A ausência de uma reforma real do IRS
O Anteprojeto, não representa qualquer reforma real do IRS, não determinando uma redução da pesada carga fiscal que incide sobre a maioria das famílias portuguesas, nomeadamente as com rendimentos de trabalho e pensões, que representam mais de 90% dos rendimentos sujeitos a IRS.
O Anteprojeto ao reforçar a dualidade do IRS, ou seja, ao dividir os rendimentos sujeitos a IRS em dois conjuntos – um constituído pelos rendimentos do trabalho e pensões sujeitos a taxas progressivas que variam entre 14,5% e 48%, e o outro composto pelos rendimentos do capital e propriedade (juros, lucros, mais valias, rendas) a que se aplicam taxas fixas de 25% ou 28% – destrói o caráter único do imposto e agrava as desigualdades e a injustiça fiscal, não respeitando assim a Constituição da República que dispõe no art.º 104.º que o IRS é um imposto que "visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo".
Durante o mês de Agosto o Negócios associa-se à consulta pública sobre a reforma do IRS convidando juristas, economistas e académicos a discutirem as suas características e a sua oportunidade. Hoje, o economista Eugénio Rosa aponta a ausência de uma verdadeira reforma, que só tem de positivo o quociente familiar.
Este tratamento desigual mais favorável aos rendimentos do capital é ainda agravado pela legalização do planeamento abusivo por parte dos detentores destes rendimentos. Segundo o Anteprojeto, os contribuintes com rendimentos de capital e de rendas poderão englobar estes rendimentos quando as taxas de IRS que se aplicam aos rendimentos do trabalho e às pensões, forem inferiores às que se lhes aplicam se optassem por uma tributação separada (25% ou 28%) que, contrariamente ao que está em vigor, pode ser apenas de uma ou várias categorias de rendimento. É um escândalo e tem a intenção deliberada de favorecer determinados contribuintes, pois não se aplica igual tratamento aos rendimentos de trabalho e pensões que estão sujeitos a taxas de imposto que, em certos casos, são quase o dobro das do capital.
O agravamento das desigualdades e da injustiça é ainda acentuado pelo facto de o Anteprojeto propor a eliminação do caráter regressivo das deduções na coleta que vigora atualmente (quanto mais elevado é o rendimento menor é a dedução, variando entre "sem limite" para o escalão de até 7.000€, e zero de dedução para o escalão de rendimento coletável superior a 80.000€) e substituindo a atual dedução regressiva por um dedução fixa igual para todos, tenha-se um rendimento coletável de 7.000€ ou de 1 milhão de euros por um ano. Sob um aparente tratamento igualitário esconde-se a profunda desigualdade de rendimentos.
O único aspeto positivo e inovador da proposta é a substituição do coeficiente conjugal que vigora atualmente (divisão da matéria coletável do agregado por 2 para saber qual é a taxa de IRS que se aplica) pelo coeficiente familiar (divisão da matéria coletável não apenas por 2, mas sim por este número a que se adiciona o valor de 0,3 por cada dependente), o que reduz, em certos casos, a taxa de IRS que se aplica ao rendimento coletável do agregado familiar. Mas mesmo este aspeto mais favorável do Anteprojeto é anulado por uma outra proposta da comissão de IRS que é a seguinte: a introdução do coeficiente familiar não poderá determinar uma redução de receita para o Estado. E para conseguir isso quer obrigar os casais que não têm filhos (reformados, aposentados, e todos os outros sem filhos) a pagar mais IRS para compensar a redução de IRS aos com filhos. Para isso reduz o limite máximo das deduções na coleta, por exemplo, aos agregados com rendimento coletável entre 7.000€ e 20.000€ de 1.250€ para apenas 544,64€, ou seja, uma redução de 705,36€, o que significa que o IRS que pagam aumenta em igual montante, ou seja, em mais 705,36€.
Fizemos uma simulação para quatro casais todos com um filho, cujos rendimentos ilíquidos totais de cada eram respetivamente: 1.500€; 2.200€; 3.200€ e 10.000€ por mês. E apesar de todos os agregados terem um dependente, a substituição da redução da dedução máxima na coleta atualmente em vigor pelas deduções fixas constantes do Anteprojeto (272,32€ por sujeito passivo e 265,37€ por cada dependente), e substituindo o coeficiente conjugal pelo coeficiente familiar, isso determinaria que só agregado com o rendimento mensal de 10.000€ é que teria uma redução de IRS que estimamos em 2.024€, pois os restantes agregados com rendimentos ilíquidos totais entre 1.500€ e 3.200€ por mês, mesmo estes, sofreriam aumentos no IRS entre 271€ e 299€. E nestes valores ainda não está incluída a sobretaxa extraordinária de IRS, que é uma taxa plana, portanto injusta, pois aplica-se a mesma percentagem seja qual for o rendimento do agregado familiar, que a comissão do IRS não elimina. Enviámos o nosso estudo ao presidente da comissão de IRS, Professor Rui Morais que não nos respondeu.
O Anteprojeto, não representa qualquer reforma real do IRS, não determinando uma redução da pesada carga fiscal que incide sobre a maioria das famílias portuguesas, nomeadamente as com rendimentos de trabalho e pensões, que representam mais de 90% dos rendimentos sujeitos a IRS. Apenas beneficia os elevados rendimentos, nomeadamente rendimentos de capital, que são naturalmente os clientes habituais dos escritórios de advogados, o que revela o caráter de classe da comissão nomeada por este governo. A reforma do IRS fica assim por fazer, já que o Anteprojeto constitui um passo na direção da destruição do caráter único e progressivo que deve caraterizar o IRS e, consequentemente, no agravamento das desigualdades e da injustiça fiscal que já é muito grande em Portugal.
Licenciado e doutorado em Economia
Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.
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