PCP, de alargamento da nossa influência, de aprofundamento da nossa discussão, é muito superior a qualquer vontade anticomunista.

 

Não receia um dia desencantar-se?

Somos seres humanos… Há duas frases do Álvaro [Cunhal] de que me lembro muitas vezes. Uma diz que a nossa força de viver e de lutar vem da profunda convicção de que a causa pela qual lutamos é justa, empolgante e invencível. Tenho a profunda convicção de que a causa pela qual lutamos, que é o socialismo e o comunismo, será alcançada, mas provavelmente estarei a dar um contributo singelo nesse caminho. É uma caminhada muito longa e, se calhar, nunca assistirei a tudo, mas terei dado o meu contributo num determinado momento histórico. Não há nada mais empolgante do que o amor por uma luta que é acabar com a exploração do homem pelo homem, e essa é uma causa invencível. Por mais dificuldades que se coloquem, haverá causa mais justa do que defender a dignidade de cada um dos seres humanos? Haverá causa mais justa do que defender que cada um tem direito à dignidade e à felicidade? Acho que não há.

 

A idade não pode pôr em causa a ideologia?

No meu caso, espero que a idade só confirme mais convicção nestes princípios. Não faz sentido continuarmos a discutir um país onde um terço dos pobres são pessoas que trabalham todos os dias. As pessoas têm direito à dignidade e isso só será possível numa sociedade com outras características, sem classes. Se eu viverei esse momento histórico, provavelmente não viverei, mas vou reconfortada com o facto de ter contribuído de alguma forma.

 

Qual foi a outra frase de que se lembrou?

Que ninguém tenha vergonha de ser feliz, porque a felicidade é um dos objectivos da luta dos comunistas. É possível travar esta luta com um profundo sentido de felicidade e de convicção, é um caminho que ficamos felizes por fazer, e não um caminho apenas de sacrifício. É um caminho difícil, mas é um caminho que nos anima.

 

Que expectativa tem para as autárquicas?

As autárquicas vão ser uma batalha muito importante, ainda mais porque estas eleições serão travadas num quadro em que está em discussão uma proposta de transferência de competências para as autarquias. Por isso, também avançamos com uma proposta de contactos com as outras bancadas parlamentares para perceber da disponibilidade dos outros partidos para iniciar um processo sobre um possível referendo à regionalização. Estar a discutir estas questões sem discutir a regionalização é como estar a começar a construir uma casa pelo telhado.

 

Não me tira o sono haver preconceitos anticomunistas.

Porque é que, desde Jorge Sampaio, o PCP afasta qualquer possibilidade de coligação pré-eleitoral com o PS na Câmara de Lisboa?

Em Lisboa, da avaliação que faço, do que vou acompanhando da vida da cidade, a CDU foi determinante, com os dois vereadores eleitos, na fiscalização do trabalho da Câmara relativamente a problemas muito sérios com que a cidade está confrontada em relação à habitação, aos custos do arrendamento urbano. Lisboa está com processos de gentrificação e turistificação que colocam em causa direitos fundamentais em bairros históricos e não só, porque é um fenómeno que alastra. Há opções tomadas pela autarquia em que não nos revemos. Portanto, foi um caminho que teve um momento histórico, em que a CDU esteve na Câmara com o PS, mas por diversas opções políticas temos projectos muito diferentes para a cidade. Na altura, havia uma convergência sobre matérias que hoje estão longe de acontecer. A habitação, então, é um exemplo paradigmático.

 

Ser deputada é uma profissão?

Não, de todo. Ser deputado é exercer um cargo público durante um período.

 

O partido interfere na sua vida pessoal?

Nada, a vida pessoal de cada um é a vida pessoal de cada um. Nunca ninguém interfere a esse nível. O partido percebe que a riqueza do partido é a individualidade de cada um dos militantes. Não é uma soma automática das partes, mas a riqueza e as características de cada um. A única parte em que interfere é que eu, como qualquer mulher que trabalhe, tenho de articular a minha vida no trabalho que faço na Assembleia da República com a minha vida pessoal e familiar.

 

Tem tempo para ter "hobbies"?

Temos de nos organizar para isso. Faz-nos falta. Para mim, é importante encontrar espaço para isso. Com um filho é mais difícil, há pouco apoio familiar porque a minha família não vive em Lisboa, mas a criatividade também tem de nos obrigar a encontrar soluções para isso.

 

Como por exemplo?

Este ano, voltei a jogar futsal. Há 10 anos que não jogava. O meu filho está maior e isso já me permite, ainda que com limitações, ter outro tipo de tempo livre. O problema é quando os jogos dele coincidem com os meus...

 

O sucessor de Jerónimo de Sousa devia ser alguém muito mais novo?

Hoje vivemos um tempo perverso em que parece que alguém só por ser jovem já é suficientemente bom. Tendemos a desvalorizar a experiência e a memória histórica das pessoas. A idade também não é um critério da qualidade do trabalho. Tenho a profunda confiança no partido de que o sucessor de Jerónimo de Sousa será alguém que terá todas as condições para desempenhar o cargo.

 

Pode ser uma mulher?

Se o PCP o decidir, acho que sim.

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