A minoria fatal
A urgência de iniciativas para integração nas estruturas de poder das minorias russas nos estados da União Europeia ficou patente nas eleições na Letónia que confinaram à oposição o partido mais votado e, simultaneamente, porta-voz da população russófona.
O presidente Andris Berzins deu luz verde aos três partidos da coligação liderada pela primeira-ministra Laimdota Straujuma para negociarem um novo executivo na impossibilidade dos sociais-democratas russófonos do "Partido da Concórdia Popular" encontrarem parceiros para formar governo.
"Concórdia", liderada por Nils Usakovs, com 23% dos votos, menos 5% do que em 2011, conseguiu 24 mandatos, enquanto os partidos do bloco de direita - "Unidade" (22%), "União Verdes e Agricultores" (20%), "Aliança Nacional" (17%) - chegaram aos 61 deputados ao aumentarem a votação em 14%.
Os 59% de participação, valor semelhante ao de 2011, entre os cerca de milhão e meio de eleitores na votação de sábado confirmam a tendência de aumento da abstenção desde as legislativas de 1998 na sequência da restauração da independência e a polarização étnica.
No ano em que a Letónia aderiu ao euro, após políticas bem-sucedidas de recuperação da crise de 2008-2009 que propiciaram um crescimento económico de 4% nos últimos três anos e na altura em que se fazem sentir os custos da imposição de sanções à Rússia, acabou por ser a questão de segurança face à ameaça russa a dominar o debate político marcado pela clivagem entre letões e russos.
Nils Usakovs, apesar de presidir desde 2009 à câmara de Riga, a capital, está impossibilitado de encontrar aliados e o seu partido, criado em 2005, acaba confinado à expressão de interesses estritamente étnicos, sem que consiga fazer sobressair a alegada orientação social-democrata.
A linha política conservadora predomina entre o eleitorado letão que, por outro lado, aprova sem reservas de maior sanções a Moscovo e a adopção de medidas de contenção no âmbito da NATO para conter a Rússia.
Membros de pleno direito entre os 100 deputados do "Saeima" os representantes do "Concórdia" são tidos, no entanto, pelos demais partidos letões como um grupo ao serviço, em última análise, dos interesses de uma potência estrangeira.
Os "não cidadãos" do "estrangeiro próximo"
A invasão russa da Ucrânia e a anexação por Moscovo da Crimeia radicalizaram o cunho étnico da política na Letónia e a propensão ao confronto chauvinista.
Dos cerca de 2 milhões de habitantes da Letónia, aproximadamente 550 mil são russos e entre eles 32% têm estatuto de "não cidadãos", ou seja, estão privados do direito de eleger e ser eleitos, gozando em contrapartida de facilidades de circulação e trabalho na vizinha Rússia.
Na Estónia, onde os russos equivalem a 25% dos 1,3 milhões de habitantes, a categoria "cidadania indefinida", que permite votar em eleições locais, abarca menos de 10% da população russófona.
A minoria russa estabelecida nos estados bálticos sobretudo após a ocupação soviética no final da II Guerra Mundial queixa-se de tratamento discriminatório na Letónia e Estónia e mesmo na Lituânia onde os russos representam apenas 5% da população e foram isentos de exigências de conhecimento da língua oficial para obterem cidadania plena.
As populações russas estabelecidas no báltico durante a ocupação soviética não dominavam as línguas locais - o letão e lituano do ramo báltico das línguas indo-europeias como o russo, enquadrando-se o estoniano na família fino-úgrica - e o bilinguismo só se desenvolveu após a queda da União Soviética.
As limitações ao uso do russo em estabelecimentos de ensino oficiais, a recusa de estatuto constitucional para o russo como língua oficial no referendo realizado na Letónia em 2012 (75% contra com uma participação eleitoral de 71%), continuam a motivar queixas apesar da entrada dos estados bálticos na União Europeia em 2004 ter contribuído para eliminar alguns dos testes linguísticos mais rigorosos e facilitado procedimentos de naturalização.
Herdeiras de tradições coloniais russas e soviéticas, as minorias russas do Báltico, apesar de gozarem de condições de vida superiores às dos patrícios da Rússia, constituem um núcleo irredentista cativo das políticas expansionistas e de imposição de esferas de influência próprias do putinismo.
No "estrangeiro próximo", nas ex-repúblicas soviéticas, as minorias russas são a justificação maior para intervenções políticas e "manu militari" do Kremlin.
Tentar o diálogo
Nils Usakovs tem acordos de cooperação como o partido oficialista do Kremlin "Rússia Unida", elogiou publicamente Vladimir Putin como o melhor presidente da Rússia do ponto de vista da Letónia e recusou condenar no parlamento de Riga a "agressão à Ucrânia".
Alinhado com o autoritarismo expansionista putinista, o partido dos russos da Letónia dificulta em extremo a sua integração na administração política central, mas reelegê-lo para o bando de "inimigos da pátria" apenas agravará uma situação de confronto.
Em países onde vicejam memórias e mitos da barbárie da I Guerra Mundial, da guerra civil russa, das chacinas étnico-religiosas, do colaboracionismo com nazis e comunistas na II Guerra, das deportações e ocupação soviéticas, a deriva expansionista russa gera preocupação extrema entre letões, lituanos e estónios.
Qualquer estratégia de contenção da Rússia terá, contudo, de levar em linha de conta a muito especial situação das minorias russas em especial na Letónia e na Estónia.
É contrária aos interesses estratégicos da União Europeia e da NATO e aos ideários democráticos a crispação de minorias irredentistas e, por isso, iniciativas que promovam a participação política a nível local, regional e local das populações russófonas do Báltico (independentemente do grau de domínio das línguas oficiais) são de incentivar.
Em Riga, em Tallinn e também em Vilnius o moroso e muito difícil caminho para obviar ao confronto com as minorias russas sob sedução do Kremlin tem de começar a ser trilhado o mais cedo possível.
Jornalista
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