O estágio da nação
O debate do estado da nação é, para que ninguém fique com uma crise de urticária, um cardápio inalterado de ataques, emboscadas e iniquidades várias. Normalmente é uma inexistência andante.
É o reflexo da elite da nação que só vê o que quer ver, ou melhor, o que cada facção deseja transformar em real. Cada um fala para o seu espelho. Essa "selfie" deprimente mostra as rugas do regime. Ontem poderia ter sido diferente, porque Tancos ou Pedrógão poderiam ser motivadores para uma mudança de discursos. Mas o vento afasta todas as ilusões. O momento mais difícil do Governo, nas palavras imparciais de Pedro Nuno Santos, não foi o melhor momento da oposição. Talvez ainda não seja possível a grande reforma do Estado, e do novo mundo que estes anos de socratismo e de passismo propiciaram: o de uma nova elite que vive da parasitagem do Estado e que tem verdadeiro peso nele. E, na generalidade dos casos, não têm nada que ver com sectores que criem riqueza: apenas realizam negócios ou facilitam-nos. Antero de Quental já temia isso quando escreveu há mais de um século: "Portugal ou se reformará, política, intelectual e moralmente ou deixará de existir." É que a crise portuguesa não é financeira. É de coesão social, de criatividade intelectual, de debate sobre o modelo de futuro. E não apenas de fingir querer fazer.
O chamado debate sobre o estado da nação reflecte este deserto e esta pobreza espiritual. Portugal é um verdadeiro muro das lamentações. Todos encontram lá algum conforto para o que os faz lacrimejar. O país tornou-se um divã estilo colchão Molaflex: adapta-se às costas de cada português. Ali uns podem queixar-se da educação, outros da globalização, alguns do Estado, uns quantos do sector privado. E todos uns dos outros. A culpa de cada um é, assim, varrida para debaixo da cama. Daqui a uns dias o que sobrará deste fogo-de-artifício a que se assistiu ontem? Um vago eco, entre o estado de graça que se finou e um coro de críticas desafinadas e sem conteúdo. Como sempre a nação continua em estágio.
Grande repórter
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