Boas festas
Se não houvesse União Europeia, este Natal seria pior ainda do que vai ser sem 13.° mês para os funcionários públicos, com uma avalanche de impostos anunciada para todos a partir do ano que vem e com o túnel a começar a ver-se ao fundo da luz (como disse Vaclav Havel noutro aperto da história europeia recente).
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Em 1939, eu era pequeno demais para me lembrar hoje de quando acabou a Guerra de Espanha - combate perdido pela liberdade contra a brutidão do fascismo, para uns; triunfo da última Cruzada contra os infiéis, para outros -, mas acompanhei a Segunda Guerra Mundial com bandeirinhas a marcar batalhas na Europa e no Norte de África cravadas em mapas de parede e a vitória dos Aliados em 1945 - lá em casa éramos anglófilos - trouxe uma grande alegria. Segunda alegria, do mesmo jaez, veio com a implosão e fim da União Soviética em 1991 (precedida em 1989 pela libertação dos países da Europa de Leste, cujo emblema ficará a imagem do violoncelista Rostropovitch a tocar Bach junto ao muro de Berlim deitado abaixo).
Com a queda do nazismo, primeiro, e do comunismo, depois, a democracia, livre de dois inimigos mortais, ficou entregue a si própria. Varridos com meio século de intervalo esses dois tumores ideológicos, a Europa regressou, por assim dizer, à normalidade que conhecera a seguir aos sobressaltos da Revolução e da Restauração francesas. Com simplicidade, o primeiro-ministro Guizot exortaria assim, passados poucos anos, o povo do seu país: "Enriqueçam!". Volvidas duas grandes guerras mortíferas e solavancos menores e acabado de vez o papão agitado por Estaline (fechado por Gorbachev num armário donde nem Putin o consegue tirar) os europeus meteram-se com brio à luta pela prosperidade. Mas tivemos mais olhos que barriga - quer as forças vivas do Sul quer os banqueiros do Norte que, na formulação feliz de Javier Solana, iam fornecendo as bebidas para que a festa não acabasse.
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Começamos agora a curtir a bebedeira. E esperemos que a ressaca não dê cabo da democracia, isto é, de uma sociedade onde temos a nossa palavra a dizer sobre a maneira como somos governados (e por quem e por que prazo) e onde nos pusemos de acordo sobre direitos e deveres. Cuidar da democracia dá muito trabalho - é como tratar de um jardim. Exige atenção constante. É isso que nos cabe fazer, em condições pouco propícias. (Não é só tarefa para os governantes, é também tarefa para os governados). Quando a economia cresce toda a gente ganha algum, quase toda a gente pensa que no futuro vai ganhar mais e as diferenças entre ricos e pobres incomodam pouco seja quem for. Quando, porém, a economia mirra e o futuro assusta há menos anestesia da condição humana.
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E a União Europeia? Sem ela já estaríamos na Europa em guerra uns com os outros, como era nosso costume. Graças a ela não estamos. Valha-nos isso - e Boas Festas.
Embaixador
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