Helmut Schmidt, chanceler de 1974 a 1982, com 94 anos e 3 maços de cigarros por dia desde os 15, afirmou a semana passada numa entrevista que a Alemanha tem de mostrar mais solidariedade. Com o maior superavit do mundo, mais do que a China, por fim terá de responder às pressões e gastar mais.
Quanto aos franceses - cada vez mais afogados em impostos e ameaçados na civilização do seu viver por agências de notação (...) e por missionários da austeridade em Bruxelas e Berlim, indignados com Hollande por ele pouco ter tocado no estado social - saem à rua como só eles são capazes de fazer.
As últimas críticas à Alemanha por não tomar medidas que aumentem a procura e ajudem a equilibrar Norte e Sul da Europa não vêm das extremas-esquerdas do costume, mas do Tesouro americano e até do próprio Presidente da Comissão Europeia.
Por inspiração francesa, há muitos anos tem havido partidários de uma defesa europeia independente dos Estados Unidos. Durante a Guerra Fria tal esforço – retórico – era contrariado pelos Estados Unidos pois iria enfraquecer a OTAN.
Historiar o que poderia ter acontecido em vez do que aconteceu é especulação fútil, mas se a URSS tivesse ganho a Guerra Fria (houve alturas em que tal pareceu possível) hoje as gravações das nossas conversas não estariam armazenadas num descampado do Utah, mas algures entre os Urais e Vladivostok.
Entre 1974 e 1977, os portugueses saíram da bolha de ilusões em que o Estado Novo tinha querido meter-nos para entrar na bolha de ilusões que "a Europa" passou a querer impor-nos. Para os saudosos do salazarismo foram anos duros; para toda a outra gente foram anos "à la Saint-Juste" de felicidade sobre a terra. (Para os comunistas a festa foi curta porque as "Forças Armadas" lhes dispensaram os serviços assim que a independência de Angola as livrou de vez da guerra colonial).
É por isso que no descalabro social que a austeridade agravou, ao assistir, por exemplo, à popularidade de medidas racistas anunciadas pelo governo húngaro ou, mais perto de casa, a vitórias eleitorais do Front National em França, a gente tem medo. Eu, pelo menos, tenho.
Na 1ª volta de eleição cantonal no Sul de França o partido de Marine LePen que quer fechar a Europa à emigração recebeu 40% dos votos. Não há vontade de fascismo na Alemanha; no sul ressabiado da Europa não punha as mãos no fogo.
Ângela Merkel é mestre de táctica, mas governar é prever, de preferência para lá da primeira esquina. Ninguém saberá convencer a "Chefe da Europa" que no interesse de todos, a começar no da própria Alemanha, ou se vai aliviando a austeridade ou, em vez de retoma, teremos a democracia em perigo e a Europa desfeita?
Há dois séculos - desde que Clausewitz se lembrou dos Actos dos Apóstolos - especialistas gostam de evocar o "nevoeiro da guerra".
As Comunidades transformaram-se em União Europeia que é hoje um gigante económico e comercial, mas não tem qualquer papel de defesa militar. Foram construídas ao lado da OTAN e pela mesma razão: por medo de Estaline (como dizia Paul-Henri Spaak).