Difamação contra o Presidente da República não tem dado origem a condenações nos tribunais
Está em causa a fronteira entre o que é a liberdade de expressão e a difamação da figura do Presidente da República, mas não há memória de condenações. Pela lei, Miguel Sousa Tavares arrisca uma pena de prisão até três anos.
Não é a primeira vez que é aberto um inquérito crime tendo por base o crime de ofensa à honra do Presidente da República, mas não há notícias de condenações, de acordo com vários especialistas ouvidos pelo Negócios. A Procuradoria Geral da República (PGR) anunciou na sexta-feira, 24 de Maio, que procedeu à instauração de um inquérito na sequência das declarações proferidas sobre Cavaco Silva por Miguel Sousa Tavares, em entrevista ao Negócios. Nesta, o escritor afirma que “o pior que nos pode acontecer é um Beppe Grillo, um Sidónio Pais. Mas não por via militar. Nós já temos um palhaço. Chama-se Cavaco Silva. Muito pior do que isso, é difícil”.
Sousa Tavares já veio, entretanto, admitir que se excedeu e que não devia ter dito o que disse, mas o inquérito prossegue, até porque, apesar de se tratar de um crime público, o próprio Cavaco Silva apresentou queixa ao Ministério Público (MP).
“Nesta matéria os tribunais portugueses não são particularmente conservadores e não tem havido condenações nesta matéria, sendo mesmo o Ministério Público que, em muitos casos, acaba por arquivar os processos”, explica Pedro Garcia Marques, especialista em Direito Penal e assistente da Universidade Católica. Não há aliás, notícia de decisões proferidas em tribunais superiores – na Relação e no Supremo Tribunal de Justiça – envolvendo nenhum acusado ou julgado pela prática desse crime, refere João Carlos Medeiros, advogado com larga experiência na área penal, que não quer, no entanto, pronunciar-se sobre este caso concreto.
“A jurisprudência joga aqui um papel muito importante, sendo que a referência serão os crimes de injúrias e difamação”, explica Pedro Garcia Marques. Segundo o Código Penal, “quem injuriar ou difamar o Presidente da República, ou quem constitucionalmente o substituir é punido com
pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”. Para avaliar se está ou não preenchido o tipo de crime, é preciso determinar se estamos ou não perante um caso de injúria ou de difamação. O primeiro, neste caso, está afastado, já que ocorre quando alguém se dirige directa e pessoalmente ao destinatário – ou seja, ao injuriado –, o que neste caso não aconteceu.
Resta saber se estamos ou não perante uma difamação. À primeira vista pareceria que sim, “já que terá sido formulado um juízo ofensivo da honra ou consideração “, diz Pedro Garcia Marques, mas o Código Penal prevê também que tal conduta não é punível quando “estão em causa interesses legítimos”. Ora, continua o professor de direito, “se a pessoa estiver a contribuir para o debate público de uma determinada questão, então podemos considerar que há um interesse público”.
E é aqui, concretiza, “que entra a jurisprudência”. E, para Pedro Garcia Marques, “o contexto é claramente de promoção de um interesse legítimo, o do pluralismo e contribuição para o debate e para uma opinião pública esclarecida”. Porque Sousa Tavares “não imputou um facto ao presidente”, mas “limitou-se a expressar uma opinião”.
Tribunais mais sensíveis à liberdade de expressão
Em suma, está aqui em causa a “fronteira daquilo que deve ser considerado como liberdade de expressão”, protegida constitucionalmente. E, no caso concreto, há que ver se estamos perante “uma questão de domínio público, sobre uma figura pública e sujeito a um debate público necessário para aprofundar o pluralismo de opiniões e assegurar uma opinião pública esclarecida”. E isso, sublinha, “implica alguma tolerância em relação às expressões usadas, sendo muito comum que os tribunais sejam bastante sensíveis em relação ao direito de livre expressão de opinião”.
Também Cláudia Santos, professora de direito penal da universidade de Coimbra, considera que “no âmbito da crítica política a protecção da honra sofre uma limitação e prevalece a liberdade de expressão” e não se lembra “de ter havido qualquer condenação por este tipo de crime”. Igualmente sem querer pronunciar-se sobre o caso Sousa Tavares, a especialista sublinha que “o espaço de protecção da honra de um titular de um cargo político é menor, até porque este, pela sua natureza, expõe a pessoa à crítica”.
Caso Soares ficou pelo caminho
Carlos Pinto de Abreu, advogado e também com larga experiência na área penal, considera que “a PGR tem entre mãos uma situação em que tem de ponderar os interesses em jogo e os direitos e deveres em causa, ou seja, por um lado o direito de expressão e por outro o respeito devido pela imagem do presidente”.
Carlos Pinto de Abreu lembra um caso, acontecido com o ex-presidente da República, Mário Soares. Este foi acusado por uma estudante de, nos tempos em que esteve exilado, ter pisado a bandeira portuguesa. Soares não gostou e a polémica acabou também por dar origem a um inquérito crime que “não teve consequências e que terminou sem qualquer condenação”.
Sem querer pronunciar-se sobre este caso em concreto, envolvendo Cavaco Silva e Miguel Sousa Tavares, o advogado remata: “Queixas, queixinhas e queixumes não resolvem os graves problemas de Portugal.”
Artigo 328.º do Código Penal - Ofensa à honra do Presidente da República
A Procuradoria-Geral da República considera que as declarações de Miguel Sousa Tavares ao Negócios podem corresponder à prática de um crime de ofensa à honra do Presidente da República, que está previsto no artigo 328º do Código Penal. O artigo é composto pelos seguintes pontos:
«1 - Quem injuriar ou difamar o Presidente da República, ou quem constitucionalmente o substituir, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
2 - Se a injúria ou a difamação forem feitas por meio de palavras proferidas publicamente, de publicação de escrito ou de desenho, ou por qualquer meio técnico de comunicação com o público, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a três anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias.
3 - O procedimento criminal cessa se o Presidente da República expressamente declarar que dele desiste.»
Fonte: http://bdjur.almedina.net/citem.php?field=node_id&value=1224926
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