Angola e Moçambique entre os mais expostos à desaceleração da China
"À medida que o modelo económico da China perde fôlego, os responsáveis africanos terão de planear o crescimento e a transformação económica conscientes de que o seu maior parceiro comercial e de investimento poderá vir a ter um perfil muito diferente do que teve até agora”, lê-se num relatório do grupo de reflexão Rhodium Group.
A desaceleração da economia chinesa e possível transformação do seu modelo de crescimento poderão ter impactos profundos nos países africanos, incluindo Angola e Moçambique, alerta-se num relatório do grupo de reflexão Rhodium Group.
"À medida que o modelo económico da China perde fôlego, os responsáveis africanos terão de planear o crescimento e a transformação económica conscientes de que o seu maior parceiro comercial e de investimento poderá vir a ter um perfil muito diferente do que teve até agora", lê-se na análise realizada pelo grupo, com sede em Nova Iorque.
Angola é apontada como um dos países mais sensíveis à evolução da segunda maior economia do mundo. A China é um dos principais destinos do crude angolano e o relatório antecipa que as importações chinesas de petróleo africano deverão estagnar ou diminuir, à medida que Pequim acelera a transição energética, expande a frota de veículos elétricos e reduz a intensidade energética da sua economia.
Esse cenário poderá pressionar as receitas fiscais, as exportações e a capacidade de Luanda para honrar a sua dívida externa, num contexto em que o país já paga mais à China em amortizações do que recebe em novos empréstimos.
Moçambique poderá ter uma trajetória distinta. Embora também exposto à procura chinesa por matérias-primas, o relatório antecipa uma procura estruturalmente robusta por minerais estratégicos associados à transição energética, como a grafite e outros minerais críticos, setores em que Moçambique tem vindo a ganhar relevância.
Os analistas sublinham, no entanto, que os benefícios dependerão da capacidade de Maputo para atrair investimento produtivo e subir na cadeia de valor.
Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe apresentam uma exposição direta mais limitada à economia chinesa, mas não estão imunes a efeitos indiretos. No relatório destaca-se que mesmo países com fracos laços comerciais bilaterais com a China podem ser afetados por choques regionais, flutuações nos preços globais das matérias-primas ou alterações nos fluxos financeiros internacionais.
A análise sublinha que o comércio de bens entre a China e África ronda atualmente os 300 mil milhões de dólares (254 mil milhões de euros) por ano, cerca de 10% do PIB africano, mas continua marcado por fortes desequilíbrios.
África exporta sobretudo petróleo, minerais e produtos agrícolas, enquanto importa bens acabados -- um padrão que, segundo o relatório, continua a penalizar a industrialização local.
No domínio financeiro, o documento aponta para um declínio sustentado do financiamento chinês ao continente africano, independentemente do cenário de crescimento da China. Os bancos chineses tornaram-se mais "avessos ao risco", priorizando a gestão de problemas internos e a renegociação de dívidas existentes, indica-se.
O "fluxo líquido de dívida" da China para Moçambique tornou-se já negativo. Ou seja, a China recebe mais dinheiro em reembolsos do que concede em novos empréstimos, numa inversão significativa nos fluxos financeiros.
Angola é também citada como um dos países africanos com maior exposição à dívida chinesa.
Em contrapartida, o investimento direto estrangeiro chinês mostra-se mais resiliente. Em 2024, atingiu cerca de 11 mil milhões de dólares (9,3 mil milhões de euros) em África, concentrado em setores intensivos em capital como a mineração, energia e construção. Angola e Moçambique permanecem entre os principais destinos, embora os investidores chineses adotem uma postura mais seletiva.
No estudo conclui-se que, embora nenhum cenário beneficie de forma uniforme todos os países africanos, uma China que aceite reformas estruturais e cresça de forma mais lenta, mas estável, oferece as melhores perspetivas globais para África.
"O melhor cenário para África continua a ser uma China que consiga reformar com êxito o seu modelo de crescimento, orientando-o para o consumo interno, o que permitiria fluxos comerciais e de investimento sustentáveis", aponta-se.
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