Amigo e ex-colaborador diz que livro de Sócrates fazia parte de estratégia para Belém
André Figueiredo, amigo e ex-colaborador de José Sócrates, testemunhou esta quarta-feira que a promoção do livro do ex-primeiro ministro em 2013, fazia parte de uma estratégia de comunicação com vista à candidatura à Presidência da República.
Ouvido no âmbito do julgamento do processo Operação Marquês, André Figueiredo, explicou ao tribunal que conheceu o ex-primeiro-ministro no PS, onde foi dirigente durante a liderança de José Sócrates, com quem manteve relações, pessoais e profissionais, depois de sair de São Bento.
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Em 2013 esteve envolvido na promoção do livro "A Confiança no Mundo", descrevendo-se como "responsável máximo" da organização dos vários eventos de apresentação, e assumiu que o lançamento da obra era parte de uma estratégia de comunicação com vista à apresentação de uma candidatura de José Sócrates à Presidência da República.
Numa das muitas escutas telefónicas passadas durante o julgamento, José Sócrates pergunta ao amigo "Aquela operação já está em marcha?".
A "operação", esclareceu André Figueiredo, não se referia a uma eventual estratégia para comprar milhares de exemplares - que o ex-colaborador disse, aliás, desconhecer até ser inquirido pelo Ministério Público -, mas com contactos com dirigentes do PS para "montar a máquina" para a recolha de proposituras no âmbito dessa candidatura.
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O lançamento do livro, a par do programa que tinha à data na RTP, servia como uma espécie de rampa de lançamento para esse objetivo e, por isso, a preocupação de André Figueiredo era em garantir que as sessões de apresentação seriam um sucesso.
"As falhas de mobilização e divulgação de eventos onde José Sócrates estivesse como figura principal seriam catastróficos para o início do que quer que seja", sublinhou, referindo também um cartão de boas festas enviado naquele ano, por e-mail, para cerca de 50 mil contactos, alguns dos quais fornecidos por Carlos Santos Silva, justificando dessa forma um encontro que estava agendado, mas não chegou a realizar-se, com o empresário, com quem André Figueiredo disse ter estado pontualmente, mas sobre quem pouco conhecia.
Confrontado com diversas escutas de conversas telefónicas com José Sócrates, André Figueiredo foi obrigado a descodificar vários termos utilizados pelo ex-primeiro-ministro - como quando Sócrates diz que "aquilo é para entupir" referindo-se, alegadamente, às inscrições para as sessões do livro, ou "à letra F", referindo-se a Fernanda Câncio - levando as juízas a questionar o teor enigmático das conversas.
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"Acho que sempre tivemos muito receio. Já no tempo do Governo não tínhamos conversas sobre estratégia política muito abertas ao telefone. Fomos muitas vezes avisados - e não estamos a falar da Justiça - de que havia sempre muito interesse em poder haver interceções no núcleo duro do PS e de São Bento. A questão da Presidência ainda mais", explicou.
André Figueiredo foi ainda questionado pelos procuradores sobre a intervenção de outros autores na elaboração do livro e admitiu que José Sócrates partilhava os capítulos para recolher contributos, tendo o ex-colaborador chegado a levar manuscritos a colegas deputados socialistas na Assembleia da República e outras personalidades, incluindo Santos Silva.
Sobre o seu papel na compra de exemplares, André Figueiredo confirmou que terá comprado dezenas de livros, mas sempre no âmbito das sessões de apresentação e a pedido de algumas pessoas que lhe pediam exemplares autografados, insistindo que desconhecia a preocupação de Sócrates com as vendas.
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Para a testemunha, para efeitos de promoção da imagem de José Sócrates, era mais importante o sucesso das sessões de apresentação do que os números das vendas.
A propósito da jornalista Fernanda Câncio, com quem José Sócrates manteve uma relação próxima ao longo de alguns anos, a menção "à F" foi feita numa conversa telefónica, reproduzida durante a sessão, em que, segundo André Figueiredo, o antigo primeiro-ministro pedia urgência no envio de convites para a lista de contactos fornecida por Câncio.
Esta versão foi, horas mais tarde, desmentida pela jornalista que, ouvida pelo tribunal durante a tarde, garantiu nunca ter tido qualquer envolvimento na promoção do livro nem na angariação de comentários.
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Em resposta ao coletivo de juízes e aos procuradores do Ministério Público, Fernanda Câncio evitou classificar a natureza da sua relação com José Sócrates, afirmando apenas que eram próximos, mas nunca partilharam casa nem "economia comum".
Às várias questões sobre férias em que estiveram juntos, muitas vezes acompanhados de Santos Silva e da mulher, a jornalista confirmou os destinos e explicou que, tendo sido convidada pelo ex-primeiro-ministro, assumiu que teriam sido pagas pelo próprio.
Quanto a outros pormenores, disse não recordar-se, como a periodicidade com que estavam juntos, justificando que passaram mais de 10 anos, mas manifestou-se surpreendida quando, em 2014, foi noticiado que o apartamento em que Sócrates vivia em Paris era propriedade de Santos Silva.
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"Suponho que há uma escuta(...). Eu liguei a José Sócrates, perguntei exatamente sobre isso e exprimi a minha surpresa", disse a jornalista.
No processo Operação Marquês, José Sócrates, de 67 anos, está pronunciado (acusado após instrução) de 22 crimes, incluindo três de corrupção, por ter, alegadamente, recebido dinheiro para beneficiar em dossiês distintos o grupo Lena, o Grupo Espírito Santo (GES) e o 'resort' algarvio de Vale do Lobo.
No total, o processo conta com 21 arguidos, que têm, em geral, negado a prática dos 117 crimes económico-financeiros que lhe são imputados.
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O julgamento decorre desde 03 de julho no Tribunal Central Criminal de Lisboa.
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