Investir em África
O ano passado foi negro para as acções mundiais. África não escapou. Ainda assim, os analistas consideram que há oportunidades únicas de investimento na região. Mas a promessa de retornos elevados acarreta...
O ano passado foi negro para as acções mundiais. África não escapou. Ainda assim, os analistas consideram que há oportunidades únicas de investimento na região. Mas a promessa de retornos elevados acarreta riscos altos. A instabilidade política e a falta de transparência são as principais ameaças ao investimento.
Depois da Ásia, África poderá ser o próximo continente que promete superar os retornos das bolsas mundiais. Os elevados ritmos de crescimento, associados à grande riqueza de recursos naturais, nomeadamente o petróleo, e o elevado potencial da procura interna oferecem oportunidades de investimento únicas. Mas os riscos são grandes e exigem paciência. Trata-se de países caracterizados pela forte instabilidade política, marcados por bolsas com pouca liquidez e falta de transparência. Ainda assim, os especialistas não têm dúvidas: o risco compensa.
![]() | As estimativas de crescimento económico do Fundo Monetário Internacional para África são as segundas maiores do Globo, logo a seguir à China |
Ainda assim, África continua afastada dos problemas de endividamento que estiveram na origem da crise mundial. As economias da região beneficiam ainda de elevados ritmos de crescimento, acima dos países desenvolvidos, bem como de um enorme potencial em termos de consumo interno, que ainda se está a desenvolver. Por isso, para os gestores de activos, África está na linha da frente para beneficiar com uma retoma económica e a emergência da China como uma grande potência global.
"África é a última região do mundo a beneficiar do fenómeno da globalização, seja pelos aspectos de enquadramento demográfico, muito favorável a uma expansão da procura interna a partir dos níveis muito baixos actuais, ou ainda pela melhoria significativa da estabilidade política e da situação financeira de um grande número de países africanos", explicou ao Negócios , Ricardo Graça Santos, gestor da ESAF. Na opinião do responsável, há no continente "uma enorme oportunidade de investimento", destacando a aposta em países como a África do Sul, Egipto, Maurícias, Marrocos ou Quénia.
Opinião semelhante tem Francis Beddington, do Insparo Asset Managment, que destaca o facto de a região ter sido menos afectada pelo "abrandamento global do que a maioria das regiões do mundo". Além disso, o mesmo responsável realça que "as últimas previsões do FMI, que nós consideramos conservadoras, apontam o crescimento africano como o segundo mais rápido do mundo, depois da China", dados que justificam a aposta na região. Para Francis Beddington, "as telecomunicações, os seguros, a banca de retalho e o imobiliário são os sectores que beneficiam com o desenvolvimento de uma classe média africana".
Mais abertura
A maior abertura à fixação de empresas estrangeiras nos países africanos é outro dos catalisadores da região. "A estabilidade política tem permitido que a fixação de multinacionais em África acelere e potencie o consumo doméstico e crie emprego, conferindo maior estabilidade aos rendimentos e criando condições para que um ciclo virtuoso de crescimento possa ter início", acrescentou Ricardo Graça Santos.
Mas, se as possibilidades de retorno elevados são grandes, também os riscos o são. Embora tenha observado algumas melhorias nos últimos anos, África continua a ser um continente marcado pela falta de transparência e pela instabilidade política. "Estes mercados continuam a sofrer de uma liquidez limitada e pouca transparência", explicou o gestor da Insparo Asset Managment. Ainda assim, o responsável salienta que estes riscos são os mesmos que há noutros emergentes e os retornos são, na maior parte das vezes, mais altos.
ÁFRICA DO SUL CONTINUA A SER O MERCADO PREFERIDO
AS ESCOLHAS DOS GESTORES DE ACTIVOS RECAEM SOBRE PAÍSES ONDE HÁ UM ENQUADRAMENTO MAIS FAVORÁVEL PARA OS INVESTIDORES ESTRANGEIROS E MAIS INFORMAÇÃO. ÁFRICA DO SUL, MARROCOS OU EGIPTO ESTÃO ENTRE OS ALVOS VISTOS COM MAIOR OPTIMISMO.
De Continente perdido a terra de oportunidades
"Não é correcto ser pessimista em relação a África. Está a tornar-se numa terra de oportunidades e não uma terra de pobreza e de ajuda internacional". O prognóstico é de Jose Gijon Spalla, economista-chefe da OCDE para o continente africano.
Nesta década, e pela primeira vez, o continente obtém taxas de crescimento superiores aos países industrializados. O processo de democratização na maioria das ditaduras e a redução dos conflitos armados favorecem o ambiente de negócios e alteram a forma como o resto do mundo olha para o continente negro. "Há mudanças muito significativas", sustenta Patrícia Ferreira, do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais. Hoje, há dois conflitos abertos: no Sudão e no Congo. Os restantes são mais crises estruturais e tensões sociais. O Zimbabué é um bom exemplo. "Não são democracias perfeitas", reconhece Spalla, mas o progresso é gritante.
![]() | O rosto de África está a mudar. De alvo prioritário da ajuda internacional, o continente está a converter-se numa terra de oportunidades |
Perigos à espreita
A actual crise não poupa ninguém. Nem África. As previsões das organizações internacionais, que há poucos meses, estimavam um crescimento em torno de 5% este ano, avançam agora com previsões de uma subida entre 2% e 3% no PIB. Nada mau quando se compara com a recessão profunda e prolongada que se espera para o mundo industrializado. Só a Alemanha deverá ter este ano uma contracção superior a 5% e os EUA dificilmente conseguirão evitar uma queda de 4%. Até aqui, a China "substituiu" o vazio de investimento estrangeiro deixado em África pelos países ocidentais. Patrícia Ferreira revela que "ainda não se nota uma retracção dos investimentos da China, mas é expectável que venha a ocorrer à medida que a crise se aprofunda".
O perigo para África reside na crise global. Se for muito mais profunda e longa do que se estima hoje, então nem mesmo o gigante asiático lhes poderá valer. E, nesse caso, as finanças públicas, que dificilmente encontram alternativa ao petróleo para a obtenção de receitas fiscais, poderão minar o progresso económico do continente.
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