pixel

Negócios: Cotações, Mercados, Economia, Empresas

Notícias em Destaque

O lado negro do poder na América Latina

Mario Vargas Llosa, um dos grandes escritores latino-americanos, descreve neste livro o tenebroso mundo do poder de certos ditadores, no caso o de Trujillo na República Dominicana. Perturbador.

16 de Julho de 2016 às 12:30
O lado negro do poder na América Latina

Se nos últimos tempos Vargas Llosa tem focado o seu interesse no mundo da sociedade do espectáculo, o olhar que devota à magia irreal da América Latina continua a ser certeiro. "A Festa do Chibo", obra de 2000, é um dos bons exemplos da envolvência da sua escrita aliada à análise quase clínica das perversidades das ditaduras que têm pululado como cogumelos pela zona.

Aqui, o aparente centro da novela é o ditador dominicano general Trujillo, o chefe, conhecido também por "o chibo", e os que estão no seu núcleo duro, como a "excelsa matrona", sua mãe. Mas Llosa prefere focar o seu interesse numa daquelas figuras que gravitam no território do poder, como Joaquín Balaguer, que gravitou cerca de 30 anos à volta de Trujillo. O que une tudo é o regresso de Urania, que foi muito jovem para os Estados Unidos, para visitar o pai, doente, que caiu em desgraça nos últimos anos do consulado de Trujillo. Este, claro, está presente, com o seu forte carácter, cruel e com total ausência de escrúpulos (ele que foi um servente dos EUA e que, depois, é perseguido por Washington). E há o eterno indeciso general José René Román, que acabará por estar na origem de um golpe de Estado desastrado, a que se segue uma repressão diabólica conduzida pelo filho de Trujillo, um desajustado mental.

Na parte final do livro, Vargas Llosa consegue cruzar aquilo que tem uma dimensão notável: a capacidade de resistência das pessoas anónimas face à podridão existencial daqueles que evoluíram no sistema. Balaguer, por exemplo, é um político inteligente (e Trujillo sabe que ele é o lado positivo do regime), que consegue manter-se como elemento secundário dentro da escala de valores da corte do chefe, e acaba por poder vir a ser o homem providencial para todas as facções dominicanas.

Balaguer é um político paciente, que ama o poder. É amoral. Por outro lado, Llosa consegue também apresentar, na sua totalidade, o fim de um regime, das grandes famílias do regime. Embora, na sombra, algum do seu poder se mantenha sempre. Esta "festa" do Chibo é uma das maiores formas de conseguirmos perceber a real dimensão do poder autocrático, levado à sua radicalidade extrema, como se viu em muitos países do Sul do continente americano. A agonia de um regime e também de muitos dos seus mais directos responsáveis cruza-se aqui com o sofrimento nascido da repressão cruel de todos os que não pensavam ou se opunham a Trujillo.

É um livro de uma contundência extrema e que está entre os melhores que Vargas Llosa escreveu ao longo da sua já longa carreira. Se seguirmos os primeiros passos de Urania, no seu regresso à República Dominicana, entendemos melhor como um mundo (de cores e aromas) que unificava as memórias, se dividiu em dois.

País governado por um general (e pela sua família), ele é um exemplo de muito do que foi o poder totalitário que aportou a uma zona mágica, e que serviu de inspiração para muitos dos grandes escritores latino-americanos. Nesse aspecto, Vargas Llosa consegue, talvez mais do que outros, ilustrar o lado negro do poder exercido por homens que apenas pensavam na conservação do poder.

O lado negro do poder na América Latina
Ver comentários
Publicidade
C•Studio